Há algumas semanas, numa conversa,
toquei naquele malfadado Argentina 6 x 0 Peru da Copa de 1978. Depois
daquilo, seguiu-se uma pequena discussão e acabei pedindo para um amigo
trazer de Buenos Aires o livro Fuimos Campeones, do jornalista
Ricardo Gotta. Olha, tomei um susto. A reportagem tem 300 páginas de uma
pesquisa imensa e muito séria. Quando a gente dá uma olhada no volume,
ele mais parece uma tese de doutorado, tamanhas são as referências
comprobatórias de tudo o que diz e, bem, houve suborno sim. Nem todos
foram pagos, apenas alguns como o zagueiro Manzo e o presidente milico
do Peru, dentre outros.
Começo por um resumo de um dos capítulos
finais do livro. Depois de um trecho especialmente cruel para com a
Argentina, Gotta resolve, sob um formato bem cronístico e platino, botar
merda no ventilador. Achei divertidíssimo. O resumo é meu, as
informações, de Gotta.
Na Copa da Itália de 1934, o árbitro
belga Louis Baert no primeiro jogo e o suíço Rene Merced na revanche,
roubaram descaradamente a Espanha em favor da Itália. Não temos filmes
para comprovar, mas foi em 1934 que a coisa começou “em nível de
Copa”… Na Copa de 2006, o espanhol Luis Medina Cantalejo deu um pênalti
que nunca foi visto. Aconteceu aos 94 minutos de Itália x Austrália e
salvou os primeiros, que acabaram campeões. Cantalejo foi sumido… Houve
um Brasil x Bélgica nas oitavas-de-final de 2002 e mais tantos “erros”
em Copas a favor do Brasil quem nem é bom começar.
Mas esqueçamos os juízes. Se em 1978, a
FIFA marcou jogos de equipes envolvidas na mesma decisão da mesma vaga
em horários diferentes, ela repetiu o disparate da Copa de 1982. O
resultado foi Alemanha 1 x 0 Áustria. No dia anterior, a Argélia suara
sangue para vencer o Chile por 3 x 2 sem imaginar que o resultado de
Alemanha 1 x 0 Áustria classificaria ambos, deixando-a fora. Os
argelinos viram Hrubesch marcar o gol aos 10 do primeiro tempo e depois
assistiram 80 minutos de um jogo em que nenhum dos times chegaram à área
alheia. No minutos finais, os técnicos Jupp Derwall e Georg Schmidt
sorriam UM PARA O OUTRO. Os argelinos, indignados, foram à FIFA pedir a
eliminação de ambas as seleções. Que piada! O “jogo” é conhecido como o
Pacto Del Molinón e diversos jogadores, como o alemão Briegel,
confirmaram o acerto.
É famoso na Europa o caso do goleiro
camaronês Thomas N`Kono que resvalou da forma mais impossível,
permitindo ao italiano Graziani marcar o gol que fez com que a Itália –
novamente campeã daquela Copa – passasse da primeira fase… Tudo foi pago
por um enorme carregamento de material esportivo que seguiu para o país
africano. Quem ficou fora? Ora, o Peru de Oblitas, Cubillas e Quiroga…
Em 2001, na fase classificatória para o
Mundial da França, o Uruguai precisava de um empate para chegar à
repescagem. Bem no começo do jogo, Darío Silva fez 1 x 0 para o Uruguai e
Claudio López empatou minutos depois. E então ninguém mais chutou a
gol. Gotta diz que houve um acordo em pleno campo entre um jogador da
Argentina e um amigo seu, uruguaio. Tudo em casa.
Há vários River Plate x Argentinos
Juniors suspeitos. O maior ocorreu em 1997 na última rodada da Apertura.
O River precisava de um empate para ganhar o campeonato. A torcida do
Boca viu o Argentinos passear em campo, sem dar combate. Resultado: 1 x
1. Isto foi uma vingança, pois, em 1991, o Boca tirou o River da
Libertadores, empatando com o Oriente Petrolero da Bolívia na Bombonera.
Se ganhasse, classificaria o River. A hinchada gritava no
lendário estádio: “Hay que empatar / hay que empatar / porque si no van a
cobrar”. Paradoxalmente, o então presidente do Boca declarou: “Foi o
fato desportivo mais triste de minha vida”. Isso anos depois, claro.
1974. Final da primeira fase da Copa da
Alemanha. A Argentina precisava imperiosamente vencer de goleada o
Haiti, mas a Polônia, já classificada em primeiro lugar, tinha que
ganhar da Itália. Para que, se já era a campeã do grupo? Um empresário
argentino com negócios na Polônia foi escalado para abordar alguém da
delegação polonesa. O escolhido foi Gadocha, outro bom negociante. O
argentino perguntou a Gadocha se “Polonia iba salir a ganar”. Ouviu o a
seguinte resposta: “Isso dependerá dos argentinos”. Como a AFA não tinha
cash, cada jogador argentino deu US$ 1000,00, uma fortuna para
jogadores que atuavam atrás do Muro. Sim, fizeram uma vaquinha. Os
polacos foram com tudo e ganharam da Itália, enquanto a Argentina fazia 4
x 1 no Haiti. Tudo certo. No dia seguinte, Gadocha avisou a seus
companheiros que a grana viria no dia em que a Copa finalizasse para
eles, antes da viagem de volta, para não dar na vista. Após vencer o
Brasil por 1 x 0 e de conquistar o terceiro lugar, Gadocha simplesmente
desapareceu. Com o dinheiro.
Em 1984, a Argentina mostrou como se
domina um adversário, no caso o Paquistão. Era a Copa Merdeka, em Kuala
Lumpur. A tarefa era complicada. Todos sabiam que o placar seria uns 18 x
0, talvez 32 x 0, mas um apostador de Hong Kong desejava que fosse
Argentina 2 x 1 Paquistão. Toda a delegação argentina recebeu US$ 500,00
por cabeça para fazer o serviço. Deu 2 x 1, para pasmo e indignação da
nação argentina. Todos os membros da delegação receberam penas que
variaram entre um e três anos.
Então, a conversa com Manzo em 1998,
vinte anos após o suborno de 1978, ele bêbado e chorando, num bar da
pequena San Luis de Cañete, sua cidade natal, não deve surpreender tanto
assim:
– Acá mismo, em mi pueblo, cuando se habla de fútbol, me dicen “eres tu que te vendiste”.
Ele confessou. Deu muito na vista. Imaginem que foi contratado no segundo semestre de 1978 pelo Vélez como forma de pagamento!
– La mucha plata que gané em el fútbol la perdi por mujeriego…
Não parece. Tanto que, depois de ter confessado o suborno, exilou-se na Itália, onde vive aparentemente muito bem.
Mais diversão? Vejam abaixo duas
participações do zagueiro direito Rodulfo Manzo nos dois primeiros gols
da Argentina. No primeiro, ele é o último jogador que Kempes dribla,
antes de desviar de Quiroga (o qual não participou do esquema de
suborno) e, no segundo, é ele quem salta na frente de Tarantini, que
marca de cabeça, com os dois pés no chão, meio agachado…
Então, aos 5 segundos deste filme, Manzo é “driblado” por Kempes. É aquele que fica caído.
E aos 15 segundos, “salta” com Tarantini…
Do blog do Milton Ribeiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário