sábado, 7 de maio de 2016

...Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse a cada dele, e é.
Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem
 - pois nunca morou antes em ninguém
nem jamais lhe puseram rédeas nem sela
 - apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo:
come às vezes na minha mão. 
Seu focinho é úmido e fresco.
Eu beijo o seu focinho.
quando eu morrer, 
o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito.
a menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave.
Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome
ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai.
se ele fareja e sente um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e ai.
Aviso também que não se deve temer seu relinchar:
a gente se engana e pensa que é a gente mesma que está relinchando de prazer ou de cólera,
a gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez. 

Clarice Lispector
 
Fonte: aqui

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