A psicóloga australiana Erin Sweeny
passou os últimos 20 anos tratando autores de crimes sexuais - os tão
'odiados' estupradores. Ela conta que precisou aprender a separar o
comportamento do criminoso de sua história pessoal para entender o que
os levou a cometer crimes assim. A reportagem faz parte da série 100
Women (100 mulheres) da BBC, que conta histórias inspiradoras de
mulheres influentes no mundo.
Veja o depoimento dela.
"Meu
trabalho foi o que me abriu os olhos para o comportamento do ser
humano. Em diversos aspectos, criminosos sexuais são diferentes entre
si, mas eles costumam ter algo em comum: uma infância infeliz - que
acontece principalmente por causa de abuso, negligência ou ausência dos
pais.
O fato de que, normalmente, o primeiro apego que eles tinham
quando criança era com a mãe, contribui para formar a maneira deles de
ver o mundo - e principalmente a maneira de ver mulheres.
Muitos
criminosos têm um pensamento de 'poder' sobre sexo e mulheres. Muitos
rejeitam a intimidade - eles querem, mas rejeitam. Muitos lutam contra
as emoções - a única que eles se permitem viver é a raiva. Muitos são
motivados por um sentimento de vingança.
Eles se originam de todos os tipos de 'mundo', em termos de educação, emprego, religião e situação financeira.
Por
isso, em uma sessão normal, eu tento explorar o histórico do meu
cliente, identificar fatores de risco, e desenvolver uma relação
terapêutica. Eu preciso me aproximar deles, ter empatia e agir de
maneira genuína, ainda que com alguns clientes isso possa ser bem
difícil.
Eu posso explorar o crime cometido em detalhe - os
pensamentos na hora, os sentimentos, e como o comportamento levou ao
crime em si. Ou posso começar a trabalhar a questão do consentimento, da
educação sexual ou problemas com intimidade.
A maneira como a
mídia retrata as mulheres e a sexualidade tem muito a dizer sobre o
comportamento deles: objetificar mulheres, especialmente em alguns
vídeos ou músicas que são facilmente acessíveis para meninos mais novos,
que estão vivendo uma mistura enorme de emoções na adolescência.
Se um menino adolescente com um passado complicado
começa a associar pensamentos violentos com imagens de excitação sexual,
isso pode dar início ao problema.
Um homem que eu tratei havia
estuprado uma mulher na frente do namorado dela, depois bateu muito nos
dois. Se olhasse para ele superficialmente, você veria um homem bonito e
de boa conversa - mas por trás disso, ele era extremamente perturbado,
alimentando pensamentos vingativos e queixas que se potencializaram
quando ele era rejeitado, quando estava estressado ou quando ficava
remoendo o que outros tinham feito para ele. Ele também foi despertado
para fantasias violentas. Quando bebia qualquer coisa alcoólica, seus
pensamentos ficavam ainda piores.
Nem é preciso dizer que essas
pessoas são personalidades difíceis de estar perto. O que eles haviam
feito era realmente inacreditável.
Mas eu aprendi a separar o
comportamento deles das pessoas que eles eram e sempre tentei encontrar
alguma característica 'redentora' em que eu pudesse focar. Às vezes era
realmente difícil. Às vezes, eles te acurralam tanto que eu tenho até
pensamentos de todos os tipos de coisas ruins que eu queria fazer para
eles.
'Todo mundo é recuperável'
O
sexo assume outros significados quando você trabalha com esse tipo de
coisa todos os dias, mas talvez tenha ajudado o fato de eu já ser casada
com meu marido quando eu comecei a trabalhar com isso. Sou muito
próxima dele, já discuti casos que ouço (obviamente sem contar quaisquer
detalhes chave), então ele sabe do impacto que isso tem em mim.
Eu
sei que eu sou uma observadora fora do comum quando saio, sempre noto
quando as mulheres estão em situações de vulnerabilidade ou quem está
falando com as crianças. O meu trabalho com certeza mudou um pouco quem
eu sou.
Mas é complicado quando você ouve das pessoas sobre
estupradores: "Tem que matá-los. Ou prendê-los para sempre". É difícil
quando você sabe que as pessoas odeiam o que você faz e que você não
pode conversar com seus amigos sobre seu dia de trabalho porque eles não
entenderiam. Mas pesquisas sugerem que se você seguir corretamente
todos os princípios do tratamento, pode conseguir uma mudança e que
estupradores não costumam voltar a cometer esses crimes como a maioria
das pessoas acham que acontece.
Acredito que, de certa forma,
todas as pessoas são recuperáveis. Algumas são apenas mais difíceis de
recuperar. As pessoas que eu trato não acordam simplesmente um dia e do
nada cometem crimes terríveis. Sempre há uma série de acontecimentos e
decisões que os leva a cometer o crime e, portanto, há algo que se possa
fazer a respeito disso, algo que possa ser mudado para permitir que
eles vivam melhor escolhendo um outro caminho.
Não são todos os
homens que eu atendo que estão prontos para fazer as mudanças
necessárias. Alguns são realmente perigosos. Nós não sabemos todas as
respostas para esses casos, mas vou continuar trabalhando com aqueles
que eu posso para garantir a segurança das mulheres.
BBC Brasil
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