A violência é experimentada, provocada e sofrida no dia a dia das pessoas das
mais diversas formas. Na prática, a violência é algo banal, ou seja, é comum e
partilhada. O que chamamos de “violência simbólica” está entre nós entrelaçada
de um modo perigoso com a violência física. Isso quer dizer que nos atos físicos
de violência de gênero, raça, idade, classe social, há sempre violência
simbólica. Na base de instituições nas quais o autoritarismo (Estado, Justiça,
Escola, Família, Igreja) define o rumo dos atos de opressão e submissão de
pessoas em geral, a violência simbólica diz respeito à compreensão da própria
violência: a ideia do que seja violência define a violência possível. Daí que
alguns se sintam autorizados, seja a xingar, seja a fomentar o ódio na TV ou até
mesmo nas redes sociais da internet.
A agressividade verbal é uma forma conhecida de violência simbólica. Fofoca e
difamação também fazem parte desta violência que se faz com palavras e atos de
fala, mas em uma escala que não parece tão perigosa na maior parte dos casos.
Falar é fazer, mas pensamos pouco nesse fato.
Quando a violência da fala chega à comunicação que, em escala institucional,
atinge o que chamamos de “mídia”, o perigo se intensifica. Temos ouvido e visto
jornalistas com amplo espaço na televisão falar de modo agressivo e
irresponsável em gestos de claro fomento ao ódio. Rachel Sheherazade não é o
único, embora seja o mais curioso dentre os exemplos, à prática midiática do
ódio. Podemos pensar que ela extrapola os limites éticos, mas aquilo que ela faz
é estabelecer elos com a “voz” de muitas pessoas. Isso quer dizer que as
“asneiras” pronunciadas em público tem nexo direto com aquelas que são
pronunciadas em casa, na esfera da vida privada. Daí o lugar especial em nossa
cultura contemporânea de plataformas como facebook – onde qualquer um faz-se de
“formador de opinião” – que estremecem os limites do privado e do público. Ali o
que se diria em escala privada é dito em escala pública com a leviandade de quem
pensa não estar sendo visto. Como se o que é dito não tivesse nada demais em ser
dito.
Uma violência pouco impressionante
É menos impressionante xingar do que caluniar, e menos grave caluniar do que
espancar e menos ainda espancar do que matar. Mas há uma continuidade entre os
atos de fala e as violências físicas, porque nossos atos são efeito do que
pensamos. Nossos atos de fala provocam efeitos subjetivos e objetivos. Podemos
pensar que todos somos capazes de fofoca, de maledicências e, bem pagos, alguns
seriam capazes até de fazer jornalismo sem ética ou coisas do tipo. Até que
ponto vai a capacidade de praticar violência? Essa é uma pergunta que devemos
nos fazer hoje em dia.
Aquele que fomenta verbalmente a violência trabalha na formação da violência
simbólica. Como fez Sheherazade ao incitar à morte daquele que, segundo sua
epistemologia, chamou de “marginalzinho”. Aquele que pensa assim, fala assim,
também é capaz de fazer o que diz porque, de certo modo, já “faz” o que diz.
Pelo simples fato da banalização da violência, há quem pense que também está
autorizado a matar. Os diversos casos de violência ao nível da barbárie vividos
no Brasil nos últimos tempos nos confrontam com uma sociedade que não se
preocupa com a própria violência. Neste campo entram os meios de comunicação
controlando o modo de pensar e, portanto, de agir das pessoas.
Sabemos que a destruição da sociedade se dá na destruição da subjetividade
das pessoas. Cada um deve ser aniquilado como pessoa, ou seja, precisa ter
perdido a si mesmo para poder sentir que a vida do outro não vale a pena e que
deve ser aniquilada de qualquer modo. Ele se entrega ao ato de atirar a primeira
pedra porque está iludido de que a sua vida pode valer alguma coisa.
Não há futuro para uma sociedade cujo pensamento comum é este. Não há futuro
em uma sociedade cujo pensamento comum nasce na televisão fascista.
Marcia Tiburi
Nenhum comentário:
Postar um comentário