terça-feira, 1 de março de 2016

O caboclo, o padre e o estudante

Um estudante e um padre viajavam pelo sertão, tendo como bagageiro um caboclo. Deram-lhes numa casa um pequeno queijo de cabra. Não sabendo como dividi-lo, mesmo porque chegaria um pequenino pedaço para cada um, o padre resolveu que todos dormissem e o queijo seria daquele que tivesse, durante a noite, o sonho mais bonito, pensando engabelar todos com os seus recursos oratórios. Todos aceitaram e foram dormir. À noite, o caboclo acordou, foi ao queijo e comeu-o.

Pela manhã, os três sentaram à mesa para tomar café e cada qual teve de contar o seu sonho. O frade disse ter sonhado com a escada de Jacob e descreveu-a brilhantemente. Por ela, ele subia triunfalmente para o céu. O estudante, então, narrou que sonhara já dentro do céu à espera do padre que subia, O caboclo sorriu e falou:

— Eu sonhei que via seu padre subindo a escada e seu doutor lá dentro do céu, rodeado de amigos. Eu ficava na terra e gritava:

— Seu doutor, seu padre, o queijo! Vosmincês esqueceram o queijo.

Então, vosmincês respondiam de longe, do céu:

— Come o queijo, caboclo! Come o queijo, caboclo! Nós estamos no céu, não queremos queijo.

O sonho foi tão forte que eu pensei que era verdade, levantei-me, enquanto vosmincês dormiam, e comi o queijo...


Colhido no Ceará por Gustavo Barroso (Fortaleza, 29 de dezembro de 1888 — Rio de Janeiro, 3 de dezembro de 1959) foi um advogado, professor, político, contista, folclorista, cronista, ensaísta e romancista brasileiro.

Texto extraído do livro “Ao Som da Viola”, Rio de Janeiro, 1921, p. 413.

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