Ética é uma das questões mais importantes no contexto de nossa sociedade, tanto da esfera pública, quanto de nossas vidas privadas. Somos éticos quando refletimos sobre o que fazemos, quando medimos e qualificamos nossas ações levando em conta o que somos e podemos ser, com base no reconhecimento do outro, seja ele nosso próximo, a sociedade ou até mesmo o planeta. Sem a ética não sabemos nos situar em nenhuma esfera de nossas vidas. Sem a ética nos tornamos alienados, ou seja, figuras desconectadas de uma reflexão sobre o sentido da vida em sociedade.
Mas o que é ética hoje? Como ela vem sendo entendida? O que é ética no mundo do trabalho, na família, no cotidiano, na escola? O que os meios de comunicação tem feito da ética? Ética é, principalmente, a relação que estabelecemos uns com os outros. É o questionamento sobre o sentido da convivência baseada na pergunta “o que estamos fazendo uns com os outros?”.
Ética é um tipo de postura e, consequentemente, de ação, certamente mediada em princípios tais como o respeito à subjetividade, à dignidade da pessoa, à diversidade, ao outro. Mas não se trata de uma pura ação. Antes trata-se da relação entre pensamento e ação. Neste sentido, para que cheguemos à ética, precisamos lutar pela desmistificação da separação entre teoria e prática. Esta é uma das questões mais fundamentais quando falamos de ética como a “filosofia prática” que ela, de fato, é. Ética é a capacidade de pensar e fazer a partir de uma princípio de autonomia pessoal em que cada sujeito se questiona sobre o que pensa e faz, levando em conta que o questionamento já é, em si mesmo, pensamento e ação que terá consequências concretas. Quem não pensa por conta própria é levado a pensar o que os outros para ele definiram como verdade. É neste sentido que muitos introjetam aquilo mesmo que lhes faz mal, que édito contra eles mesmos. A heteronomia pode até ser moral, mas não é ética, pois enquanto a moral é confirmação do hábito ou do previamente estabelecido, a ética implica seu questionamento.
No entanto, falamos de ética como de uma palavra mágica que, pelo simples fato de ser pronunciada, adquire validade concreta. Isso tem dois lados. De um, muitos acreditam que basta “falar” ética para ser ético. De outro, é verdade que a palavra ética tem um poder performativo radical. Quando pronuncio ética, a palavra como que ricocheteia sobre mim exigindo que eu a realize na prática. Isso quer dizer que se alguém fala em ética sem ser ético, uma contradição se escancara.
Ao mesmo tempo, vivemos em uma sociedade caracterizada por uma relação imediata com a informação e certa ideia de conhecimento que parece não prever muito espaço e tempo para o cultivo da subjetividade que nos permitiria a invenção da ética entre nós. Os relacionamentos já não são baseados em princípios éticos porque não existe mais a esfera da subjetividade, ou, em outros termos, da interioridade, da consciência de si, do autoquestionamento e da crítica social. Aquilo que antigamente chamávamos de “alma”. Experimentamos nos diversos contextos da experiência vivida, transformações profundas que alteram nosso modo de ver e, portanto, de agir no mundo. As novas tecnologias, a Internet, as Redes Sociais, têm levantado muitas questões que tanto o campo da filosofia, quanto o da antropologia, da sociologia e da educação procuram responder. A contradição entre um mundo de informação e a desvalorização da comunicação e da educação é uma delas. Nossa cultura desvaloriza, igualmente, a cultura… Como fomentar a subjetividade se estas esferas que a criam estão aviltadas em nossos meios?
Perguntar pelo sentido do conhecimento em nossos dias é uma questão que se torna cada vez mais urgente. Ele também nos coloca o sentido do autoconhecimento que, visto de um ponto de vista crítico, ainda teria muito a nos dizer sobre nossa potencialidade ética (e que será sempre, por fim, política). Mas quem quer autoconhecimento hoje? Só que esta pergunta esconde uma outra: onde está o desejo? E outra: quem tem direito a seu desejo hoje? Neste campo, a pergunta ética por excelência é “o que cada uma de nós está fazendo consigo mesmo?” quando nos entregamos às ordens de uma sistema econômico, social e comunicacional deturpados?
Neste contexto, a reflexão sobre a ética se torna fundamental como modo de pensar e promover a ação nas variadas experiências no mundo da vida levando em conta os problemas culturais de nosso país que vão do analfabetismo generalizado à corrupção. Também a arquitetura tem seu papel e sua responsabilidade nessa seara: desde o questionamento sobre o lugar dos profissionais de arquitetura até as questões relativas à política do espaço relacionada à habitação e ao direito à cidade, no qual incluo o direito visual à cidade. O arquiteto é o filósofo prático do espaço que é algo sempre partilhado, tanto na vida privada quanto na esfera pública. Seu papel social não é pequeno quando estamos em uma sociedade ignorante do sentido coletivo do espaço, do sentido da cidade. O sentido do conhecimento também foi perdido quanto ao espaço. Nossa cultura sofre disso. A reflexão sobre a ética permite re-situar o sentido do conhecimento e da cultura, dirigindo-nos a uma valorização da educação em termos de formação que transcende o espaço da escola e nos liga novamente ao sentido da vida como um todo, ao espaço que habitamos, a cidade onde vivemos, a sociedade que ajudamos a formar com todas as nossas ações.
A ética em nossos dias começa com a reflexão que não pode parar.
Marcia Tiburi
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