Sobrevivi ao fim do mundo, ao Natal com todos os excessos e agora estou
preparando o fígado para sobreviver ao fim do ano. Enquanto isso, gostaria de
ver a cara dos que acreditaram na tal profecia maia, que dava o dia 21 como o do
encerramento de nossa passagem por este vale de lágrimas.
É impressionante a credulidade das pessoas, a facilidade com que acreditam em
qualquer teoria, principalmente se vem envolta num halo místico: milenarismo,
adventismo, sebastianismo e até comunismo.
Não adianta mostrar que todas as profecias apocalípticas fracassaram — do
milenarismo, que previa a volta de Cristo no ano 1000, até o Bug do Milênio, que
anunciava o caos eletrônico, passando pela ameaça do cometa Halley em 1910.
Esses crentes estão por toda parte. Na China, cerca de mil foram presos
acusados de difundir o boato alarmista. A polícia de Pequim teve que divulgar um
comunicado de involuntário humor, avisando que “o fim do mundo é um rumor”. Nos
EUA, a Nasa precisou reunir cientistas para desmentir na internet a enxurrada de
cartas de pessoas em pânico. Algumas das mensagens falavam em suicídio. Um casal
queria matar os filhos para que eles não presenciassem o apocalipse, ou seja,
que morressem para não ver a morte. Pode?
Na Noruega, um homem fabricou um bote salva-vidas para enfrentar o dilúvio
universal. Na França, fanáticos acorreram para um pico de 1.200 metros de
altitude, na comuna de Bugarach, porque ali, segundo a profecia, seriam poupados
da tragédia planetária. Para o templo maia Gran Jaguar, na Guatemala, acorreram
multidões de estrangeiros.
Na Argentina, um usuário anônimo de uma página no Facebook escreveu:
“Convidamos a todos os crentes, seres e guerreiros de luz a um suicídio
espiritual em massa no morro Uritorco, em Córdoba.” O convite acrescentava:
“Abandonemos a nossa carne impura e transportemos nosso espírito através do
portal interdimensional às 21h12 minutos de 21/12/12 e dessa forma sejamos o
exército de luz que salvará a humanidade.” Se não era uma brincadeira, a
iniciativa não teve muito sucesso: o “suicídio mágico” esperava 15 mil
seguidores e só teve cerca de 150.
O mais engraçado é que, mesmo desmoralizado, o fim do mundo virou uma
metáfora para expressar situações ou atitudes absurdas. Nada mais fim do mundo,
por exemplo, do que o presidente da Câmara dos Deputados — de sobrenome
sugestivo — desafiar o STF em defesa de colegas condenados, ameaçando um
apocalipse institucional, que por enquanto foi evitado.
Zuenir Ventura
O Globo
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