quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Danos Morais contra o ex-cônjuge

O casamento é uma sociedade formada entre duas pessoas de sexo diferente que concordam em se unir pelos laços de amor e afetividade. Em nossa cultura monogâmica, preponderam os deveres de fidelidade recíproca, respeito, coabitação com o cônjuge amado, bem como todos os preceitos culturais, morais e religiosos que fundamentam o casamento.

Na sociedade contemporânea, o matrimônio e a entidade familiar vêm sofrendo alterações no seu conceito tradicional. A mídia, como mecanismo condutor de informação à população, apresenta, através da televisão e rádio, um modelo de sociedade colidente com os princípios religiosos e morais inerentes ao casamento. Com isso incute na cabeça das pessoas conceitos e opiniões que geram nos casamentos crises amorosas e sentimentais cada vez mais freqüentes. Essa influência vem contribuindo para destruir o amor dos cônjuges prematuramente, levando à separação e ao divórcio cada vez mais cedo.

Não podemos negar que todo casamento teve ou tem suas crises conjugais. Muitas vezes, são situações comuns na vida das pessoas, como desemprego, alcoolismo, crises financeiras ou mesmo fatores psicológicos, mas, quando essas crises atingem a vida do casal, assumem uma conotação negativa ou positiva, a depender da compreensão de cada um dos consortes. Quando as crises conjugais se tornam insuportáveis, a separação aparece como remédio para sarar uma ferida sentimental que não cura naturalmente.

Decidindo o casal, ou um dos cônjuges, pela separação ou divórcio, abre-se para ambos uma seqüência de dificuldades a serem superadas. Dentre elas, podemos considerar como as mais freqüentes os efeitos patrimoniais decorrentes da partilha dos bens do casal, a obrigação de alimentar o cônjuge necessitado e os filhos do casal, o direito de guarda dos filhos menores, além de outros problemas da mesma natureza.

O problema do dano à moral de um dos cônjuges surge nesta fase crítica do casamento, ou em momentos precedentes ao fim do matrimônio. Não raro, um dos cônjuges perde a estima pelo outro e lança-se a enfrentá-lo sem consideração ou compaixão, sem controle emocional ou sem respeito, atingindo-o duramente com agressões, atos e palavras desprovidas de moral e razão social. Esse tipo de comportamento gera em seu consorte matrimonial uma situação de depressão, humilhação ou desgosto frente ao comportamento da pessoa em quem depositou toda sua confiança sentimental.

Nessas crises são comuns os casos de agressões de maridos contra suas esposas. Também as mulheres, indignadas com seus maridos, cometem injúrias ou calúnias, numa total falta de respeito para com o cônjuge. São agressões, físicas, psíquicas ou morais que ultrapassam os limitem e provocam a separação ou divórcio. Atos e fatos desnecessários para justificar o fim do casamento são usados como forma de vingança, de desprezo contra o parceiro, com o qual, em tempo recente, dividia o leito conjugal. Esses atos praticados por um dos cônjuges têm gerado processos na justiça, nos quais a vítima pleiteia uma indenização por danos morais.

Alguns tribunais de justiça vêm reconhecendo, em favor do cônjuge que não deu causa à separação, o direito à indenização por danos morais por atos ilícitos praticados pelo companheiro ou companheira. Também a doutrina vem se posicionando no mesmo sentido.

O dano moral não é novidade em nosso direito. Desde o advento da Constituição Federal de 1988, foi assegurada a inviolabilidade da intimidade, honra e vida privada. A preocupação dos doutrinadores no caso é se esse direito seria ou não aplicável aos cônjuges por danos sofridos na constância do casamento.

Durante muito tempo, o direito brasileiro relutou em aceitar as novas tendências jurídicas e aplicar o dano moral contra um dos cônjuges. Entendia-se não ser aplicável esse instituto ao direito de família. Alegava-se que os deveres do cônjuge que deu causa à separação exauriam-se nas obrigações alimentares para com o outro e seus filhos, perda do direito de guarda dos filhos menores, pagamento de custas processuais e honorários advocatícios.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, X, assegura a inviolabilidade à intimidade e à vida privada, a honra e a imagem das pessoas, garantindo o direito à indenização por dano material e moral decorrente da violação a esse direito. Por sua vez, o novo Código Civil estabelece em seu art. 186: “Aquele que, por omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Portanto fica obrigado a ressarcir o dano decorrente do seu ato. Atualmente, alguns doutrinadores renomados entendem que o cônjuge responsável pela separação tem obrigação de indenizar o consorte atingido pela dor, vergonha, sofrimento ou desespero causado pelo parceiro.

