Passadas as eleições, a Lei
Complementar nº 135 de 04 de junho de 2010, popularmente batizada de “Lei da
ficha limpa”, nascida sob os auspícios da iniciativa popular, ainda suscita
acalorada discussão entre aqueles que a defendem incondicionalmente e os que a
veem com declarada desconfiança. Vez enquando, a temática povoa,
acaloradamente, o ambiente acadêmico e a sociedade em geral.
A sociedade brasileira
movida pela ânsia do combate à corrupção e à afirmação da moralidade pública
insta a promulgação da Lei que estabelece, dentre outras diretrizes normativas,
a inelegibilidade por oito anos de agentes políticos condenados por órgão
colegiado, cassados ou que tenham renunciado para fugir da perda do mandato
eletivo.
Longe de querer aqui
discutir as questões éticas e morais que serviram de sustentáculos à égide da
citada Lei; entrementes, é imperioso do Estado democrático de direito o
respeito à normatização e aos princípios que circundam o estado e as garantias
fundamentais de seu povo.
A esse despeito, é merecedor
de registro o fato de que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou pela
constitucionalidade da Lei Complementar 135/2010, abrindo, ao meu juízo,
perigoso precedente quanto à observância e
respeito ao basilar princípio da inocência presumida agasalhado por
nossa Magna Carta no tangente à celebração de que “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.”
O fato é que, abraçada pela
Suprema Corte brasileira, impõe a Lei Complementar 135/2010 para o fato de
bastar tão somente que o cidadão seja julgado por um órgão colegiado,
independentemente da incidência de trânsito em julgado, ou seja, de decisão
irrecorrível, para se abater sobre ele a condição de inelegibilidade. Em alguns
casos, não há sequer a necessidade da decisão se processar em segunda
instância, a exemplo da condenação recorrível em sede do Tribunal do Júri, de
competência de juízo a quo, de
primeira instância.
Indiscutível que a
moralidade, o exercício da impessoalidade, a ética e o respeito às coisas e à
administração pública devem ser perseguidas e perseguidas com afinco através de
mecanismos materiais nesse sentido, mas parece-me desproporcional o fato dessa
busca desaguar em imperfeições legislativas, Frankensteins jurídicos, retalhos de legislação nascidos sob a
emoção e comoção popular que, por vezes, desaguam em inevitáveis confrontos com
preceitos constitucionais já consolidados.
A Lei vigente ignora algumas
situações, não levando em consideração, por exemplo, o fato de que em casos
determinados, os órgãos colegiados não atuam como instâncias recursais mas sim
como órgãos originários das causas. Apenas no âmbito da exemplificação, pelo
que prevê a Constituição, um prefeito é julgado originalmente em ação criminal
pelo Tribunal de Justiça de seu Estado (órgão colegiado). Se condenado,
inevitavelmente estaria inelegível em um julgamento único, sem possibilidade de
revisão recursal por outro órgão.
Ademais, é preciso estarmos
atentos à possível produção de condenados de circunstâncias num país de
partidos políticos frágeis onde, não raramente, se formalizam denuncias de toda
ordem, em alguns casos, com a única finalidade de aleijar disputas eleitorais e
tirar da possibilidade pretensos candidatos.
De tudo, o que tenho como
conclusivo é que guardadas as exceções e as devidas e necessárias proporções, a
história da humanidade está repleta de julgamentos extremamente democráticos e
circunstancialmente discutíveis sob todos os aspectos.
O mais famoso deles,
surge-me lembrar, ocorrido há cerca de dois mil anos, um desentendimento entre
o então Procurador da Judeia e o Sinédrio de Jerusalém, pôs em julgamento a
vida de um nazareno. Pilatos, na ocasião, se colocou entre a decisão
monocrática de libertar Jesus como ato de império ou deferir o que queria os
membros do colegiado que formavam o Sinédrio. Optou, porém, por uma decisão
eminentemente mais democrática, com a participação direta do povo, oferecendo
ao acusado as garantias do devido processo legal, direito de defesa e
contraditório.
O resultado do julgamento
todos nós conhecemos. A decisão final foi proclamada por um colegiado com
impressionante apelo popular.
A preço de hoje, o
carpinteiro além de condenado estaria, inevitavelmente, inelegível por oito anos.
Teófilo
Júnior.
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