Você já deve ter ouvido alguém dizer algo como “essas
engenhocas ultramodernas destroem nosso cérebro e arruínam o
desenvolvimento das crianças”. A preocupação é compreensível, e não
apenas porque todas as gerações anteriores tendem a desaprovar os
comportamentos das seguintes. Sob vários aspectos os aparelhos digitais
estão (pelo menos aparentemente) minando nossa juventude, da mesma forma
como o rock “prejudicou” os jovens da década de 60, a televisão
“comprometeu” a formação de nossos avós e os carros colocaram em risco
nossos bisavós. Segundo essa lógica, estamos sendo arruinados há
gerações. Mas o que a ciência diz sobre os efeitos nocivos da mais
recente tecnologia?
Parte da resposta depende
de sua definição de “arruinar”. É verdade que as coisas são diferentes
agora. Muitas crianças moradoras das grandes cidades não “saem para
brincar”, pelo menos não desacompanhadas. Mas também não precisam mais
decorar nomes de presidentes e a tabela periódica, pois estão a apenas
uma tecla de distância do Google. Estamos perdendo velhas destrezas, é
verdade. Poucos sabem agora como usar um papel-carbono ou cuidar de
cavalos; escrever à mão e dirigir podem ser as próximas habilidades a
desaparecer.
Porém, diferente não é sinônimo de
pior. E, por mais que psicólogos, educadores e pais se preocupem, ainda
é surpreendentemente difícil encontrar estudos ligando aparelhos
modernos à ruína da juventude. A pesquisa leva tempo e a era das telas
sensíveis é muito recente. O iPad, por exemplo, surgiu em 2010.
Mas
as pesquisas já começaram – e lançam alguma luz sobre como esses
repentinamente onipresentes dispositivos podem afetar as crianças. Em
2009, um estudo na Universidade Stanford relacionou hábitos de
adolescentes modernos de executar multitarefas no computador (que
parecem ter se estendido a telefones e tablets) à perda da capacidade de
concentração – um resultado um pouco preocupante.
Um estudo publicado na edição de fevereiro de Pediatrics
revelou que crianças que têm aparelhos de tela pequena em seus quartos
dormem em média 21 minutos a menos que as que não têm. Quanto à razão,
os cientistas supõem que as crianças ficam acordadas até tarde para usar
seus dispositivos ou, talvez, que a luz das telas produza atrasos no
ritmo circadiano.
E quanto às habilidades
sociais? No ano passado, em um estudo da Universidade da Califórnia em
Los Angeles, foram acompanhados dois grupos de alunos do sexto ano (com
idade média de 11 a 12 anos), O primeiro, formado por 51 jovens, passou
cinco dias em um acampamento na natureza sem eletrônicos; o segundo
grupo, de controle, com 54 participantes, não acampou. Depois disso,
foram realizados testes e foi constatado que aqueles que haviam passado a
temporada no campo se saíam significativamente melhor na leitura de
emoções humanas em fotografias.
E o que há de
concreto sobre câncer cerebral e celulares? Bem, em primeiro lugar, não é
preciso um estudo para dizer que raramente os jovens estão com o
telefone na orelha; eles mais digitam mensagens do que fazem ligações.
De qualquer forma, os estudos não comprovaram nenhuma relação entre o
uso de celular e câncer. Pelo menos não ainda.
É
hora de começar a reclamar? Não necessariamente; nem todos os estudos
chegaram a conclusões alarmantes. Em 2012 o grupo sem fins lucrativos de
estudos sobre mídias e tecnologia Common Sense Media descobriu que mais
da metade dos adolescentes dos Estados Unidos acreditam que as mídias
sociais – agora acessíveis em qualquer lugar graças às telas sensíveis
ao toque – ajudaram em suas amizades (apenas 4% acham que prejudicaram).
Em 2014 pesquisadores do National Literacy Trust, do Reino Unido,
descobriram que crianças pobres com aparelhos de tela sensível ao toque
têm o dobro de probabilidade de ler todos os dias. Um estudo publicado
na Computers in Human Behavior revelou que enviar mensagens é benéfico para o bem-estar emocional dos adolescentes – especialmente os introvertidos.
Precisamos
claramente de estudos mais amplos e de mais longo prazo antes de
começar uma nova rodada de reclamações. E eles estão a caminho; por
exemplo, os resultados de uma grande pesquisa britânica com 2.500
crianças chamada Estudo de Cognição, Adolescentes e Telefones Móveis
(Scamp, na sigla em inglês), do Reino Unido, com 2.500 crianças, sairão
em 2017.
Enquanto isso, os sinais de alerta das
pesquisas iniciais não são altos o suficiente para tirarmos aparelhos
de nossas crianças e mudarmos para território amish. Por outro lado, o
bom senso sugere que não é o caso de deixar a tecnologia ocupar todo o
tempo dos jovens. Os achados até agora são suficientes para sugerir a
prática de uma muito sábia e antiga precaução: a moderação. O excesso de
qualquer coisa é ruim para as crianças, sejam eletrônicos modernos,
televisão ou esporte.
David Pogue
Esta matéria foi publicada originalmente na edição de julho de Mente e Cérebro, disponível na Loja Segmento: http://bit.ly/29SXuYj
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