Lendo sobre o Modernismo brasileiro, conheci o nome de Jayme
Ovalle como sendo o parceiro musical de Manuel Bandeira na canção famosa
“Azulão”, uma pequena peça de melodia dolente e versos nostálgicos, que entrou
no repertório de numerosos intérpretes do canto lírico. As leituras se
ampliaram, e o nome de Ovalle começou a pipocar por toda parte. Não se encontra
por aí um só livro dele, um só disco, mas todo mundo concorda ter sido ele uma
espécie de anjo inspirador da boêmia modernista do Rio de Janeiro.
A biografia O Santo Sujo - a vida de Jayme Ovalle (Cosac Naify, 2008), de Humberto
Werneck, tem uma pesquisa cheia de surpresas pitorescas, e a prosa rica e
precisa do colunista do Estado de São Paulo. Werneck faz surgir a imagem de
Ovalle como um escritor que não precisava de livro, poeta que esnobava poemas,
músico para quem as canções eram mero efeito colateral da música, alguém capaz
de inspirar a todos mas sempre deixando para depois a grande obra que parecia
destinado a criar. Não muita coisa: vinte ou trinta canções líricas, um volume
de poesias. Deixou, acima de tudo (como o Almotásim de Borges), seu reflexo nos
que o cercavam, e o brilho desse reflexo nos permite imaginar a luz própria da
pessoa.
Era grande fazedor de frases. “O câncer é a tristeza das
células”, “o chato é o verdadeiro psiquiatra”, “a morte é a única coisa nossa;
nosso nascimento, por exemplo, pertence aos nossos pais”. Não era um
intelectual, era um intuitivo, místico, cheio de tiradas brilhantes, como um
menino que presta atenção a tudo. Rezava muito, chorava com facilidade,
apaixonava-se dia sim dia não. Era arquiteto de complicadas teorias estéticas,
um terno sedutor de mulheres e um inflamado enfeitiçador de homens.
Era em imitação a Ovalle, diz-se, a mania de Vinicius
de Moraes pelos diminutivos: “o poetinha, o uisquinho, o beijinho”. Vinicius
foi um que, ainda jovem, se deixou fascinar pela maneira ovalliana de ser e de
viver, a qual não impediu o “santo sujo” de ter sido a vida inteira um
impecável e assíduo funcionário da Alfândega. Era na madrugada, onde florescem
os talentos boêmios, que Ovalle desabrochava nas mesas de bar ou de cabaré, nas
reuniões literárias onde era profanamente reverenciado por Bandeira, Augusto
Frederico Schmidt, Murilo Mendes, Aníbal Machado, Di Cavalcanti, Fernando
Sabino, Paulo Mendes Campos... A lista é longa e cobre várias décadas. Um
desses amigos, Dante Milano, assim o descreveu: “Tudo o que pretendia fazer era
prodigioso, mas não se dava ao trabalho de realizar. Não podia, não havia
tempo. Cada dia para ele era um novo dia diferente, cada noite era outra noite;
um momento para ele era uma existência total”.
Bráulio Tavares
O mundo fantasmo
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