Nem choro nem vela. Mas que tal os restos mortais colocados em cápsulas e jogados em órbita? Ou as cinzas do ente querido se transformarem em um diamante artificial?
O setor de velórios e enterros quer ser encarado como um negócio como qualquer outro e fugir dos velhos preconceitos: o diretor funerário não é mais "papa-defunto", o agente não quer ser chamado de "gato-pingado" e o veículo de cortejo não atende mais como "rabecão".
"Hoje já tiramos o estigma de quem trabalha em funerária é alguém que deseja a morte das pessoas", afirma Lourival Panhozzi, presidente da Abredif (Associação Brasileira de Empresas e Diretores Funerários).
A redenção pelo mercado acontece com a receita típica de propaganda, diversificação e uma feira comercial, como a que aconteceu no último final de semana em Santos (litoral de São Paulo). A exposição atende pelo nome sonoro e ambíguo de Funexpo (em inglês, "fun" é diversão, mas aqui são as letras iniciais de funerária) e já está em sua oitava edição.
Logo de entrada, um dos organizadores brinca com o apelido da feira, a "Bienal da Morte", evento que atrai cerca de 3.000 donos de funerárias para ver os mais 50 expositores. Entre os produtos exibidos, lá estão as óbvias ornamentações: castiçais, lápides em mármore, fotografia em porcelana, flores artificiais e um festival de peças em metal como ampulhetas, cruzes, tochas, palmas e epitáfios.
Há também os aparelhos específicos para os profissionais do ramo, como fornos de cremação e os kits de tanatopraxia (ofício de conservar o cadáver para o velório, que inclui um arsenal de pinças, bombas e fluidos a base de formol).
Mas sobra espaço para as mercadorias inusitadas como linhas completas de necromaquiagem, limusines com bagageiros para esquifes e caixões ecológicos - no Brasil, os primeiros foram lançados esse ano, feitos de papelão, enquanto que na Europa já existem versões em lã e vime.
Entram também na categoria insólitos objetos de decoração como edredom e saia para ataúde. E no meio dos paramentos, os distintivos de futebol estão cada vez mais populares nos velórios.
"Essas cerimônias estão cada vez menos religiosas e funestas. Agora são mais homenagens ao falecido. Há uma personificação, uma identificação. Por isso, o escudo do clube substitui muitas vezes os crucifixos", conta Panhozzi. O Brasil segue a tendência ditada pelos EUA, onde a onda são funerais sob medida do finado, como casos em que um motoqueiro morto teve o caixão puxado por uma Harley Davidson ou o exemplo mais recente do caixão folhado a ouro para o cantor Michael Jackson.
Os nomes das empresas presentes na feira santista também chamam a atenção: Eternia, Funeart ou Tanatus - esta última responsável por produtos de embalsamamento como o tanatogel, tanatopó e tanatofluido.
Em um estande, os clientes devoram canapés tendo atrás uma ciranda de caixões a girar. Noutro, o visitante posa para foto fingindo-se de finado entre os babados de uma urna colocada justamente ali para isso.
Mais à frente, um par de modelos esbanjando saúde compete pelos olhares com o furgão para pompas fúnebres que elas apresentam. Outro duo de beldades propagandeia um plano funerário pelo qual com R$ 25 por mês em dois anos o cliente pode evitar preços pela hora da morte para as despesas sepulcrais.
O setor cresceu 15% nos últimos cinco anos, sustentado pela média de 1 milhão de óbitos anuais no país e pelas inovações (como o velório virtual, com as famílias velando pela internet quando não tem tempo hábil para visitar um parente morto).
Na maioria dos municípios, o serviço funerário é dado em concessão para empresas privadas, que assumem o nicho se comprometendo a fazer gratuitamente até 20% dos enterros, justamente para a população carente. Com isso, há mais de 5.500 empresas funerárias no país, a maioria delas familiar.
"Em um certo momento, os filhos se afastaram, quiseram virar doutor, engenheiro. Mas depois descobriram que esse é um negócio gratificante, de amparar famílias em momentos difíceis. E é um setor em que podem crescer", conta Panhozzi. O exemplo midiático é o seriado de TV norte-americano "A Sete Palmos" ("Six Feet Under"), que mostra uma família disfuncional tocando uma funerária e enfrentando a concorrência de um gigante do ramo - inspirada na multinacional fúnebre SCI (Service Corporation International), que possui filiais em quatro continentes.
Na seção de necromaquiagem da exposição, o objetivo é apagar a face feia da morte. "Nós ensinamos como maquiar o morto. A ideia é ser suave para transmitir serenidade. Não pode carregar no blush e delineador. Se não, vai parecer que vai para uma festa", explica Dinda Lopes, que distribui esses produtos.
O falecido também pode virar uma joia, afinal, uma empresa suíça disponibilizou o serviço de transformar as cinzas em grafite e depois em diamante por meio de um processo de aquecimento até 1.400 graus Celsius. O valor desse serviço custa, no mínimo, R$ 12 mil, o que é o dobro do orçamento de velório e enterro luxuosos.
Nesse quesito ficou famosa a personagem Zulmira, da peça A Falecida", de Nelson Rodrigues, mulher do subúrbio carioca que planeja um funeral pomposo após uma existência banal. "O evento óbito vai ocorrer com todos nós. Não podemos negligenciar essa cerimônia", argumenta Panhozzi.
Para quem quer garantir um lugar no céu, uma empresa norte-americana disponibiliza o lançamento no espaço sideral de uma cápsula com os restos mortais. O preço, claro, é tão astronômico quanto o serviço (R$ 30 mil).
