Eu me lembro da fonte luminosa da praça Clementino Procópio, de como ao anoitecer famílias inteiras ficavam em volta daquele tanque redondo vendo a coreografia das cores e dos jatos dágua.
Eu me lembro da bala Gasosa, que era redonda, enrolada num papel com uma “asa” apenas para segurar (havia os bombons com duas “asas” de papel enroladinho), tinha um gosto doce e ácido, e em vez de se dissolver diminuindo de tamanho uniformemente se desmanchava por dentro, erodindo e se esburacando como uma pedra-pomes.
Eu me lembro da girafa com três metros de altura que havia na calçada da loja A Girafa, e lembro que quando li o poema surrealista homônimo de Luís Buñuel tive a impressão de que ele a conhecia também.
Eu me lembro da lojinha das Edições de Ouro que abriu perto do Cine Capitólio, um quadradinho com paredes escuras cobertas de livros de bolso, onde eu passava às vezes uma hora, fichando mentalmente livro por livro antes de criar coragem para comprar um, que depois assinalava com as letras “E. O.” na borda inferior.
Eu me lembro da primeira vez em que viajei de carro de boi, com menos de dez anos, num sol de meio-dia, rumo ao sítio Tatu, dos parentes de minha mãe.
Eu me lembro do gosto das castanhas confeitadas que eram vendidas na porta do cinema, antes das matinais de 10 horas dos cinemas aos domingos.
Eu me lembro que eu colecionava uma revistinha chamadas Diversões Juvenis e as telhas do meu quarto eram quadradas, com veios de barro paralelos, então de noite apagavam-se as luzes e um reflexo distante me permitia olhar o teto e imaginar que era uma imensa estante com milhares de lombadas de uma coleção da minha revista preferida, todos diferentes.
Eu me lembro da gente passar noites inteiras jogando Ludo, a batalha daquelas quatro pecinhas coloridas (com quatro times, o verde, o azul, o vermelho e o amarelo) tentando dar a volta ao tabuleiro, sendo abatidas e recomeçando interminavelmente do ponto de partida.
Eu me lembro de quando eu ia para o colégio com um sapato que tinha sido do meu pai, e tinha que botar um pedaço de papelão por dentro porque a sola estava furada.
Eu me lembro da primeira vez em que tive um quarto só para mim, e pude arrumar no pé da parede, em cima de uma tábua, uma fila de livros que eram só meus.
Eu me lembro de como a gente cortava a faixa lateral de uma lata de goiabada, rebatia as bordas com martelo, botava um cabo de madeira, e pronto, era uma espada.
Eu me lembro de quando eu ia ver jogos do Treze nas cadeiras cativas e enfiava num buraquinho do cobogó um papel amassado, e no domingo seguinte a primeira coisa que eu fazia quando chegava era ir ver se o papel continuava lá.
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo
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