domingo, 7 de março de 2010

O intruso

(Oxiurus ou Enterobius Vermiculares)


Não que eu ache essa situação digna de gargalhadas ou galhofas, longe de mim, mas é no mínimo, inusitadíssima, somente uma figura como o Rubião poderia se meter numa dessas.

Ele é aquele sujeito desprovido de sorte, ainda que um mero lampejo dela, definitivamente, ele não tem sorte. Era o dia do seu casamento, tudo estava pronto: a igreja do bairro estava toda enfeitada, o que tinha de rosas nos jardins da redondeza sua prima Lindalva colhera na noite passada, os convidados pontuais, todos muito elegantes se acotovelavam para ver a entrada triunfal da noiva, ao som de Sandra Rosa Madalena (não me pergunte por que), Cecília, aquela que primeiro despertou o coração de nosso amigo desafortunado.Rubião, (Bibi para os íntimos) metido num terno branco, sapatos em perfeita harmonia, as meias combinando com a gravata vermelha, era o personagem mais feliz daquele fatídico ato; Padre Eustáquio, velho conhecido da família, do alto de seus oitenta e nove anos, bem vividos, lamentava não poder ouvir como antes, mas estava ali no batente para mais uma missão.

Ao tocar dos clarins, Rubião posiciona-se a poucos metros do altar, de modo que possa esperar sua amada Cecília, que já dava os primeiros passos em sua direção; todos se voltam para a beleza quase virginal da noiva, um momento ímpar, as solteironas de plantão ficaram ouriçadas, momento de pura emoção.Eis que inesperadamente, Rubião começa a sentir uns comichões na região interna de suas nádegas, (o popular o velho conhecido, ânus), o que diabos era aquilo? Uma coceirinha que começou discreta, inofensiva, quase infantil.

Pensou consigo mesmo, não deve ser nada, logo passa.A cada passo de Cecília, como numa mágica orquestração do destino ou seria do intestino, a coceirinha ia tomando corpo, se avolumando, aumentando de intensidade, o que já tirara completamente a atenção de Rubião dos demais acontecimentos do recinto. Já não suportando aquela incômoda situação, ele discretamente leva o dedo médio ao encontro daquela insistente situação; não resolve, alivia, mas não resolve, parece que ela (a coceira) se vicia a cada coçada, e exigi-lhe de imediato a ajuda dos demais dedos da mão direita, até o polegar entra na dança, ou melhor, na árdua e difícil tarefa de estancar imediatamente aquela sangria desatada, meu deus Cecília se aproxima e ele ali, se coçando todo.A noiva se aproxima, e ele com lágrimas nos olhos a beija na testa, não consegue dar um único passo, ela emociona-se ao vê-lo chorar e diz: - "que lindo Bibi, você está emocionado".

Rubião replica baixinho para que ninguém o ouça:- "não querida, estou com um problema sério e não vai dar pra ficar aqui mais nem um minuto". Cecília não entende o que ele quer dizer, mas percebe que ele está meio agoniado, meio elétrico, como se um fio estivesse ligando seu amado a tomada mais próxima, e diz: - "você desistiu não é Bibi? não quer mais se casar comigo? já sei, tem outra, diga Bibi, você tem outra mulher!!!"Todos começam a perceber que algo de estranho está acontecendo ali, o Padre Eustáquio tira uma sonequinha em uma das cadeiras atrás do altar, também não percebe absolutamente nada; Rubião pega sua noiva pelo braço e sai puxando-a lentamente para a lateral da igreja, ele se move com dificuldade, não se sente bem, pois, anda como se estivesse mascando chiclete com as nádegas...Cecília começa a ficar desesperada e chora copiosamente, chora também o Rubião, as lágrimas são incontroláveis, assim como a maldita coceirinha; a essa altura a costura de sua bela calça já tinha se rompido, restava apenas a fina cueca de cetim, a última fronteira entre seu dedo médio e aquele comichão, que acabara de interromper aquele que seria o acontecimento mais feliz de sua vida....Ufa! Pronto, respirou aliviado o já combalido noivo; ultrapassada a barreira, os dois finalmente se encontraram, o dedo e o intruso (intruso porque não fora convidado para a festa).

