A crônica consiste num gênero textual em que se faz uma reflexão pessoal sobre acontecimentos pitorescos do cotidiano. Ela não se limita à mera reprodução de fatos, mas vai além, mostrando ângulos não percebidos. É fragmentária, pois não tem a pretensão de abordar o fato como um todo, mas apenas alguns detalhes significativos. Esse gênero, na maioria das vezes, é um texto curto e rápido, escrito quase sempre numa linguagem comum ou familiar.
“Conforme Coutinho e Souza, o fato, que é em geral um fim para o jornalista, para o cronista é um pretexto para divagações, comentários e reflexões. É um gênero textual altamente pessoal, uma reação individual e íntima diante da vida, das coisas ou dos seres (2001, p. 562-563). Num estilo leve, o cronista pode tratar de problemas sociais, de fraquezas humanas, de fatos ocorridos na sociedade, de uma notícia marcante, de um filme, de uma viagem, entre outros temas.
“Geralmente, a crônica aborda fatos do dia a dia, ao primeiro olhar, sem importância. Para Martins e Saito (2006), o cronista faz com que esses fatos banais sejam significativos, na medida em que mostra ‘a grandeza’ escondida neles.
“Uma das marcas desse gênero é abarcar o comentário do fato jornalístico, a ficção, a ironia, o humor diante da sociedade e a defesa de idéias, tendo sempre um olhar crítico e inesperado. A crônica tem uma estrutura livre, e pode valer-se do diálogo, do monólogo, da entrevista, da resenha e de personagens reais ou fictícios.
“Esse gênero pode apresentar tipologia textual de base narrativa, dissertativa, entre outras, dependendo da intenção do autor. A crônica com tipologia de base narrativa possui poucas personagens, e as referências espaciais e temporais são limitadas: as ações ocorrem num único espaço, e o tempo normalmente corresponde a alguns minutos ou algumas horas. Segundo costa, quando a crônica é ‘predominantemente narrativa, possui trama quase sempre pouco definida, sem conflitos densos, personagens de pouca densidade psicológica, o que a diferencia do conto’ (2009, p. 80).
“A crônica com tipologia textual de base narrativa admite o narrador em primeira pessoa, participando dos acontecimentos, ou em terceira pessoa do discurso, observando os fatos. Conforme Costa, a crônica busca aproximar o enunciador do leitor pelo uso freqüente do discurso indireto livre e de perguntas retóricas (2009, p. 81). O discurso indireto livre ocorre quando há fusão entre personagem e narrador, pois, entremeando a narrativa, aparecem diálogos indiretos da personagem, que complementam a fala do narrador. Por sua vez, as perguntas retóricas estão presentes quando o narrador propõe ao leitor questionamentos sem esperar uma resposta, com a intenção de levá-lo a pensar sobre o assunto.”
(...)
“Há dois tipos de crônica, a literária e a não literária; ambas são construídas a partir de dados da realidade. A crônica literária pertence à ordem do narrar e a não literária, à ordem do relatar.
“Na crônica literária, o cronista transforma os elementos objetivos em estéticos a partir de sua liberdade e capacidade imaginativa. Reinventa o real pelo uso particular das palavras, através do emprego da linguagem conotativa e subjetiva, deixando transparecer suas emoções e desvelando poeticamente o instante. A linguagem conotativa refere-se ao significado que certas palavras e expressões assumem, modificando seu sentido literal, e a linguagem subjetiva mostra a visão pessoal do indivíduo e sua reação emotiva frente a algo. De acordo com Soares, enquanto literatura, a crônica atravessa o tempo por ser um registro poético e, muitas vezes, irônico, que capta o imaginário coletivo em suas manifestações cotidianas, perpetuando-o ( 1997, p. 64).
“Já na crônica não literária, o autor vale-se da realidade objetiva, com seus dados passíveis de comprovação. Para que sua intenção seja comunicada, usa sobretudo a linguagem denotativa e objetiva. Conforme Machado, a crônica não é propriamente uma notícia, mas um artigo sobre a notícia (1994, p. 240). Entre as crônicas não literárias, as mais comuns são a crônica jornalística, policial, esportiva, política, social e de moda.
(...)
“Moisés coloca que, na Idade Média, após o século XII, a crônica voltou-se para a perspectiva histórica, o que determinou umas distinção: havia obras que narravam os acontecimentos detalhadamente, com algumas explicações; outras os apresentavam numa perspectiva individual da história, como ocorre nas obras de Fernão Lopes (séc. XIV). O autor diz que existiam, além disso, os cronições, também chamados de crônicas breves, que constituíam notações simples e impessoais sobre o cotidiano (2004, p. 110).
“Ainda conforme Moisés, no século XVI, o termo crônica foi substituído por história. A partir do século XIX, o vocábulo foi utilizado para designar textos que tinham pouca relação com o primeiro tipo de crônica e que assumiram estrita personalidade literária. Essa forma de crônica teria sido produzida inicialmente pelo francês Julien-Louis Geoffroy, por volta de 1800, e publicade no Journal des Débats (2004, p. 110).
“No Brasil a crônica surgiu há uns 150 anos, com o Romantismo e o desenvolvimento da imprensa, e é considerada um dos mais antigos gêneros jornalísticos. A princípio foi designada pelo nome de folhetim.
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“Sintetizando
A crônica:
consiste numa produção breve sobre um fato do cotidiano;
envolve dados da realidade;
pretende refletir e/ou divertir;
capta os aspectos singulares do fato e mostra ângulos não percebidos;
é um texto leve, escrito de forma pessoal;
possui estrutura livre;
emprega a linguagem comum ou familiar;
utiliza narrador em primeira ou terceira pessoa do discurso;
pode ser literária ou não literária.”
VANILDA SALTON KÖCHE (et al.)
(KÖCHE, Vanilda Salton, MARINELLO, Adiane Fogali, BOFF, Odete Maria Benetti. Crônica. In: ___. Estudo e produção de textos: gêneros textuais do relatar, narrar e descrever. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012, p. 69-72.)
*Sugestão e indicação de postagem do amigo Adauto Neto
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