Chamado de "doutor do baião" pelo parceiro Luiz Gonzaga, à sombra de quem parecia às vezes se esconder, o compositor Humberto Teixeira (1915-1979) é reapresentado ao público no documentário "O Homem que Engarrafava Nuvens", de Lírio Ferreira. Um título que lembra literatura de cordel e cai muito bem na cinebiografia de um artista cearense que dominava a poesia do baião.
O filme entra em cartaz nesta sexta-feira (15.01.2010) em sete capitais: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Fortaleza, Recife e Brasília.
Autor de mais de 400 músicas, inclusive a internacionalmente conhecida "Asa Branca", uma das muitas parcerias com Luiz Gonzaga, Teixeira renasce neste filme, que tem a ambição não só de resgatar sua memória artística como também a pessoal - componente que entra por conta de a produtora ser sua única filha, a atriz Denise Dummont ("A Era do Rádio").
Outra bem-vinda intenção deste documentário é delinear o que o compositor Gilberto Gil, um dos entrevistados, define muito bem como "dinastias musicais" do Brasil: o samba e o baião, sendo este último aqui o objeto de investigação.
Nesse sentido, foi fundamental para o êxito da proposta contar com um diretor com a sensibilidade apurada de Lírio Ferreira, que tem se mostrado tão talentoso na ficção ("Baile Perfumado") quanto no documentário ("Cartola - Música para os Olhos").
Longe de se dar por satisfeito com um mero registro da vida e da obra de Teixeira - que foi advogado, deputado e autor de uma lei sobre direitos autorais no Brasil -, Lírio viaja pelo Brasil profundo do Nordeste.
Nessa viagem, revela as ramificações do baião, matriz de vários gêneros, sua presença em festas tradicionais como o reisado, sua ligação com a sanfona, sua permanência na obra ou repertório de artistas atuais, inclusive no exterior - sendo o norte-americano David Byrne apenas um exemplo e não o único.
O diretor relaciona suas informações, entrevistas, relatos, números musicais e imagens, de maneira tão orgânica que nenhuma delas soa como digressão. Assim, quando se menciona a vaidade do vaqueiro nordestino com sua roupa de couro, isto entra como um detalhe, entre muitos, que determina o caráter e o imaginário do sertão. O que é fundamental para a compreensão do contexto em que nasce e se desenvolve o baião.
Trazidos do Nordeste para o Rio de Janeiro, o baião e Humberto Teixeira estavam destinados a correr o mundo. Seu sucesso, contando com a voz e a figura pop de Luiz Gonzaga, vestido como os vaqueiros sertanejos, era tanto que incomodou os dirigentes de gravadoras internacionais nos anos 1950. Pelo menos uma das composições da dupla Teixeira-Gonzaga, Juazeiro (1949) foi plagiada, numa gravação da cantora norte-americana Peggy Lee.
ATEMPORAL
A sobrevivência do baião no Brasil torna-se evidente tanto pela visita aos cantadores de feira do interior nordestino como a intérpretes mais famosos, caso de Lirinha e o Cordel do Fogo Encantado, Otto e Lenine. Canções como "Kalu" (cantada por Chico Buarque de Holanda) e "Adeus Maria Fulô" (uma emocionante interpretação de Gal Costa, acompanhada pelo coautor da música, Sivuca, que morreu pouco depois) comprovam como essas e outras obras de Teixeira tem se mostrado atemporais.
Se uma das melhores definições do baião surge na boca do cantor popular Azulão - "é o hino do Brasil, o hino do curral" -, não é menos verdade que o ritmo continua a desafiar fronteiras.
É quase exótico assistir a uma interpretação de "Mangaratiba" em japonês por Miho Hatori em Nova York, no mesmo cenário em que faz sucesso o grupo Forró in the Dark, apresentando música brasileira para uma plateia predominantemente norte-americana.
Tudo isso desafia um preconceito contra o baião, que ainda resiste em alguns meios. A própria filha de Teixeira confessa que, na juventude, achava o gênero "cafona, brega". Uma reação nada incomum ainda hoje. A maior tarefa deste filme para a produtora, no entanto, é promover uma espécie de reconciliação com a memória do pai, com quem teve em algumas fases um relacionamento difícil.
Um dos momentos mais emotivos é uma conversa de Denise com a mãe, Margarida Jatobá (que morreu em 2007), na qual esclarece pontos obscuros e doídos de sua separação de Teixeira - que não abriu mão da guarda da filha, tentou impedi-la de ser atriz e, quando não pode, proibiu-a de usar seu sobrenome.
Um ponto alto está na seleção das imagens de arquivo, todas restauradas - detalhe que acrescentou custo e tempo de produção ao filme, mas contribui decisivamente para a maior solidez de seu conteúdo. Estão ali desde a famosa cena em que a atriz italiana Silvana Mangano interpreta "O Baião de Ana" no filme "Arroz Amargo" (1949) a imagens de Fortaleza nos anos 1920 que contextualizam a vida de Teixeira. Um tipo de contexto que Lírio Ferreira usou muito bem já em seu filme anterior, "Cartola...".
Em tempo: o título poético refere-se a uma expressão usada pelo próprio Teixeira, que dizia que "engarrafava nuvens e brumas" quando descansava, em seu sítio em Mangaratiba (RJ).
Fonte: G1
O filme entra em cartaz nesta sexta-feira (15.01.2010) em sete capitais: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Fortaleza, Recife e Brasília.
Autor de mais de 400 músicas, inclusive a internacionalmente conhecida "Asa Branca", uma das muitas parcerias com Luiz Gonzaga, Teixeira renasce neste filme, que tem a ambição não só de resgatar sua memória artística como também a pessoal - componente que entra por conta de a produtora ser sua única filha, a atriz Denise Dummont ("A Era do Rádio").
Outra bem-vinda intenção deste documentário é delinear o que o compositor Gilberto Gil, um dos entrevistados, define muito bem como "dinastias musicais" do Brasil: o samba e o baião, sendo este último aqui o objeto de investigação.
Nesse sentido, foi fundamental para o êxito da proposta contar com um diretor com a sensibilidade apurada de Lírio Ferreira, que tem se mostrado tão talentoso na ficção ("Baile Perfumado") quanto no documentário ("Cartola - Música para os Olhos").
Longe de se dar por satisfeito com um mero registro da vida e da obra de Teixeira - que foi advogado, deputado e autor de uma lei sobre direitos autorais no Brasil -, Lírio viaja pelo Brasil profundo do Nordeste.
Nessa viagem, revela as ramificações do baião, matriz de vários gêneros, sua presença em festas tradicionais como o reisado, sua ligação com a sanfona, sua permanência na obra ou repertório de artistas atuais, inclusive no exterior - sendo o norte-americano David Byrne apenas um exemplo e não o único.
O diretor relaciona suas informações, entrevistas, relatos, números musicais e imagens, de maneira tão orgânica que nenhuma delas soa como digressão. Assim, quando se menciona a vaidade do vaqueiro nordestino com sua roupa de couro, isto entra como um detalhe, entre muitos, que determina o caráter e o imaginário do sertão. O que é fundamental para a compreensão do contexto em que nasce e se desenvolve o baião.
Trazidos do Nordeste para o Rio de Janeiro, o baião e Humberto Teixeira estavam destinados a correr o mundo. Seu sucesso, contando com a voz e a figura pop de Luiz Gonzaga, vestido como os vaqueiros sertanejos, era tanto que incomodou os dirigentes de gravadoras internacionais nos anos 1950. Pelo menos uma das composições da dupla Teixeira-Gonzaga, Juazeiro (1949) foi plagiada, numa gravação da cantora norte-americana Peggy Lee.
ATEMPORAL
A sobrevivência do baião no Brasil torna-se evidente tanto pela visita aos cantadores de feira do interior nordestino como a intérpretes mais famosos, caso de Lirinha e o Cordel do Fogo Encantado, Otto e Lenine. Canções como "Kalu" (cantada por Chico Buarque de Holanda) e "Adeus Maria Fulô" (uma emocionante interpretação de Gal Costa, acompanhada pelo coautor da música, Sivuca, que morreu pouco depois) comprovam como essas e outras obras de Teixeira tem se mostrado atemporais.
Se uma das melhores definições do baião surge na boca do cantor popular Azulão - "é o hino do Brasil, o hino do curral" -, não é menos verdade que o ritmo continua a desafiar fronteiras.
É quase exótico assistir a uma interpretação de "Mangaratiba" em japonês por Miho Hatori em Nova York, no mesmo cenário em que faz sucesso o grupo Forró in the Dark, apresentando música brasileira para uma plateia predominantemente norte-americana.
Tudo isso desafia um preconceito contra o baião, que ainda resiste em alguns meios. A própria filha de Teixeira confessa que, na juventude, achava o gênero "cafona, brega". Uma reação nada incomum ainda hoje. A maior tarefa deste filme para a produtora, no entanto, é promover uma espécie de reconciliação com a memória do pai, com quem teve em algumas fases um relacionamento difícil.
Um dos momentos mais emotivos é uma conversa de Denise com a mãe, Margarida Jatobá (que morreu em 2007), na qual esclarece pontos obscuros e doídos de sua separação de Teixeira - que não abriu mão da guarda da filha, tentou impedi-la de ser atriz e, quando não pode, proibiu-a de usar seu sobrenome.
Um ponto alto está na seleção das imagens de arquivo, todas restauradas - detalhe que acrescentou custo e tempo de produção ao filme, mas contribui decisivamente para a maior solidez de seu conteúdo. Estão ali desde a famosa cena em que a atriz italiana Silvana Mangano interpreta "O Baião de Ana" no filme "Arroz Amargo" (1949) a imagens de Fortaleza nos anos 1920 que contextualizam a vida de Teixeira. Um tipo de contexto que Lírio Ferreira usou muito bem já em seu filme anterior, "Cartola...".
Em tempo: o título poético refere-se a uma expressão usada pelo próprio Teixeira, que dizia que "engarrafava nuvens e brumas" quando descansava, em seu sítio em Mangaratiba (RJ).
Fonte: G1
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