Magistrado considera a gratificação “imoral, indecente e antiética”, além de ser uma reposição salarial “espúria”.
O juiz do Trabalho Celso Fernando Karsburg, de Santa Cruz do Sul (RS),
renunciou publicamente ao recebimento do auxílio-moradia por considerar essa
gratificação “imoral, indecente e antiética”.
A decisão foi anunciada em artigo que o magistrado do Tribunal Regional do
Trabalho da 4ª Região publicou no jornal “Gazeta do Sul“, no dia 1º de
outubro.
Para o magistrado, trata-se de “disfarçada e espúria concessão de antecipação
ou reposição salarial por ‘canetaço’ ante a inércia do governo federal – que tem
dinheiro para construir portos para regimes políticos falidos, perdoar dívidas
de outros tantos, que deixa bilhões escorrer entre os dedos das mãos nos
incontáveis casos de corrupção que diariamente são noticiados – mas não tem
dinheiro para repor as perdas causadas pela inflação, nem para remunerar de
forma digna a magistratura”.
Karsburg disse ao Blog que as entidades de classe da magistratura não se
manifestaram sobre o artigo. Em encontro de juízes do Trabalho realizado em
Canela (RS), houve manifestações favoráveis e desfavoráveis de alguns
colegas.
Eis a íntegra do artigo:
Auxílio-moradia para juízes
Recente decisão de ministro do Supremo Tribunal Federal, concedendo
indistintamente o auxílio-moradia a todos os magistrados do País, repercute
gerando acirradas controvérsias e indignação. Apenas para relembrar. Depois de
anos de luta, a magistratura conseguiu a instituição do subsídio a que se refere
o § 4º do artigo 39 da Constituição Federal, sendo que o critério para correção
deste – anual – se encontra fixado no inciso X do artigo 37. Com a instituição
do subsídio, visava-se tornar mais transparente a forma como a magistratura é
remunerada e acabar com toda a sorte de ajuda-disto e auxílio-daquilo pagos
indistintamente. A Lei Orgânica da Magistratura, promulgada em 14/3/1979, no
artigo 65, por sua vez, entre outras vantagens, prevê o pagamento de “ajuda de
custo, para moradia, nas localidades em que não houver residência oficial à
disposição do Magistrado”.
É fato notório, também, que desde 2006 o Poder Executivo não vem
concedendo reposição salarial plena – e não está a se falar em aumento salarial,
apenas reposição das perdas causadas pela inflação – a que se refere o artigo 37
supracitado, o que vem levando à exasperação não somente a magistratura mas
também todos os servidores públicos abrangidos pelo artigo em questão, em
evidente desrespeito à Constituição Federal.
A partir dessas constatações, uma indagação. Se desde 1979 já existia o
direito ao recebimento do auxílio-moradia, por que somente agora, passados 35
anos, alguém se lembrou de requerer seu pagamento? Será que ninguém percebeu que
esse direito estava ao alcance de todos os juízes mas que, por alguma insondável
razão de bondade, não foi exercido durante todo esse tempo? À evidência que não.
E a resposta é simples. Porque durante todos estes anos o pagamento da vantagem,
indistintamente a todos os juízes, era visto como algo indevido, para não dizer
absurdo, imoral ou antiético. E somente deixou de assim ser visto quando a
magistratura percebeu que o Poder Executivo não iria conceder a reposição do
poder aquisitivo causado pela inflação que ele mesmo produz.
Portanto, digam o que quiserem dizer: o pagamento do auxílio-moradia,
indistintamente a todos os juízes, ainda que previsto na Loman, é uma afronta a
milhões de brasileiros que não fazem jus a esse “benefício” e na realidade se
constitui na resposta que um Poder – o Judiciário – deu a outro – o Executivo –
porque este não cumpriu sua obrigação de repor o que a inflação havia consumido.
É uma disfarçada e espúria concessão de antecipação ou reposição salarial por
“canetaço” ante a inércia do governo federal – que tem dinheiro para construir
portos para regimes políticos falidos, perdoar dívidas de outros tantos, que
deixa bilhões escorrer entre os dedos das mãos nos incontáveis casos de
corrupção que diariamente são noticiados – mas não tem dinheiro para repor as
perdas causadas pela inflação, nem para remunerar de forma digna a
magistratura.
Outras perguntas. Se o Poder Executivo continuar não concedendo a
reposição da inflação nos próximos anos – continuando a demonstrar, assim, o seu
desprezo para com a magistratura – a PEC 63/13, que institui a parcela
indenizatória de valorização do tempo de serviço (ATS), também será atropelada
por liminar do STF fazendo valer o inciso VII do mesmo artigo 65 da Loman antes
já mencionada, que prevê o pagamento de gratificação adicional de 5% por
quinquênio de serviço, até o máximo de 7?
Como ficam os juízes que residem na comarca e em residência própria? Irão
receber a gratificação? Sob a justificativa de que a União não fornece a
residência? E os casais, quando ambos forem juízes, qual deles receberá o
auxílio-moradia? Receberão ambos? De minha parte, apenas uma certeza. Desde já
renuncio ao recebimento da “gratificação”, por considerá-la imoral, indecente e
antiética. Não quero migalhas recebidas por vias transversas e escusas. Quero
apenas o mínimo que a Constituição Federal me assegura para exercício de meu
cargo com dignidade. A reposição da inflação anualmente. Nada mais do que
isso.
Por Frederico Vasconcelos
Folha de S. Paulo
Fonte aqui
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