domingo, 9 de dezembro de 2012

Mediação de Conflitos e Práticas Restaurativas: um novo olhar para o ensino jurídico

Uma educação voltada à pacificação social deve estar atenta aos conflitos originados em uma sociedade multifacetada como a Brasileira. Na contemporaneidade, o multiculturalismo é um fenômeno que interfere na relação educação x sociedade, portanto, como afirma Stein (2006) pensar é pensar a diferença.

Sendo a diferença um elemento característico da sociedade brasileira, ao se implementar processos educativos, a participação da comunidade torna-se relevante, senão imprescindível, gerando portanto, desafios que extrapolam a dimensão das salas de aula ou de educação formal.

O desafio mais evidente na contemporaneidade é a inclusão social e com isso, a releitura da relação escola x comunidade. Nesse cenário, cabe a escola interferir na administração dos conflitos para tornar a educação, como afirma o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Dr. Carlos Ayres Brito (2007, p. 32) - lembrando o art. 205 da nossa Constituição - “espaço de um saber direcionado ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Interferir na administração dos conflitos implica em um primeiro momento, admitir que esses, são naturais e inerentes ao ser humano, propulsores do progresso, pois, “sem conflito seria impossível haver progresso e provavelmente as relações sociais estariam estagnadas em algum momento da história”. (SALES, 2007, p. 23)

Sales (2007, p.24) sustenta que o conflito é necessário para a formação do indivíduo, sendo “algo comum na vida de qualquer ser humano que vive em sociedade”, adverte, porém, que é a administração do conflito que torna algo bom ou ruim e, é através da mediação que se tem a solução adequada de conflitos envolvendo relações continuadas.

A mediação propõe que tanto o conflito, quanto “a contradição sejam vistos como situações próprias das relações humanas, necessárias para o seu aprimoramento. Por este motivo, devem ser tratados com tranqüilidade”. (SALES, 2007, p. 25)

O objetivo da mediação reside em oferecer aos cidadãos participação ativa na resolução de conflitos, resultando no crescimento do sentimento de responsabilidade civil, de cidadania e de controle sobre os problemas vivenciados. "[...] apresenta forte impacto direto na melhoria das condições de vida da população, na perspectiva do acesso à Justiça, na conscientização de direitos, enfim, no exercício da cidadania". (SALES, 2007, p. 37)

O modelo tradicional de solução de conflitos, posto pelo Poder Judiciário, coloca as partes em embates, pois, no processo judicial há lados opostos, criando assim, um clima de disputa onde, invariavelmente um ganha e o outro perde, quando os dois não perdem.

Esse modelo foi, ou deveria sê-lo, superado com a concepção do Estado Democrático de Direito, pois este, como afirma Streck e Morais (2000, p. 90-1), “tem um conteúdo transformador da realidade, não se restringindo, como Estado Social de Direito, a uma adaptação melhorada das condições sociais de existência.”

Todavia, no Brasil essa concepção de modernidade, considerando esta, como afirma Hommerding (2007, p.25), “um fenômeno de organização cultural, um paradigma que surge para o ocidente desde o século XVI e persiste até o século XX”, sequer chegou a se concretizar, pois no entender do referido autor, “a experiência do Estado do Bem-estar Social, pois, ficou longe de ser concluída no Terceiro Mundo [...] onde há uma nítida contradição entre o quadro social real e os textos das leis e da Constituição.” (p. 26)

Neste cenário, o Poder Judiciário se mostra cada vez mais frágil e este acaba retrocedendo na sua função. Como afirma Hesse (1991, p. 130), “uma tentativa de resposta deve ter como ponto de partida o condicionamento recíproco existente entre a Constituição jurídica e a realidade político-social”. A educação, garantida a todos formalmente na Constituição Brasileira, deve encontrar, no que tange a resolução de conflitos, métodos que superem essa crise e, promova a cultura da pacificação das relações. Para tanto, formar e qualificar agentes de mediação deve ser uma das preocupações do processo educacional da contemporaneidade.

Para a formação do Mediador é necessário como afirma SIX (2001) o homem, enquanto matéria prima da mediação; a teoria, ou seja, o estudo sobre a mediação, seus fundamentos, objetivos e princípios e, a prática, a qual consiste na atividade real de mediação e capacitação através de casos concretos e interação com a comunidade.

A formação do mediador portanto, necessita de um processo de educação participativa, pois esta, como afirma Warat (2004)"parte da idéia de que tenho que assumir e resolver, sair a procurar tudo aquilo que eu não sei. A educação participativa me transforma em um procurador, um buscador, um bandeirante de territórios desconhecidos, que descobrimos por nós mesmos. Com a educação Participativa procuramos perder a fé nas crenças que nos foram impostas, nas crenças que se confundem com o conhecimento, que em nome da verdade, não se pode ter divergências. Falo das crenças que nos impuseram para adestrar-nos no fundamentalismo das crenças, das crenças às quais nunca podemos ser infiéis, as crenças que nos castigam (nos destroem) se nos descobrem infiéis a elas. Aprender, e isso um mestre tem que ajudar a descobrir, é perder a fé, ser infiéis ao fundamentalismo de certas crenças. [...] A educação participativa procura que nós adquiramos a responsabilidade de produzir nossa própria crença, ajudar-nos nós mesmos (com a menor cota de ajuda terceirizada) a subtrair de qualquer outro com pretensões de dominador, o poder de produzir-nos as crenças". (p. 195)Educar para a mediação portanto, impõe ao educador explorar o potencial dos saberes do educando, formando e capacitando esses, como agentes gestores de conflitos, pois o mediador “respeita a dignidade e o sofrimento do próximo; tem prazer de servir e atuar com excelência. Distingue nos pequenos sucessos o embrião dos grandes triunfos, consciente de que cidadania se constrói a partir de gestos mais simples”. (FIORELLI; FIORELLI e MALHADAS JÚNIOR, 2008, p. 150)

O fim a ser perseguido na educação contemporânea deve ser o respeito à dignidade da pessoa humana ou, dito de outro modo, a efetivação dos direitos do homem. A atuação do Poder Judiciário, por intermédio de processos judiciais tão somente, não se mostra eficiente para a solução dos conflitos. Precisa-se, nesses termos, pensar novos mecanismos de solução de controvérsias oriundas de uma sociedade plural, pois, com a implantação de um Estado Democrático de Direito, a partir da promulgação da Constituição de 1988, a grande preocupação vem, no sentido de promover a efetivação de direitos fundamentais, garantindo, assim, a cidadania.

A atual administração da justiça é caracterizada por “três males endêmicos”, quais sejam: as incertezas do Direito, a lentidão do processo e os seus altos custos. (SORIANO, 1997) Nesse cenário, mostra-se de suma importância a cooperação entre diversos segmentos da sociedade, em um contexto multidisciplinar, para fomentar e implantar novos métodos de solução de conflitos, em especial criando mecanismos extrajudiciais de resolução de controvérsias.

Para atingir tal objetivo, as instituições como as de ensino, tem que inserir seus alunos na realidade social da comunidade, dialogando com essa, mapeando suas necessidades e anseios para fins de elaboração de projetos em três grandes eixos: solução de conflitos; prevenção de conflitos e inclusão social e, para tanto, o instituto da mediação merecer ser estudado e pesquisado no âmbito acadêmico.
Se a interdependência no mundo é um fato, temos como afirma Amaladoss (2006) que descobrir maneiras de vivermos juntos e construirmos comunidade, onde a pacificação social é conditio sine qua non para concretizar tal propósito.

Como afirma Sales (2007)

"um caminho eficaz para diminuir a exclusão e a violência (mal-estar) vivenciadas nas escolas é a implementação de práticas que sejam embasadas nos princípios da psicologia positiva (valorização de sentimentos, como o otimismo, felicidade, altruísmo, esperança, alegria e satisfação para a compreensão), promovendo o sentimento de inclusão e bom entendimento (bem-estar) entre os vários seguimentos da escola (professores, alunos, funcionários, diretores, coordenadores) garantindo práticas eficazes e auto-sustentáveis". (p. 179)A mediação configura-se uma dessas práticas, pois
"A mediação lida com seres humanos, com relações humanas que se modificam a partir dos sentimentos e dos momentos vividos. Cabe ao mediador compreender esses sentimentos e esses momentos. Portando-se com humildade para escutar e não impor decisões e, principalmente, exercitando a prática de mediação de conflitos, os mediadores alcançarão a sensibilidade e a sabedoria necessárias para a realização de uma mediação exemplar". (SALES, 2007, p. 86)Portanto, ao se educar para a mediação estaremos promovendo cidadania, e contribuindo para a pacificação social, e, como afirma Oliveira (2006, p. 504) para “à construção de um conceito pleno de homem: Um Conceito Mais Humano, Um conceito Mais Transpessoal”.
 

*Por Marcelino Meleu - professor e coordenador do projeto de extensão em mediação familiar, desenvolvido no Núcleo de Prática Jurídica - NUJUR da Faculdade Imed.
 

Nenhum comentário: