Cada qual sabe amar a seu modo; o modo, pouco importa; o essencial é que saiba amar.
Machado de Assis, em Missa do Galo
Machado de Assis, em Missa do Galo
Anteontem, me senti como o Nogueira da Missa do Galo, o que não entendeu D. Conceição.
Eu esperava a Elena chegar enquanto uma
mulher roçava-se em seu amigo ou amante ou marido olhando para mim.
Sempre olhando para mim. Na hora, achei que fosse algo casual — vocês
sabem, estou a anos-luz de ser um Paul Newman ou Alain Delon, além
disso, estou perto dos sessenta, isto é, sou feio e sem atrativos –, mas
quando voltava meus olhos para lá, ela me olhava.
Não sou muito envergonhado, mas também
não sou cara-de-pau. Minha possível vergonha fica escondida sob o Homo
Faber que sou e aquilo que posso chamar de Homo Ludens, alguém sempre
pronto a se divertir. Esta criança interior ri, avacalha e satiriza
muito. De certa forma, ela me protege.
E comecei a ficar irônico. Eu dava um
tempo, mas quando passava meus olhos pela cena, estava sendo observado. E
aguardava… Era um local absolutamente público, aberto, na rua. Cada um
se excita a seu modo, talvez dissesse Machado. Há parafilias para
todos os gostos. A(o) exibicionista tem a fantasia de que o observador
ficará sexualmente excitado, o que só aumenta sua própria excitação.
Então, eu era um reles apoio. Como não se divertir, ainda mais que
estava esperando?
A Elena chegou toda linda e feliz.
.oOo.
O conto Missa do Galo é uma das obra-primas de Machado. As histórias de Machado costumam ser assim: ele conta o que ocorreu trinta anos. A Missa
também é um conto retrospectivo. Maduro, o narrador Nogueira relata um
acontecimento do passado. Menino do interior, quando tinha 17 anos,
Nogueira morava na casa do escrivão Meneses. Estava ali, no Rio de
Janeiro, para estudar. Naquele ano, já de férias, prolongou sua estada
na Corte a fim de assistir à Missa do Galo. O escrivão Meneses, mesmo
casado com dona Conceição — uma santa, segundo o narrador — mantinha um
caso extraconjugal. Todos sabiam disso, inclusive sua esposa. Uma vez
por semana, dizia que iria a um teatro ou outro lugar e ia encontrar-se
com a amante. A noite de Natal foi uma dessas ocasiões e Conceição devia
estar especialmente ofendida.
E a santa provavelmente pensou que a
saída do marido propiciaria condições para que ela própria tivesse uma
aventura. Assim, ao que tudo indica — pois como sempre Machado não
afirma nada — premedita um encontro com o jovem. Lendo na sala, o jovem
Nogueira aguarda o horário da Missa e ela chega, procurando ser
envolvente. E ele não capta as intenções de Conceição. Suas roupas, seus
gestos, suas atitudes, seu andar, suas frases ambíguas são de sedução.
Mas, vocês sabem, há o momento da sedução. Quando este passa, o
reaquecimento é complicado. E tudo esfria, só reaquecendo inutilmente na
memória de Nogueira, muito tempo depois.
Sim, não tem muito a ver com a situação que vivenciei, só o fato de eu ter ficado sem entender nada.
“Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta.”
Pode-se entender, se nem mesmo o narrador entende?
Nenhum comentário:
Postar um comentário