No último dia útil de 2016, a única coisa que desejo é que 2017 seja um
ano menos insano. Meus votos são de que um pouco de juízo, bom senso e
equilíbrio brote das mentes daqueles que têm poder no Brasil – poder
político, poder de decisão, poder econômico, influência cultural, soft
power. Já aos que, paradoxalmente, têm o poder supremo nas democracias,
que é o voto, mas que até se esquecem disso porque só o exercem
ocasionalmente, é preciso desejar, acima de tudo, paciência. Muita
paciência, ao lado de perseverança e coragem para chegar a 2018.
Não tenho conseguido assistir as retrospectivas. O ano já foi medonho, e
a perspectiva de ver tudo de novo dá vontade de vomitar. Mas fica
difícil escapar à constatação de que a República continua com os nervos à
flor da pele. Incerteza e instabilidade ainda são as palavras de ordem.
É ou não é loucura lembrar que, há exatamente um ano, a presidente era
Dilma Rousseff, com um pedido de impeachment acolhido pelo hoje
presidiário Eduardo Cunha, nem sonhava em deixar o cargo? Naquele
momento, Dilma recorria ao STF, que lhe deu uma decisão favorável sobre o
rito do impeachment. E estava mais preocupada em pagar os R$ 57 bilhões
das pedaladas fiscais, o que elevou o déficit do ano ao valor sem
precedentes de R$ 120 bilhões. Ninguém em torno dela acreditava de
verdade no impeachment.
Na ocasião, o PT estava em festa porque, depois de praticar por quase
um ano seu esporte preferido, que era atirar no então ministro da
Fazenda, havia conseguido derrubar Joaquim Levy, no dia 18 de dezembro. O
partido defendia, para a gestão Nelson Barbosa, soluções que passavam
por uma alíquota de 40% de Imposto de Renda para os mais ricos, mais
crédito do BNDES e a volta da CPMF. Delirava.
E Michel Temer, estava fazendo o que àquela altura? Em dezembro de
2015, Temer, o vice-presidente da República, também não era um exemplo
de equilíbrio emocional: chorava as pitangas por se sentir maltratado
por Dilma. Uns dias antes, chegara ao conhecimento do país a dramática
carta em que o vice reclamava da titular que ela nunca havia confiado
nele. Acusava-a também de mentir e sabotar o PMDB no governo. Naqueles
dias, Temer virou motivo de chacota dos políticos de Brasília por causa
do rompante. Apesar do mi-mi-mi, virou presidente da República.
A única coisa que parece não ter mudado em um ano é a Lava Jato, que já
corria solta e chegava perto de amigos do ex-presidente Lula, como José
Carlos Bumlai. Em dezembro de 2015, o procurador Rodrigo Janot já
estava de olho em Eduardo Cunha, que viu seu processo de cassação
começar a tramitar com o apoio do PT e, por vingança, botou o
impeachment em tramitação. Tudo guiado por fortes emoções.
Todo mundo sabe o que veio depois, e não vou fazer retrospectiva das
insanidades em série porque dá enjôo. Basta ver o que ficou para o
réveillon de 2017.
Em tese, as instituições foram respeitadas e o impeachment tramitou
dentro dos preceitos constitucionais e sob a égide do STF. Mas a
deposição de uma presidente da República com base em pedaladas fiscais,
sem um real e concreto crime de reponsabilidade por ato de corrupção ou
assemelhados, deixou sequelas. A coisa funcionou mais ou menos como num
regime parlamentarista, em que o chefe do Executivo pode ser substituído
por incompetência ou qualquer outra razão que o tenha levado a perder o
apoio do Congresso. Só que o regime é presidencialista, com presidentes
eleitos pelo voto direto, e a instituição do impeachment – usada pela
segunda vez em menos de 25 anos – que entrou na Carta para ser uma
excepcionalidade, corre o risco de ser banalizada.
No ano mais turbulento das últimas décadas, o novo presidente assumiu
com o apoio maciço do Legislativo e o indispensável respaldo
constitucional, mas para executar um programa em tudo oposto ao que fora
aprovado pelas urnas em 2014. (Apenas para ser justa: a insanidade
começou quando a própria presidente reeleita resolveu executar o
programa de seu adversário).
É por isso que se pode dizer, no mínimo, que piorou a qualidade de
nossa democracia em 2016. Ficou tão fácil derrubar presidentes
desagradáveis ou politicamente frágeis que já tem gente pensando em
fazer o mesmo com Michel. A virada do ano encontra o presidente
patinando na economia e de volta ao alvo político, seja por ter sido
mencionado na Lava Jato, seja em função do processo que corre no TSE
para cassar a chapa presidencial de 2014.
Se essa moda pega, a cereja do bolo de todas as insanidades será eleger
seu eventual substituto indiretamente, por um Congresso adoecido, com
suas dúzias de acusados da Lava Jato. Um processo que pode não contar
com a garantia de uma arbitragem acima e além de qualquer interesse por
parte do Judiciário. Talvez seja mesmo alguma coisa na água, mas os
togados também perderam um pouco do juízo e entraram no clima reinante,
distribuindo sopapos a torto e a direito por aí, e entre eles próprios.
Não estamos entrando em 2017 nem com o pé direito e nem com o pé
esquerdo, mas suspensos, sem chão embaixo nem teto em cima. Muita calma
nessa hora.
Apesar de tudo isso, Feliz Ano Novo!
Helena Chagas, jornalista desde 1983. Exerceu
funções de repórter, colunista e direção em O Globo, Estado de S.Paulo,
SBT e TV Brasil. Foi ministra chefe da Secretaria de Comunicação Social
da Presidência (2011-2014). Hoje é consultora de comunicação
Do blogo do Noblat
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