quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Trecho da entrevista de Adélia Prado ao Jornal O Globo

Em “A face de Deus é vespas”, a senhora escreve: “Queremos ser felizes como os flagelados da cheia, que perderam tudo/ e dizem-se um aos outros nos alojamentos: ‘Graças a Deus, podia ser pior’”. A qual imagem a tragédia ambiental de Rio Doce a remete?


Cataclismos funcionam às vezes como purgativos. O de Mariana, somado ao turbilhão de horrores que presenciamos diuturnamente no Brasil e no mundo, soam para mim como anúncios de uma calamidade maior (a lama do Rio Doce é simbólica). O silêncio que sucede aos desastres, quem sabe, nos fará ouvir. Ouvir o quê? A resposta, ou ao menos a pergunta pelo sentido da vida. Não vejo sinais para otimismo, a não ser o que a fé oferece quando convoca a esperança no auxílio divino. Em meio a tanta treva, aguardo um renascimento na política, na igreja — como no tempo de São Francisco — de quem ele foi o grande arauto. Foi horrível a capa do “Charlie Hebdo”. O que quiseram dizer com um corpo furado de balas que vertia champagne? Não é voltando imediatamente a restaurantes e cafés e dizendo “não temos medo” que responderemos ao fogo. Agora somos chamados a um recolhimento, a um silêncio que nos permita ouvir atentamente, encontrar e admitir nossa culpa. Há necessidade de oração, conversão, volta evangélica para a vida interior, para valores esquecidos, desaparecendo sob lama, sangue e cinza. Uma comoção maior, que não se acabe com flores e velas sobre os cadáveres e fotografias sentimentais sobre filas de refugiados. Não sei o que fazer. Só uma certeza me acode: devo começar em meu coração, dentro da minha casa, a radical mudança para o amor, o perdão, a tolerância, para a atenção real para o meu próximo, o que, segundo Jesus, resume a lei e os profetas.

Sugestão de postagem de Marisa Bello 

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