quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

"Todas as pessoas são recuperáveis": a psicóloga que tenta 'salvar' estupradores

A psicóloga australiana Erin Sweeny passou os últimos 20 anos tratando autores de crimes sexuais - os tão 'odiados' estupradores. Ela conta que precisou aprender a separar o comportamento do criminoso de sua história pessoal para entender o que os levou a cometer crimes assim. A reportagem faz parte da série 100 Women (100 mulheres) da BBC, que conta histórias inspiradoras de mulheres influentes no mundo. 

Veja o depoimento dela.

"Meu trabalho foi o que me abriu os olhos para o comportamento do ser humano. Em diversos aspectos, criminosos sexuais são diferentes entre si, mas eles costumam ter algo em comum: uma infância infeliz - que acontece principalmente por causa de abuso, negligência ou ausência dos pais.

O fato de que, normalmente, o primeiro apego que eles tinham quando criança era com a mãe, contribui para formar a maneira deles de ver o mundo - e principalmente a maneira de ver mulheres. 

Muitos criminosos têm um pensamento de 'poder' sobre sexo e mulheres. Muitos rejeitam a intimidade - eles querem, mas rejeitam. Muitos lutam contra as emoções - a única que eles se permitem viver é a raiva. Muitos são motivados por um sentimento de vingança. 

Eles se originam de todos os tipos de 'mundo', em termos de educação, emprego, religião e situação financeira. 

Por isso, em uma sessão normal, eu tento explorar o histórico do meu cliente, identificar fatores de risco, e desenvolver uma relação terapêutica. Eu preciso me aproximar deles, ter empatia e agir de maneira genuína, ainda que com alguns clientes isso possa ser bem difícil.

Eu posso explorar o crime cometido em detalhe - os pensamentos na hora, os sentimentos, e como o comportamento levou ao crime em si. Ou posso começar a trabalhar a questão do consentimento, da educação sexual ou problemas com intimidade.

A maneira como a mídia retrata as mulheres e a sexualidade tem muito a dizer sobre o comportamento deles: objetificar mulheres, especialmente em alguns vídeos ou músicas que são facilmente acessíveis para meninos mais novos, que estão vivendo uma mistura enorme de emoções na adolescência.
Se um menino adolescente com um passado complicado começa a associar pensamentos violentos com imagens de excitação sexual, isso pode dar início ao problema.

Um homem que eu tratei havia estuprado uma mulher na frente do namorado dela, depois bateu muito nos dois. Se olhasse para ele superficialmente, você veria um homem bonito e de boa conversa - mas por trás disso, ele era extremamente perturbado, alimentando pensamentos vingativos e queixas que se potencializaram quando ele era rejeitado, quando estava estressado ou quando ficava remoendo o que outros tinham feito para ele. Ele também foi despertado para fantasias violentas. Quando bebia qualquer coisa alcoólica, seus pensamentos ficavam ainda piores. 

Nem é preciso dizer que essas pessoas são personalidades difíceis de estar perto. O que eles haviam feito era realmente inacreditável. 

Mas eu aprendi a separar o comportamento deles das pessoas que eles eram e sempre tentei encontrar alguma característica 'redentora' em que eu pudesse focar. Às vezes era realmente difícil. Às vezes, eles te acurralam tanto que eu tenho até pensamentos de todos os tipos de coisas ruins que eu queria fazer para eles.

'Todo mundo é recuperável'

O sexo assume outros significados quando você trabalha com esse tipo de coisa todos os dias, mas talvez tenha ajudado o fato de eu já ser casada com meu marido quando eu comecei a trabalhar com isso. Sou muito próxima dele, já discuti casos que ouço (obviamente sem contar quaisquer detalhes chave), então ele sabe do impacto que isso tem em mim.

Eu sei que eu sou uma observadora fora do comum quando saio, sempre noto quando as mulheres estão em situações de vulnerabilidade ou quem está falando com as crianças. O meu trabalho com certeza mudou um pouco quem eu sou.

Mas é complicado quando você ouve das pessoas sobre estupradores: "Tem que matá-los. Ou prendê-los para sempre". É difícil quando você sabe que as pessoas odeiam o que você faz e que você não pode conversar com seus amigos sobre seu dia de trabalho porque eles não entenderiam. Mas pesquisas sugerem que se você seguir corretamente todos os princípios do tratamento, pode conseguir uma mudança e que estupradores não costumam voltar a cometer esses crimes como a maioria das pessoas acham que acontece.

Acredito que, de certa forma, todas as pessoas são recuperáveis. Algumas são apenas mais difíceis de recuperar. As pessoas que eu trato não acordam simplesmente um dia e do nada cometem crimes terríveis. Sempre há uma série de acontecimentos e decisões que os leva a cometer o crime e, portanto, há algo que se possa fazer a respeito disso, algo que possa ser mudado para permitir que eles vivam melhor escolhendo um outro caminho.

Não são todos os homens que eu atendo que estão prontos para fazer as mudanças necessárias. Alguns são realmente perigosos. Nós não sabemos todas as respostas para esses casos, mas vou continuar trabalhando com aqueles que eu posso para garantir a segurança das mulheres. 

BBC Brasil 

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