Naquele tempo, não havia roletas nos ônibus, e o cobrador vinha de banco em banco cobrando a passagem e entregando um ticket minúsculo que ele destacava de um talãozinho. Quando o ônibus estava cheio ele tinha que vir se espremendo entre as pessoas que estavam em pé, cobrando de cada uma.
Naquele tempo, coava-se o café com um coador de cabo de madeira com um círculo de metal que segurava um saco de pano. Depois, jogava-se o pó no lixo e lavava-se o saco de pano, que levava anos para ser trocado (dizia-se que “encorpava o gosto”).
Naquele tempo, se um homem e uma mulher se hospedavam juntos num hotel era preciso apresentar a certidão de casamento.
Naquele tempo, quem comprava um ingresso de cinema podia ver o filme quantas vezes quisesse, bastava não sair da sala de projeção.
Naquele tempo, as passagens aéreas eram no formato de um talão de cheque, com umas 8 ou 10 folhinhas impressas. Depois de emitida, quando se queria mudar a data era preciso ir pessoalmente na loja para que a moça colasse um papelzinho com a data nova sobre a anterior.
Naquele tempo, crianças brincavam com lança-perfume no carnaval, e todo mundo gostava daquele perfume que ardia gelado, e usava máscaras de plástico transparente e colorido para proteger os olhos, porque doía.
Naquele tempo, havia homens nas feiras que carregavam as compras das donas de casa em enormes balaios de vime, na cabeça, protegida pela metade de uma bola-de-futebol de couro com um pano enrolado dentro.
Naquele tempo, quando numa casa qualquer a televisão era ligada, à noite, as janelas ficavam cheias de pessoas que vinham espiar os programas, e eram chamados de “televizinhos”.
Naquele tempo, em dia de eleição, os homens acordavam bem cedo e vestiam seu melhor terno para ir votar.
Naquele tempo, na noite do reveillon, quando chegava a meia-noite desligava-se a eletricidade na cidade inteira durante um ou dois minutos, para assinalar a passagem do ano.
Naquele tempo, quando uma mulher aparecia numa arquibancada num estádio de futebol uma porção de gente vaiava e uma porção de gente aplaudia.
Naquele tempo, quando morria um colega nosso no colégio, nos dias seguintes todo mundo usava um pedaço de pano preto pregado na manga ou no bolso do uniforme.
Naquele tempo, quando uma criança arrancava um dente podia tomar todo o sorvete que quisesse, e quando estava doente ganhava maçãs e uvas verdes, que afora isto só se comia na noite de Natal.
Naquele tempo, quando havia festas nos clubes elegantes, onde a bebida era cara, os rapazes ficavam bebendo cachaça na praça em frente, e só entravam quando já estavam “puxando fogo” (como se dizia naquele tempo).
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo
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