A guerra não tem rosto de mulher é
mais um excelente produto do curioso, trabalhoso e eficiente método de
Aleksiévitch fazer literatura. O livro é formado de pequenas introduções
da autora e de trechos de entrevistas que são retrabalhadas,
classificadas e ordenadas. O efeito é o de um torpedo, cheio de dor e
humanidade. Os relatos são curtos, vindos todos de mulheres soviéticas
que lutaram na 2ª Guerra Mundial. Suas funções são de francoatiradoras,
enfermeiras, lavadeiras, médicas, pilotas, cozinheiras, artilheiras,
comandantes, tanquistas, sapadoras, enfim, elas estiveram em todos os
gêneros de trabalho de soldados em guerra. Matavam e eram mortas. E cada
sobrevivente tem uma história diferente e pessoal para contar. A morte,
é claro, é onipresente. Todos os relatos envolvem sofrimento, mas
também há histórias de amor, de coqueteria e de pequenas alegrias.
Todos sabem que a história é escrita
pelos vencedores, mas é pior do que isso, ela é escrita por homens e
apenas sobre homens. As mulheres são apenas enfermeiras? Nada disso. E
a escolha do feminino no livro de Aleksiêvitch é fundamental. O
masculino ama as ações honrosas, a narrativa oficial, enquanto que as
mulheres são mais afeitas às “anotações da alma” e aos sentimentos. Nada
de estatísticas, de narração de batalhas, apenas detalhes do que é
viver dentro de um conflito como aquele..
Isto é, depois de sete anos de
entrevistas e de quilômetros de cassetes gravados, Svetlana Aleksiévitch
não escreveu um livro somente sobre a guerra, mas principalmente sobre o
comportamento do ser humano na guerra, perseguindo menos “os grandes feitos e o heroísmo, mas aquilo que é pequeno e humano”.
A originalidade de Aleksiévitch está em
nos descortinar as mulheres não reconhecidas e que participaram
ativamente de uma guerra crucial do século XX. Os relatos são crus e
violentos, dando-nos uma realidade despida de heroísmo. O ambiente
parece muito artificial para aquelas mulheres que usavam cuecas — por
falta de calcinhas –, não menstruavam e trabalhavam dias sem dormir. O
paradoxo entre ser mulher e soldado é um dos principais pontos dos
relatos.
Não é um livro tão bom quanto Vozes de Tchernóbil — os fatos narrados em A guerra
não nos causam as cada vez mais terríveis surpresas de cada capítulo
daquele –, mas a autora bielorrussa nos dá uma notável contribuição para
o entendimento do que foi o dia a dia do maior conflito armado de todos
os tempos.
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