sábado, 1 de outubro de 2016

O declínio do afeto começa no desprezo pelas coisas pequenas.

Depois de passarmos muito tempo ao lado de outra pessoa, começamos a achar que os pequenos detalhes são dispensáveis. Não são.

Quantos relacionamentos poderiam ter sido salvos se as bocas continuassem a dizer frases simples como: “ei, você está bonita”, ou “você é importante pra mim”. Todo relacionamento, assim como uma casa, precisa de manutenções regulares. E manter, nesse caso, nada mais é do que ser capaz de dizer e também ouvir coisas aparentemente desgastadas.

Não é à toa que dizem por aí que a prática leva à perfeição. Ninguém pode ser bom de fato em algo sem se dedicar àquilo de corpo e alma.

O casal que não prima pela repetição, erra. Erra feio, erra rude. A busca incessante pelo novo, o anseio incontrolável por novidade muitas vezes nos leva ao total esquecimento daquilo que é essencial.

A saudação de bom dia, o agradecimento, o elogio, as demonstrações de apoio e de afeto fazem parte de um ritual complexo. Renegar a urgência disso é antecipar a cerimônia de adeus. Reforças os laços é mais do que ir ao cinema ou ao restaurante juntos. É também restabelecer o diálogo, o prazer da companhia através da palavra, da conversa mesmo que banal.

A intimidade se quebra quando não há conversa. Mesmo a intimidade dos corpos é afetada com a distância verbal. Não há tesão que resista à degeneração do diálogo. Ainda é e sempre será importante não reprimir o impulso de falar com o outro sobre o brilho no olhar, sobre o sabor do beijo, sobre a sensação confortável de uma mão aquecendo a outra numa noite fria na volta pra casa ou sobre o prazer de dividir o cobertor no sofá em tarde de chuva.

O declínio do afeto começa no desprezo pelas coisas pequenas. O silêncio só vira ouro quando a palavra que escolhemos não dizer for de chumbo. Caso contrário, cada sílaba importa.

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