“[...]
Em cada um dos seres humanos o espírito adquiriu forma, em cada um
deles a criatura padece, em cada qual é crucificado um Redentor.
“Poucos são os que sabem hoje o que seja um homem. Muitos o sentem e,
por senti-lo, morrem mais aliviados, como eu próprio, se conseguir
terminar este relato.
“Não creio ser um homem que saiba. Tenho sido sempre um homem que
busca, mas já agora não busco mais nas estrelas e nos livros: começo a
ouvir os ensinamentos que meu sangue murmura em mim. Não é agradável a
minha história, não é suave e harmoniosa como as histórias inventadas;
sabe a insensatez e a confusão, a loucura e o sonho, como a vida de
todos os homens que já não querem mais mentir a si mesmos.
“A vida de todo ser humano é um caminho em direção a si mesmo, a
tentativa de um caminho, o seguir de um simples rastro. Homem algum
chegou a ser completamente ele mesmo; mas todos aspiram a sê-lo,
obscuramente alguns, outros mais claramente, cada qual como pode. Todos
levam consigo, até o fim, viscosidades e cascas de ovo de um mundo
primitivo. Há os que não chegam jamais a ser homens, e continuam sendo
rãs, lagartos ou formigas. Outros que são metade homens e metade peixes.
Mas, cada um deles é um impulso da Natureza em direção ao ser. Todos
temos origens comuns: as mães; todos proviemos do mesmo abismo, mas cada
um — resultado de uma tentativa ou de um impulso desde o fundo — tende a
seu próprio fim. Assim é que podemos entender-nos uns aos outros, m
as somente a si mesmo pode cada um se interpretar.”
(HESSE, Hermann. Prólogo. In: _____. Demian; tradução de Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Record, 46ª ed., 2015, pp. 10-11.)
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