Escrever
um romance não é só juntar palavras para contar uma boa história. É mais, muito
mais, muito mais. Deve-se contar uma boa história, é claro, mas recorrer a
técnicas e estratégias narrativas que seduzam o leitor. Com simplicidade e com
sofisticação. É o que se aprende desde a Odisseia, de Homero, embora a técnica aí seja de
epopeia e não de romance burguês, com suas manhas e artimanhas narrativas,
cenas e cenários eficazes, diálogos inventivos e entrecruzados, montagem
elaborada com cortes psicológicos e discursos metafóricos.
Tudo
isso parece somente didática de Oficina Literária, mas não é bem assim. A
elaboração técnica da ficção deve ser matéria de estudo e prática de todo
escritor que se proponha a enfrentar o humano. Basta verificar agora o livro Sobre a escrita, de
Stephen King. Sim, o mesmo Stephen King tão criticado e tão desprezado por
certa crítica oficial pelo fato de vender milhões de exemplares, mais de 300
milhões de livros conforme a imprensa norte-americana. Sobre a escrita é um livro em que o autor mostra por
que se tornou um escritor do rótulo horror, e oferece conselhos para os
iniciantes. Tudo se explica porque a maioria dos escritores modernos dos EUA
passou por uma cadeira de Redação Criativa, que nós costumamos chamar de
Oficina Literária. As universidades norte-americanas costumam oferecer a
cadeira de Redação com escritores consagrados ou professores reconhecidamente
competentes nesta área — ou com obras, ou com a celebrada formação de
escritores.
Stephen King começa
justificando sua preferência pelo horror, narrando fatos fundamentais de sua
infância e adolescência, que forjaram sua mente e, em consequência,
influenciaram a escolha do tema. Ao mesmo tempo, porém, indica dois pontos para
que o iniciante venha a se tornar um escritor: 1) Ler e escrever muito (tenho
para mim que este é ponto decisivo); e 2) A primeira grande oficina literária é
a leitura sistemática. Em síntese: ler, ler e ler; escrever, escrever e
escrever.
O
autor norte-americano apresenta uma relação dos livros e dos escritores que
devem ser lidos. Divide a lista em três blocos, que seriam Essenciais, Médios e Menores. Uma relação de livros sempre funciona muito
bem, e, no caso de King são centenas, misturando bons, competentes e medíocres.
De minha parte, sou mais exigente: “só leia os essenciais, fundamentais e
definitivos”, que são muitos e muitos. Não perca tempo com qualquer um. Nós já
perdemos tempo com leviandade demais. E nunca leia com os olhos — leia sempre
com a mente e, se possível, de olhos fechados.
Escreva sempre, todos os
dias e na mesma hora, para ter uma mente treinada. Assim como não se deve ler
qualquer um, também não se deve escrever de qualquer jeito. Use todo o tempo
que tiver para fazer anotações — nomes de personagens, cenas, cenários — e só
depois trabalhe o texto, certo de que terá de fazer várias versões.
Em Sobre a escrita,
King manda que os medíocres sejam lidos para aprender o que não se deve
escrever. E cita o caso do romancista medíocre Murray Leinster, que num dos
seus livros repete a palavra “arrebatador” várias vezes, concluindo: “até onde
sei, nunca usei a palavra ‘arrebatador’ em qualquer história ou romance. E, se
Deus quiser, nunca vou usar”.
Quanto
à escrita, diz que se deve escrever em lugares especiais, ventilados e
iluminados. É o que digo, mostrando que o corpo e a mente devem se acostumar
com a escrita, deixando-se conduzir já de forma espontânea. Alerta, ainda, que
mesmo escrevendo muito e muito o aprendiz deve parar quando o ato de escrever
se transforma em trabalho. Ou seja, se transforma em obrigação sem alegria. Ele
escreve quase sempre pelas manhãs, com um número determinado de palavras — e os
norte-americanos sempre escrevem contando palavras, como testemunha Irving
Wallace no livro sobre o processo criativo O prêmio, outro livro de incrível vendagem.
Mas quais seriam as
condições objetivas para escrever? King responde:
Se possível, não tenha telefone em sua sala. Não coloque televisão
ou vídeo que possa distraí-lo. Se tiver janela, feche as cortinas ou baixe as
persianas, desde que elas não deem para uma parede nua. Para qualquer escritor
e, em particular, para o iniciante, é aconselhável eliminar todas as distrações
possíveis. Quando entrar em seu espaço de escrita e fechar a porta, você já
deve ter estabelecida uma meta diária de trabalho.
Adiante, King lembra que é
impossível se tornar escritor sem o domínio da gramática e sem o domínio de um
bom vocabulário. São estas, aliás, as condições essenciais para se tornar
escritor, embora nem sempre observadas pelos iniciantes. Lembra, por isso
mesmo, que conheceu muitos escritores jovens que não liam nunca, ou, se liam
apenas passavam os olhos nos livros. De minha parte, já encontrei muitos
autores que diziam não ler para não sofrer influências.
É escritor. Autor, entre outros, de Seria
uma noite sombria e Minha
alma é irmã de Deus. Vive no Recife (PE).
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