Nossa situação é como a ópera “Pagliacci”, uma tragicomédia, burlesca e triste ao mesmo tempo
Depois da provável cassação da Dilma pelo Senado, ainda falta um ato
para que se possa dizer que la commedia è finita: a absolvição do
Eduardo Cunha. Nossa situação é como a ópera “Pagliacci”, uma
tragicomédia, burlesca e triste ao mesmo tempo. E acaba mal. Há dias li
numa página interna de um grande jornal de São Paulo que o Temer está
recorrendo às mesmas ginásticas fiscais que podem condenar a Dilma.
O fato mereceria um destaque maior, nem que fosse só pela ironia, mas
não mereceu nem uma chamada na primeira página do próprio jornal e não
foi mais mencionado em lugar algum. A gente admira o justiceiro Sérgio
Moro, mas acha perigoso alguém ter tanto poder assim, ainda mais depois
da sua espantosa declaração de que provas ilícitas são admissíveis se
colhidas de boa-fé, inaugurando uma novidade na nossa jurisprudência, a
boa-fé presumida.
Mas é brabo ter que ouvir denúncias contra o risco de prepotência dos
investigadores da Lava-Jato da boca do ministro do Supremo Gilmar
Mendes, o mesmo que ameaçou chamar o então presidente Lula “às falas”
por um grampo no seu escritório que nunca existiu, e ficou quase um ano
com um importante processo na sua gaveta sem dar satisfação a ninguém.
As óperas também costumam ter figuras sombrias que se esgueiram (grande
palavra) em cena.
O Eduardo Cunha pode ganhar mais tempo antes de ser julgado, tempo para
o corporativismo aflorar, e os parlamentares se darem conta do que
estão fazendo, punindo o homem que, afinal, é o herói do impeachment.
Foi dele que partiu o processo que está chegando ao seu fim previsível
agora. Pela lógica destes dias, depois da cassação da Dilma, o passo
seguinte óbvio seria condecorarem o Eduardo Cunha. Manifestantes: às
ruas para pedir justiça para Eduardo Cunha!
Contam que um pai levou um filho para ver uma ópera. O garoto não
estava entendendo nada, se chateou e perguntou ao pai quando a ópera
acabaria. E ouviu do pai uma lição que lhe serviria por toda a vida: —
Só termina quando a gorda cantar. Nas óperas sempre há uma cantora gorda
que só canta uma ária. Enquanto ela não cantar, a ópera não termina.
Não há nenhuma cantora gorda no nosso futuro, leitor. Enquanto ela não
chegar, evite olhar-se no espelho e descobrir que, nesta ópera, o
palhaço somos nós.
Luís Fernando Veríssimo
Nenhum comentário:
Postar um comentário