segunda-feira, 22 de junho de 2015

Só atiradores brancos têm doenças?


Dylann Storm Roof (Foto: Chuck Burton / AP)
A maneira como negros são descritos torna-os cúmplices dos seus próprios assassinatos
A polícia está investigando a morte a tiros de nove afro-americanos na Igreja de Emanuel, em Charleston, como um crime de ódio racial cometido por um homem branco. Infelizmente, não é um caso único na História dos Estados Unidos. “Igrejas negras” já foram alvo de brancos supremacistas que as queimaram para aterrorizar comunidades. Um dos maiores ataques terroristas ocorreu em 1963 contra um templo de Birmingham. Na época, quatro meninas morreram na explosão de uma bomba por membros da Ku Klux Klan, fomentando o Movimento de Direitos Civis.
Mas prestem atenção à cobertura da mídia americana sobre o caso ocorrido na última quarta-feira. Não se vê o atirador Dylann Roof, de 21 anos, descrito como um “possível terrorista”. Ao invés disso, a explicação para a atitude dele é doença mental. Ele vai ser humanizado, chamado de doente ou vai virar uma vítima de maus-tratos.
A mídia americana cobre, de maneira bem diferente, crimes com envolvimento de afro-americanos e muçulmanos. Quando suspeitos, eles são rapidamente caracterizados como terroristas e bandidos, motivados por uma intenção diabólica ao invés de questões externas. Enquanto suspeitos brancos são lobos solitários, a violência praticada por negros e muçulmanos é sistêmica, e exige-se que haja uma resposta de todos da mesma raça ou religião. Mesmo quando os negros são as vítimas, sua vida é passada a pente fino na busca de infrações ou de uma sugestão de justificativa para os crimes que sofrem.
Nos últimos crimes ocorridos contra negros nos EUA, há a tentativa de culpar as vítimas: Trayvon Martin estava usando um moleton com capuz; Michael Brown roubou cigarros; Eric Garner vendeu cigarros avulsos. Quando uma adolescente afrodescendente, que não cometeu crime algum, foi abordada e jogada no chão por um policial numa festa, em McKinney, foi descrita na Fox News como alguém que “não é nenhuma santa”.
TVs fizeram a cobertura inicial sobre Clementa Pinckney, pastor da igreja de Charleston, caracterizando sua militância como se fosse algo que pudesse irritar outras pessoas. Continua o hábito de descrever negros como se fossem de alguma forma cúmplices dos seus próprios assassinatos.
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É claro que matar o pastor e membros desta igreja histórica foi um ato de raiva, mas precisamos dar um passo adiante. A mensagem dada pelo massacre é de intimidação, um ato que espelha uma história de terrorismo contra instituições negras envolvidas na defesa de direitos civis. Este assunto jamais deveria ser negligenciado.
Espero que repórteres se questionem: onde este homem aprendeu a odiar tanto os negros? Será que ele foi influenciado por este retrato pintado de que afro-americanos são preguiçosos e violentos? Isto não é um ato de “uma pessoa com raiva” apenas. É uma manifestação de ódio racial e supremacia branca que continua existindo na nossa sociedade. Deveríamos chamá-lo do que ele realmente é: um terrorista.
Anthea Butler é professora de Religião da Universidade da Pensilvânia. Artigo escrito originalmente para o “Washington Post"
O Globo

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