sábado, 17 de setembro de 2016

Sementeira

O poeta
faz agricultura às avessas:
numa única semente
planta a terra inteira.

Com lâmina de enxada
a palavra fere o tempo:
decepa o cordão umbilical
do que pode ser um chão nascente.

No final da lavoura
o poeta não tem conta para fechar:
ele só possui
o que não se pode colher.

Afinal,
não era a palavra que lhe faltava.

Era a vida que ele, nele, desconhecia.

Mia Couto
 
(COUTO, Mia. Sementeira. In: _____. Poemas escolhidos; seleção de Mia Couto e apresentação de José Castello. São Paulo: Companhia das Letras, 1. ed., 2016, p. 164.)

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