Às vezes escrevo uma
bobagem qualquer aqui e alguém vem me perguntar se eu tive a “pretensão” de
inventar uma palavra que não existe (“websaite” é o caso mais
recorrente.) Como se inventar palavras fosse proibido.
Como se isso fosse algum tipo de extemporismo que somente um verbador
crachado tivesse jurisdicção para concomitar.
Quem inventou as palavras
que usamos hoje? Minha aposta: não foi nenhum linguista, nenhum
diplomado, nenhum peagadê. Foram grupos inteiros de pessoas que
bateram as palavras antigas no pilão e as transformaram, distorceram,
recombinaram, fracionaram, derivaram de formas inesperadas, mas acharam bom,
ficaram usando. E a palavra nova foi entendida, aceita,
assimilada, e ficou. É, hoje, uma dessas palavras velhas que
estamos usando.
Qualquer um pode inventar,
não sou só eu. A lista A Word A Day, que recebo
diariamente, trouxe a contribuição do leitor Ezra Wegbreit. O assunto da semana
era o uso de radicais, prefixos e sufixos: fissi-, tele-, xero-, dactylo-,
pluto-, -parous, -logy, -philous, -scopy, -mania. Todos frequentes
em português (não darei o sentido de cada uma por falta de espaço).
Wegbreit (que mora em Massachusetts) recombinou essas peças-de-Lego
propondo palavras novas, que mostro agora em tradução
direta.
“Fissiologia: estudo das
fendas e das divisões (em rochas, instituições, ou na sociedade). Xeróparo:
criaturas que dão à luz em lugares secos. Datilomania: o amor (ou
a obsessão) por efeitos de prestidigitação ou truques em geral. Plutologia: o
estudo da riqueza e de como obtê-la. Fissiscópio: instrumento (físico ou
retórico) usado para separar fios de cabelo (=distinguir entre coisas muito
semelhantes entre si). Teleoscópio: um texto que alguém estuda a
fim de determinar o seu propósito pessoal na vida.”
Ele conclui: “Talvez
alguém, lendo este email, veja essas palavras e as use na imprensa, e então elas
se tornarão palavras reais.” Não resisti a essa esperança, e dei
um passo além: essas palavras encaixa-e-aperta, inventadas por Ezra poucos dias
atrás, já estão traduzidas, imagine só, para o Português, essa língua bárbara,
essa colcha-de-retalhos de Legos gregos e latinos. Elas são feitas
de pedaços cujo sentido original já conhecemos de outros termos; adivinhar o que
dizem não é tão difícil assim. Alguma delas pode se tornar uma
palavra de uso corrente? Provavelmente não, mas claro que
sim. Qualquer inventismo que consiga se autopropalar e encontrar
recolho na mnemória de um povo loquânime ganhará o retimbre de tudo que é
personal e colectivo, de tudo que nasce da febricitância partenogenética dos
seres vivos chamados “palavras”.
Bráulio Tavares
(mundo fantasmo)
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