Fonte:Rodrigo Bertolotto
Do UOL Notícias
Em Santos (SP)
O setor de velórios e enterros quer ser encarado como um negócio como qualquer outro e fugir dos velhos preconceitos: o diretor funerário não é mais "papa-defunto", o agente não quer ser chamado de "gato-pingado" e o veículo de cortejo não atende mais como "rabecão".
"Hoje já tiramos o estigma de quem trabalha em funerária é alguém que deseja a morte das pessoas", afirma Lourival Panhozzi, presidente da Abredif (Associação Brasileira de Empresas e Diretores Funerários).
A redenção pelo mercado acontece com a receita típica de propaganda, diversificação e uma feira comercial, como a que aconteceu no último final de semana em Santos (litoral de São Paulo). A exposição atende pelo nome sonoro e ambíguo de Funexpo (em inglês, "fun" é diversão, mas aqui são as letras iniciais de funerária) e já está em sua oitava edição.
Logo de entrada, um dos organizadores brinca com o apelido da feira, a "Bienal da Morte", evento que atrai cerca de 3.000 donos de funerárias para ver os mais 50 expositores. Entre os produtos exibidos, lá estão as óbvias ornamentações: castiçais, lápides em mármore, fotografia em porcelana, flores artificiais e um festival de peças em metal como ampulhetas, cruzes, tochas, palmas e epitáfios.
Há também os aparelhos específicos para os profissionais do ramo, como fornos de cremação e os kits de tanatopraxia (ofício de conservar o cadáver para o velório, que inclui um arsenal de pinças, bombas e fluidos a base de formol).
Mas sobra espaço para as mercadorias inusitadas como linhas completas de necromaquiagem, limusines com bagageiros para esquifes e caixões ecológicos - no Brasil, os primeiros foram lançados esse ano, feitos de papelão, enquanto que na Europa já existem versões em lã e vime.
Entram também na categoria insólitos objetos de decoração como edredom e saia para ataúde. E no meio dos paramentos, os distintivos de futebol estão cada vez mais populares nos velórios.
"Essas cerimônias estão cada vez menos religiosas e funestas. Agora são mais homenagens ao falecido. Há uma personificação, uma identificação. Por isso, o escudo do clube substitui muitas vezes os crucifixos", conta Panhozzi. O Brasil segue a tendência ditada pelos EUA, onde a onda são funerais sob medida do finado, como casos em que um motoqueiro morto teve o caixão puxado por uma Harley Davidson ou o exemplo mais recente do caixão folhado a ouro para o cantor Michael Jackson.
Os nomes das empresas presentes na feira santista também chamam a atenção: Eternia, Funeart ou Tanatus - esta última responsável por produtos de embalsamamento como o tanatogel, tanatopó e tanatofluido.
Em um estande, os clientes devoram canapés tendo atrás uma ciranda de caixões a girar. Noutro, o visitante posa para foto fingindo-se de finado entre os babados de uma urna colocada justamente ali para isso.
Mais à frente, um par de modelos esbanjando saúde compete pelos olhares com o furgão para pompas fúnebres que elas apresentam. Outro duo de beldades propagandeia um plano funerário pelo qual com R$ 25 por mês em dois anos o cliente pode evitar preços pela hora da morte para as despesas sepulcrais.
O setor cresceu 15% nos últimos cinco anos, sustentado pela média de 1 milhão de óbitos anuais no país e pelas inovações (como o velório virtual, com as famílias velando pela internet quando não tem tempo hábil para visitar um parente morto).
Na maioria dos municípios, o serviço funerário é dado em concessão para empresas privadas, que assumem o nicho se comprometendo a fazer gratuitamente até 20% dos enterros, justamente para a população carente. Com isso, há mais de 5.500 empresas funerárias no país, a maioria delas familiar.
"Em um certo momento, os filhos se afastaram, quiseram virar doutor, engenheiro. Mas depois descobriram que esse é um negócio gratificante, de amparar famílias em momentos difíceis. E é um setor em que podem crescer", conta Panhozzi. O exemplo midiático é o seriado de TV norte-americano "A Sete Palmos" ("Six Feet Under"), que mostra uma família disfuncional tocando uma funerária e enfrentando a concorrência de um gigante do ramo - inspirada na multinacional fúnebre SCI (Service Corporation International), que possui filiais em quatro continentes.
Na seção de necromaquiagem da exposição, o objetivo é apagar a face feia da morte. "Nós ensinamos como maquiar o morto. A ideia é ser suave para transmitir serenidade. Não pode carregar no blush e delineador. Se não, vai parecer que vai para uma festa", explica Dinda Lopes, que distribui esses produtos.
O falecido também pode virar uma joia, afinal, uma empresa suíça disponibilizou o serviço de transformar as cinzas em grafite e depois em diamante por meio de um processo de aquecimento até 1.400 graus Celsius. O valor desse serviço custa, no mínimo, R$ 12 mil, o que é o dobro do orçamento de velório e enterro luxuosos.
Nesse quesito ficou famosa a personagem Zulmira, da peça A Falecida", de Nelson Rodrigues, mulher do subúrbio carioca que planeja um funeral pomposo após uma existência banal. "O evento óbito vai ocorrer com todos nós. Não podemos negligenciar essa cerimônia", argumenta Panhozzi.
Para quem quer garantir um lugar no céu, uma empresa norte-americana disponibiliza o lançamento no espaço sideral de uma cápsula com os restos mortais. O preço, claro, é tão astronômico quanto o serviço (R$ 30 mil).
Fonte:Rodrigo Bertolotto
Do UOL Notícias
Em Santos (SP)
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