Está nas páginas das revistas especializadas em automóveis uma peça publicitária de um veículo produzido por uma das multinacionais que têm fábrica no Brasil: "Optical Parking System". A maravilhosa engenhoca é um dos equipamentos do veículo.
O caro leitor sabe o que vem a ser o bendito "Optical Parking System"? Bem, para ser justo, convém dizer que o próprio anúncio explica, imediatamente depois da construção em inglês. A "tradução" (quase em português) vem entre travessões: "Display do sensor de estacionamento".
Já sabe por que escrevi "quase em português", não? Para quem não entendeu, explico: na tradução, foi empregada a palavra "display", que talvez pudesse ser substituída por "mostrador", "painel" ou sabe Deus o quê.
Antes que alguém se empolgue e comece a pensar que este texto é um manifesto contra todo e qualquer estrangeirismo ou a favor de purismos linguísticos etc., vou logo dizendo o que os leitores habituais deste espaço já estão cansados de saber: devagar com o andor, por favor.
Nada de pensar que temos de trocar "futebol" por "ludopédio", "bola-pé" etc. ou que temos de banir termos mais do que consagrados como "show", "gol" ou "know-how".
O problema é outro. Mais precisamente, é a bizarrice de certos usos de estrangeirismos. Se um publicitário usa "target" no seu meio profissional, vá la. Qualquer publicitário sabe o que é isso, mas quem não é do ramo não sabe (e não tem nenhuma obrigação de saber) o que é essa bobagem, sobretudo porque há na língua materna um termo absolutamente equivalente e infinitamente mais conhecido ("alvo").
Outra bobagem que o pessoal da publicidade gosta de empregar em público é "share" (ou "market share"). Lembra-se da antológica "Imagine", do imortal John Lennon? Diz a letra do querido beatle: "Imagine all the people sharing all the world" ("Imagine todas as pessoas dividindo, compartilhando o mundo todo"). Pois o tal de "market share" nada mais é do que a fatia ou quota de participação num determinado mercado ("A empresa tem X% de share" significa "que X% do mercado é dela").
Voltemos ao "Optical Parking System". Não lhe parece bizarro, caro leitor, que a peça publicitária se valha de uma expressão alienígena, pouco compreensível para muita gente, e (bizarrice das bizarrices) imediatamente a apresente mais ou menos traduzida? Sob o ponto de vista da comunicação, não seria mais eficiente e racional apresentar a informação (só) em português mesmo?
Aliás, por que será que as fábricas de automóveis instaladas no Brasil insistem em montar em seus produtos painéis cujas informações (e respectivas abreviações) aparecem em inglês? O marcador de combustível, por exemplo, indica "E" (de "empty" = "vazio") e "F" (de "full" = "cheio"); o da temperatura do motor indica "H" (de "hot" = "quente") e "C" (de "cold" = "frio"). Sim, já sei, muitos desses carros são exportados, então... Então coisa nenhuma. Sabemos todos que as unidades exportadas são muuuuuuuito diferentes das que ficam por aqui, por isso (creio) não deve ser muito difícil diferenciá-las em mais um item. Ou nossa produção (em larguíssima escala --somos ora o quarto, ora o quinto mercado do mundo) não justifica o custo de um painel tupiniquim?
Que fique claro: isto nem de longe é um manifesto purista, xenófobo ou algo do gênero. O problema é outro; é o uso gratuito do estrangeirismo, o que quase sempre se dá por esnobismo ou tolice mesmo. O caro leitor conhece algo mais tolo do que os anúncios do mercado imobiliário? Alguém é capaz de traduzir 20% daquela bobajada posta como "qualidades" do imóvel? Xô, complexo de vira-lata! É isso.
Pasquale Cipro Neto é professor de português desde 1975. Colaborador da Folha desde 1989, é o idealizador e apresentador do programa "Nossa Língua Portuguesa" e autor de várias obras didáticas e paradidáticas. Escreve às quintas na versão impressa de "Cotidiano
Fonte: (www.folha.com.br/opinião/colunistas/pasqualeciproneto/acesso em 07-12-2012)
*Mais uma colaboração de postagem do amigo Adauto Neto
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