segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Alguns subornos e sacanagens do futebol narrados em Fuimos Campeones, de Ricardo Gotta


Há algumas semanas, numa conversa, toquei naquele malfadado Argentina 6 x 0 Peru da Copa de 1978. Depois daquilo, seguiu-se uma pequena discussão e acabei pedindo para um amigo trazer de Buenos Aires o livro Fuimos Campeones, do jornalista Ricardo Gotta. Olha, tomei um susto. A reportagem tem 300 páginas de uma pesquisa imensa e muito séria. Quando a gente dá uma olhada no volume, ele mais parece uma tese de doutorado, tamanhas são as referências comprobatórias de tudo o que diz e, bem, houve suborno sim. Nem todos foram pagos, apenas alguns como o zagueiro Manzo e o presidente milico do Peru, dentre outros.

Começo por um resumo de um dos capítulos finais do livro. Depois de um trecho especialmente cruel para com a Argentina, Gotta resolve, sob um formato bem cronístico e platino, botar merda no ventilador. Achei divertidíssimo. O resumo é meu, as informações, de Gotta.

Na Copa da Itália de 1934, o árbitro belga Louis Baert no primeiro jogo e o suíço Rene Merced na revanche, roubaram descaradamente a Espanha em favor da Itália. Não temos filmes para comprovar, mas foi em 1934 que a coisa começou “em nível de Copa”… Na Copa de 2006, o espanhol Luis Medina Cantalejo deu um pênalti que nunca foi visto. Aconteceu aos 94 minutos de Itália x Austrália e salvou os primeiros, que acabaram campeões. Cantalejo foi sumido… Houve um Brasil x Bélgica nas oitavas-de-final de 2002 e mais tantos “erros” em Copas a favor do Brasil quem nem é bom começar.

Mas esqueçamos os juízes. Se em 1978, a FIFA marcou jogos de equipes envolvidas na mesma decisão da mesma vaga em horários diferentes, ela repetiu o disparate da Copa de 1982. O resultado foi Alemanha 1 x 0 Áustria. No dia anterior, a Argélia suara sangue para vencer o Chile por 3 x 2 sem imaginar que o resultado de Alemanha 1 x 0 Áustria classificaria ambos, deixando-a fora. Os argelinos viram Hrubesch marcar o gol aos 10 do primeiro tempo e depois assistiram 80 minutos de um jogo em que nenhum dos times chegaram à área alheia. No minutos finais, os técnicos Jupp Derwall e Georg Schmidt sorriam UM PARA O OUTRO. Os argelinos, indignados, foram à FIFA pedir a eliminação de ambas as seleções. Que piada! O “jogo” é conhecido como o Pacto Del Molinón e diversos jogadores, como o alemão Briegel, confirmaram o acerto.

É famoso na Europa o caso do goleiro camaronês Thomas N`Kono que resvalou da forma mais impossível, permitindo ao italiano Graziani marcar o gol que fez com que a Itália – novamente campeã daquela Copa – passasse da primeira fase… Tudo foi pago por um enorme carregamento de material esportivo que seguiu para o país africano. Quem ficou fora? Ora, o Peru de Oblitas, Cubillas e Quiroga…

Em 2001, na fase classificatória para o Mundial da França, o Uruguai precisava de um empate para chegar à repescagem. Bem no começo do jogo, Darío Silva fez 1 x 0 para o Uruguai e Claudio López empatou minutos depois. E então ninguém mais chutou a gol. Gotta diz que houve um acordo em pleno campo entre um jogador da Argentina e um amigo seu, uruguaio. Tudo em casa.

Há vários River Plate x Argentinos Juniors suspeitos. O maior ocorreu em 1997 na última rodada da Apertura. O River precisava de um empate para ganhar o campeonato. A torcida do Boca viu o Argentinos passear em campo, sem dar combate. Resultado: 1 x 1. Isto foi uma vingança, pois, em 1991, o Boca tirou o River da Libertadores, empatando com o Oriente Petrolero da Bolívia na Bombonera. Se ganhasse, classificaria o River. A hinchada gritava no lendário estádio: “Hay que empatar / hay que empatar / porque si no van a cobrar”. Paradoxalmente, o então presidente do Boca declarou: “Foi o fato desportivo mais triste de minha vida”. Isso anos depois, claro.

1974. Final da primeira fase da Copa da Alemanha. A Argentina precisava imperiosamente vencer de goleada o Haiti, mas a Polônia, já classificada em primeiro lugar, tinha que ganhar da Itália. Para que, se já era a campeã do grupo? Um empresário argentino com negócios na Polônia foi escalado para abordar alguém da delegação polonesa. O escolhido foi Gadocha, outro bom negociante. O argentino perguntou a Gadocha se “Polonia iba salir a ganar”. Ouviu o a seguinte resposta: “Isso dependerá dos argentinos”. Como a AFA não tinha cash, cada jogador argentino deu US$ 1000,00, uma fortuna para jogadores que atuavam atrás do Muro. Sim, fizeram uma vaquinha. Os polacos foram com tudo e ganharam da Itália, enquanto a Argentina fazia 4 x 1 no Haiti. Tudo certo. No dia seguinte, Gadocha avisou a seus companheiros que a grana viria no dia em que a Copa finalizasse para eles, antes da viagem de volta, para não dar na vista. Após vencer o Brasil por 1 x 0 e de conquistar o terceiro lugar, Gadocha simplesmente desapareceu. Com o dinheiro.

Em 1984, a Argentina mostrou como se domina um adversário, no caso o Paquistão. Era a Copa Merdeka, em Kuala Lumpur. A tarefa era complicada. Todos sabiam que o placar seria uns 18 x 0, talvez 32 x 0, mas um apostador de Hong Kong desejava que fosse Argentina 2 x 1 Paquistão. Toda a delegação argentina recebeu US$ 500,00 por cabeça para fazer o serviço. Deu 2 x 1, para pasmo e indignação da nação argentina. Todos os membros da delegação receberam penas que variaram entre um e três anos.

Então, a conversa com Manzo em 1998, vinte anos após o suborno de 1978, ele bêbado e chorando, num bar da pequena San Luis de Cañete, sua cidade natal, não deve surpreender tanto assim:

– Acá mismo, em mi pueblo, cuando se habla de fútbol, me dicen “eres tu que te vendiste”.

Ele confessou. Deu muito na vista. Imaginem que foi contratado no segundo semestre de 1978 pelo Vélez como forma de pagamento!

– La mucha plata que gané em el fútbol la perdi por mujeriego…

Não parece. Tanto que, depois de ter confessado o suborno, exilou-se na Itália, onde vive aparentemente muito bem.

Mais diversão? Vejam abaixo duas participações do zagueiro direito Rodulfo Manzo nos dois primeiros gols da Argentina. No primeiro, ele é o último jogador que Kempes dribla, antes de desviar de Quiroga (o qual não participou do esquema de suborno) e, no segundo, é ele quem salta na frente de Tarantini, que marca de cabeça, com os dois pés no chão, meio agachado…

Então, aos 5 segundos deste filme, Manzo é “driblado” por Kempes. É aquele que fica caído.

E aos 15 segundos, “salta” com Tarantini…

Do blog do Milton Ribeiro

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