Por um momento, Rubião pára a frenética fricção, e diz: - "parou, Cecília parou meu amor, nunca senti algo tão intenso". Cecília se volta para o seu amado e como uma cara de poucos amigos pergunta desconsoladamente: - "Me responde uma coisa Bibi: você é gay? Fala a verdade, diz.".Ele não entendeu absolutamente nada daquela intrigante pergunta, todo seu universo restringia-se a um encontro mágico ocorrido minutos antes, foi um momento de intensa paz interior, ao que respondeu: - "Pronto, agora podemos voltar ao altar".

Cecília espantada com aquela cena, Rubião agachado, sentado sobre a mão direita, com as calças arriadas e um ar de felicidade denunciada, ela grita: - "Mãeeeeeeeeeee, eu quero minha mãe" e sai desesperada correndo para fora da igreja, foi o maio reboliço, ninguém entendeu nada, todos atônitos aguardando uma notícia, mesmo que fosse aquela que todos não queriam ouvir: a festa acabou; afinal, o investimento em roupas e presentes deve ser ao menos compensado com o delicioso rega-bofe, acompanhado obviamente, de meia dúzia de antigos boleros.

Horas depois, estava o Rubião na Santa Casa de Itapecerica sendo atendido por um pediatra, o único de plantão:- Meu caro, você foi vítima de um intruso, esse bichinho que lhe atacou em plena cerimônia de casamento é um verdadeiro penetra, na melhor expressão da palavra, pois estava na hora errada e na pessoa errada.- Como assim Doutor, retruca Rubião?- É isso mesmo, todos os sintomas descritos me levam a seguinte conclusão: você contraiu Oxiurus ou Enterobius vermiculares, é um parasita que vive na região anal, geralmente ele ocorre em crianças de até cinco anos de idade. Ele é pequeno, tem cerca de um centímetro de comprimento, é fininho como um fio de linha e causa um incômodo insuportável.- Como foi que esse intruso entrou na "festa", quer dizer lá, lá onde eu o encontrei?- Meu caro, ele pode ter chegado "lá" por diversas formas, através de mãos sujas, água contaminada, alimentos mal lavados, poeira e auto-infestação, que acontece quando a criança, quer dizer, quando o indivíduo depois de se coçar, leva a mão à boca, o que não é o seu acaso, eu acho.

Bem tome esse remédio aqui durante sete dias, será o suficiente para livrá-lo desse incômodo.Uma semana depois, Rubião já completamente restabelecido, escreve aos convidados uma mensagem de desculpas, onde atribuía o lamentável episódio a um intruso, estranho indivíduo que entrara furtivamente naquela cerimônia, e o pior, sem o seu consentimento e causara um pequeno tumulto nos bastidores do enlace.Novo casamento foi marcado para dali a dois meses, o que aconteceu sem maiores transtornos.

Essa união durou exatos seis anos; um belo dia Cecília resolveu por um fim a relação, sem grandes explicações, apenas disse ao infeliz Rubião que não gostava mais dele e que portanto, estava se mandando.Imaginem vocês, era quinta-feira, dia 22 de abril de 1992, passava da meia noite, entro no Beco da Jia, famoso boteco da zona leste de São Paulo, flagro o Rubião sentado à mesa, acompanhado de meia garrafa de smirnof, cigarro no canto da boca, um cinzeiro abarrotado, balbuciando algumas palavras, como se desabafasse com um amigo, me aproximei sem que ele me notasse e ouvi o seguinte desabafo:- Sabe Oxi, eu bem que podia ter escutado você naquele dia, ta vendo como não deu certo? Ela me deixou sem nem dar explicações, destruiu meu coração, nem pude argumentar; se soubesse que ia ser assim, teria dado mais importância aos seus conselhos, e olha que não foram poucos...


Dr. Tarciso Rômulo
Advogado pombalense radicado em Brasília

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