sábado, 3 de setembro de 2016

Os senadores e suas lambanças com pronomes de tratamento



Embora eu já tenha tratado do tema há algum tempo, muitos leitores me pediram que comentasse o uso desencontrado dos pronomes "Vossa Excelência" e "Sua Excelência" nas últimas sessões do Senado.


Quem assistiu a essas sessões ou ao menos a parte delas deve ter percebido que, de fato, em situações análogas, foi um tal de "Sua Excelência é isso", "Vossa Excelência é aquilo".


Os leitores não se limitaram à diferença entre "Sua Excelência" e "Vossa Excelência". Alguns quiseram saber "por que se usa o verbo no singular se 'vossa' é plural?".






De fato, quando é pronome possessivo, "vossa" é da segunda pessoa do plural, caso em que se associa ao pronome pessoal "vós", também da segunda pessoa do plural: "Vós também tendes os vossos momentos de dúvida" ("Houaiss").


Em determinados casos (na linguagem religiosa, por exemplo), empregam-se os pronomes "vós" e "vosso" em relação a um único ser: "...bendita sois vós entre as mulheres, bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus". É claro que nesse caso "Jesus" é aposto, e não vocativo, já que a mensagem não é dirigida a ele (como se sabe, a mensagem é dirigida a Maria). O termo "Jesus" é aposto porque esclarece, explica a expressão "o fruto do vosso ventre".

Pois bem. Quando a palavra "vossa" integra o pronome de tratamento "Vossa "Excelência", a questão é outra. Como ocorre com esse e com todos os pronomes de tratamento semelhantes ("Vossa Santidade", "Vossa Alteza", "Vossa Senhoria" etc.), a concordância (verbal e nominal) se faz na terceira pessoa, o que significa que, em termos práticos, fazer a concordância com esses pronomes é como fazer a concordância com "você", "o senhor", "a senhora", "ele" "ela" etc.


Moral da história: ao se dirigir diretamente a um colega (ou a uma colega), um senador ou senadora deve dizer "Vossa Excelência é um canalha" (ou "uma canalha"), e não "Sua Excelência é um/a canalha", muito menos "Vossa Excelência (ou 'Sua Excelência') sois canalha".


Exagerei no exemplo, caro leitor? Acho que não. Tirei-o do que vimos nos últimos dias. O que imperou na Câmara Alta da nação ("o conselho dos antigos", como os romanos se referiam ao Senado, palavra que é da mesma família de "senhor", "senil", "sênior" etc., ou seja, os mais maduros, experientes, equilibrados...) foi a finesse, a lhaneza...


Na segunda-feira, ouvi muitas vezes gente que ocupava a tribuna empregar "Sua Excelência" quando dirigia a palavra diretamente a Dilma Rousseff, que lá estava. Como muitas vezes eu peguei essas falas no meio, foi preciso esperar a sequência da exposição para saber se quem falava realmente se referia a outrem ou se dirigia a palavra a Dilma.


Como já se pode e já se pôde deduzir, emprega-se "Vossa "Excelência" quando se dirige a palavra diretamente a uma autoridade constituída; emprega-se "Sua Excelência" quando se fala dessa autoridade, mas não se dirige a palavra a ela, ainda que ela esteja presente.


Assim, um senador pode dizer a outro algo como "Vossa Excelência é canalha"; um terceiro senador pode interferir e perguntar a quem acabou de emitir o galanteio algo como "Por que Vossa Excelência disse que Sua Excelência é canalha?".


Antes que me esqueça, é bom lembrar que "canalha" também é coletivo (de canalhas, é claro): "É tudo uma grande canalha". É isso. 


Pasquale Cipro Neto


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