Já vi grandes linchamentos na internet e
vejo vários pequenos sendo ensaiados aqui e ali. Dentro da rede, creio
que a melhor estratégia de defesa seja a de não se defender. Em caso de
ataque, talvez o melhor seja que o agredido não somente fiquei quieto,
mas que impeça seus amigos de defendê-lo. O correto é o silêncio. Quando
isso não acontece, a briga só aumenta e o nível torna-se rasante com o
aparecimento de um verdadeiro enxame de vigilantes da moralidade
pública, de guardiões de todas as virtudes e do politicamente correto.
Os linchadores de internet são um
fenômeno mais ou menos recente, nascido nos blogs e disseminado nas
redes sociais. O linchador tem normalmente por alvo uma pessoa que
desconhece pessoalmente. Ele mal conhece uma expressão do agredido,
normalmente plana, sem contexto. Há uma recusa pela complexidade e pela
faceta.
Imagino que o linchador fique entre uma
ocupação e outra. No intervalo, compraz-se com sua atuação na rede e com
a de seus pares, enquanto o linchado sofre 24h, se lê os absurdos
escritos. As ofensas vêm de um “mundo virtual”, mas ecoam e têm reflexos
no real. O linchador de internet não pega em paus ou pedras, mas pode
levar uma pessoa frágil ao fundo do poço, causando danos e ele e a seus
próximos. Danos não apenas morais, mas profissionais.
O assustador é que o linchador tem a
capacidade de disseminar mentiras (ou meias verdades) de forma
absolutamente sem freios. Ele pega uma história já interpretada — isto é
, distorcida –, sem desejar avaliar sobre que se os fatos são
confiáveis ou verdadeiros. Apesar de saber um tiquinho, não pestaneja e
busca na internet o efeito altamente prazeroso de entrar numa discussão
sem ver caras irritadas nem gritos. Dissemina ódio sem ética e respeito à
intimidade alheia.
A leitura dos linchadores é algo pra
espantar. Ali temos a clara noção de que a pessoa média e politicamente
correta carrega toneladas de ódio contra as coisas mais incríveis,
incluindo até o Monty Python!
Nesta semana, vi dois ensaios de
linchamento. No primeiro, um perfeito idiota reclamou que o autor de um
texto poético escrevera que as mulheres “ficam mais bonitas quando se
entregam a [leitura de] uma história”. Ponto. A acusação era de que o
primeiro elogio a se fazer a uma mulher que lê jamais seria o de que ela
fica mais bonita. (Deveríamos dizer, ah, ela está se ilustrando ou se
informando…?) Olha, se eu vejo uma desconhecida lendo, acho-a mais
bonita do que em várias outras circunstâncias. Mais: acho que um
escritor — como o meu este amigo — fica mais interessado em conhecer uma
mulher leitora do que numa que não ame os livros. Meu amigo escritor
ficou quieto, apenas curtiu os comentários dos malucos, como se os
levasse em conta. A coisa cessou rapidamente.
(Fiquei pensando em alguns poemas clássicos que teriam de ser revisados…)
O segundo foi bem mais agressivo. Outro
amigo escreveu que Taylor Swift era “uma cantora de bosta”. Então ele
foi acusado de uma inverdade: de ter chamado a tal Taylor de bosta. Ora,
ele escreveu que ela era uma cantora de bosta, ou seja, que não cantava
porra nenhuma. Sei que ele diria o mesmo de um cantor que detestasse. O
que ele fazia era um juízo de valor sobre a arte desta Taylor que
desconheço.
Os agressores eram feministas que não
merecem tal denominação, a meu ver muito maior que tais baixarias. A
discussão chegou ao ponto descontrolado do meu amigo ter que ler que
“tratar homens e mulheres com igualdade é machismo”, ponto onde eu devo
acabar este já longo texto. Em casos de linchamento, não há espaço para
discordâncias cordiais ou reflexão ou para “complexidades mesmo as mais
simples”.
Há outros casos, outros temas. No
passado, vi um linchamento absurdo de uma judia que se declarou não
sionista. Descobri casualmente e tive dificuldade de saber quem era a
vítima, sempre chamada de vaca, puta ou mulherzinha de merda. E o maior
de todos, o daquele professor que sofreu com uma matilha de parvos
moralistas porque um blog decadente — como todos — achava que precisava
de page views.
É uma vontade de achar problema, de
criar polêmica, que torna tudo irrespondível. Será que isso serve para o
linchador virtual mascarar uma inação efetiva? Pois, em seu íntimo, ele
deve ter certeza que está limpando o mundo de suas porcarias e fazendo
sua parte na construção de um mundo melhor.
Do Blog do Milton Ribeiro
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