Sustenta Caio Márcio da Silva Pereira, apud Vivaldo Pinheiro: “Afora os alimentos, que suprem a perda de assistência direta, poderia ainda ocorrer a indenização por perdas e danos (dano patrimonial e dano moral), em face do prejuízo sofrido pelo cônjuge inocente”. No mesmo sentido, Mário Moacyr Porto, em sua obra “Responsabilidade civil entre marido e mulher” assevera: “Para um melhor esclarecimento, imaginemos a seguinte hipótese: o marido (e excepcionalmente a mulher) sevicia ou pratica uma lesão corporal no parceiro, ofensa que ocasionou uma redução na capacidade para o trabalho. O delito não justifica, apenas, a dissolução contenciosa da sociedade conjugal e a conseqüente fixação de uma ‘pensão’ de alimento. O cônjuge responsável responde, ainda, cumulativamente, pelo prejuízo à saúde do cônjuge agredido, nos termos do disposto nos arts. 159 e 1.539 do Código Civil (atuais arts. 927 e 950) sem prejuízo das sanções penais.”

Em excelente trabalho publicado na revista eletrônica Júris Síntese, Vivaldo Pinheiro, juiz do Estado do Rio Grande do Norte, demonstra, com clarividência, a preocupação doutrinária sobre o tema, além de colacionar outros doutrinadores como José de Castro Bigi, Yussef Said Cahali, Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, José de Aguiar Dias, etc.

Os tribunais superiores vêm decidindo a matéria ainda com timidez. O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento da 3ª Turma, no Resp 37.051, de 17/04/01, sob relatório do Ministro Nilson Naves, consagrou esse entendimento, ao proclamar: “O sistema jurídico brasileiro admite, na separação e no divórcio, a indenização por dano moral. Juridicamente, portanto, tal pedido é possível: responde pela indenização o cônjuge responsável exclusivamente pela separação. Caso em que, diante do comportamento injurioso do cônjuge varão, a turma conheceu do especial e deu provimento ao recurso, por ofensa ao art. 159 do Cód. Civil, para admitir a obrigação de se ressarcirem danos morais”. O tribunal de Justiça de São Paulo possui julgados condenando o marido a pagar indenização por haver feito contra a mulher denúncia infundada de adultério, bem como em favor do marido por haver a mulher simulado gravidez.

É importante ressaltar que simples aborrecimentos comuns do dia-dia não justificam ressarcimento por dano moral. Como se sabe, entre humanos, são comuns os pequenos desentendimentos como situações de rua, de trânsito, de trabalhos, etc. Até mesmo discussão política ou religiosa pode levar as pessoas a perderem a paciência. Com muito mais freqüência, esses pequenos desentendimento são observados entre pessoas casadas. Tais aborrecimentos entre marido e mulher devem ficar na órbita dos deveres de coabitação em que se deve respeitar e compreender um ao o outro.

Quando tais aborrecimentos tornam-se insuportáveis, um dos cônjuges pode mover ação de separação ou divórcio litigioso, Nesse caso não cabe a justiça obrigar um cônjuge a indenizar o outro por fatos ensejadores da dissolução da união conjugal, quando estes não se revelam violentos para quem dividia o leito conjugal. A própria doutrina reconhece que não são todas as situações que justificam o divórcio e, ao mesmo tempo, obrigam indenização por dano moral. Assim, cada caso deve ser analisado ponderadamente para que não se crie, no direito de família, uma fórmula mágica de um dos cônjuges locumpletar-se às custas do outro.

O valor a ser indenizado, quando cabível, é outra questão que desafia a justiça. O dano moral, por si só, não tem valor mensurável. Todavia, deve o juiz da causa aplicar ao caso concreto um valor justo, de modo a ressarcir o sofrimento da vítima e punir o causador do dano.


Dr. Francisco Bezerra Vieira Filho
Advogado

Um comentário:

Unknown disse...

Grande Novinho! (ah! me responda uma coisa Novinho!, como está o processo dos precatórios ?)Lembra ! será que os tataranetos do meu bisneto vão receber alguma coisa ?