sábado, 3 de setembro de 2016

Sexo e Poder

 Há pessoas para as quais sexo e dinheiro são os principais motivos do comportamento humano. Para outras, é apenas o sexo, sendo a sexualidade somente um verniz a cobrir o sexo. Quer dizer, o ser masculino ou feminino se resume basicamente na tendência sexual biológica, cuja força motriz Freud chamou de libido (desejo, em latim).

          Essa é uma visão simplista da motivação humana. Considerar todas as tendências inatas e os motivos adquiridos como derivados da necessidade de prazer e perpetuação da espécie, é rebaixar demais a condição humana e fazer vista grossa a uma ampla variedade de estilos de vida de pessoas de etnias, nacionalidades, classes sociais e níveis culturais diferentes.

          Tão forte quanto a tendência de reprodução e busca de prazer pelo ato sexual, estão as necessidades de segurança, amor, correspondência, novas experiências, status, posse, poder, cooperação, competição etc.. Mas uma criança, frustrada na satisfação de suas necessidades de segurança, amor e participação social, e que passa a viver isolada e sem poder realizar a humanidade que potencialmente possui, tende a substituir o viver pelas fantasias compensatórias. Essas fantasias dizem respeito ao amor, à posse, ao poder, à aventura etc.. E como seus pais são os que têm o poder e estão mais próximos, as crianças elaboram fantasias e sonhos tendo-os como figuras que devem ser amadas ou odiadas, imitadas ou repudiadas. Não seria apenas a busca inconsciente de prazer físico que levaria o organismo a procurar o seu equilíbrio energético pela identificação ou rejeição dos pais. Vários motivos estariam existindo de forma conflitante na criança e determinando o apego ou o afastamento dos pais, bem como um modo particular de vida. Assim, o complexo de Édipo – o menino volta-se para a mãe, e a menina, para o pai –, que Freud colocou como a pedra angular do edifício Psicanálise, não passaria de uma explicação de casos excepcionais, de dramas vividos por alguns portadores de reações neuróticas. Estacionados na infância, tais indivíduos estariam reclamando por amor, participação social, poder, respeito à sua individualidade etc.. Pense na condição da mulher dos grandes centros urbanos no século passado e você poderá deduzir porque elas, mais que os homens, estavam sujeitas aos então denominados ataques histéricos (chamar a atenção, exigir cuidados excessivos, reivindicar o amor do pai, hostilizar a mãe etc.). Do mesmo modo, pense no estilo de vida dos homens, e concluirá que muitos tidos como “normais” apresentavam reações psicóticas.

          Quando Alfred Adler disse que o complexo de Édipo não passava de comportamento mal ajustado de crianças mimadas, Freud ficou revoltado, porque esse complexo, como foi por ele entendido, é o alicerce da Psicanálise. Se alguém negá-lo, estará negando as teorias da personalidade e do desenvolvimento assentadas nele. A partir de então, Freud procurou ridicularizar a teoria da motivação de Adler, que tem o complexo de inferioridade como sua base. Veja a Autobiografia de Freud (1925).

          Enquanto Freud reinou como o grande “pai” (ele faleceu em 1939), poucos ousaram, como Adler e Jung, contestá-lo, dizendo em público que sua visão da natureza humana era estreita. Essa visão escandalizou a sociedade da época, porque o homem comum não se questionava sobre que havia no porão (inconsciente) de sua personalidade, e muito menos se indagava sobre as causas dos desvios sexuais sádicos ou masoquistas.

          É evidente que muitos criticaram Freud, sobretudo os frustrados moralistas, mas ele dava de ombros. Ao gênio são importantes somente as críticas vindas de outros gênios, no caso, da parte de Adler e C. G. Jung. Daí o porquê da agressividade do mestre de Viena em relação a Jung e o seu desprezo por Adler (Autobiografia, cap. V e História do movimento psicanalítico, cap. III).

          Infelizmente, a Psicanálise, nascida do esforço de Freud para conhecer o inconsciente do homem, aos poucos foi sendo utilizada como a ideologia do capitalismo internacional. Se você convence um indivíduo de que, na maioria das vezes, ele age inconscientemente e que a busca do prazer sexual é a sua motivação básica, ele não se questionará muito sobre trabalho, amor, família, poder econômico, política, educação, justiça, saúde etc.. Será um ser mais alienado que um medieval, paradoxo esse que irrita qualquer pessoa culta, porque, se a Psicanálise surgiu como defensora da liberdade individual pelo conhecimento, passou a ser usada como instrumento do processo alienatório.

          Ao psicólogo consciente cabe o dever de pôr Freud no seu devido lugar, mostrando sua contribuição para o estudo da personalidade e seus enganos, como a teoria segundo a qual o sexo determina o poder (veja Totem e tabu). Na verdade, o sexo é um instrumento de poder. Poder que, como disse Jung, quando exacerbado no indivíduo chama-se egoísmo, e nas nações, imperialismo. 

por Lannoy Dorin

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