A maioria dos aposentados ainda recebe menos do que o necessário para atender todas as suas necessidades
Na mesma semana do plebiscito que tirou o Reino Unido da União
Europeia, conhecido como Brexit, uma pesquisa feita pelo professor Júlio
Jacobo Waiselfisz, coordenador do Programa de Estudos sobre Violência
da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), mostrou que
no Brasil são assassinadas 29 crianças por dia, mais de dez mil por ano.
Estes dois fatos representam o desprezo pelo futuro.
O Brexit é uma preferência pelo passado; a morte de crianças é nossa
Braxit, um assassinato de portadores do nosso futuro. Há décadas, o
Brasil faz sua Braxit, sem plebiscito, discretamente, por decisões ou
missões silenciosas de seus políticos. Raras decisões de um povo geraram
tantos debates quanto o chamado Brexit.
Talvez sejam necessárias décadas para termos pleno conhecimento das
consequências desta decisão: ética, o fechamento daquele país aos
imigrantes que buscam abrigo contra a pobreza e as guerras em seus
países; econômica, perda de investimento e vantagens comerciais;
política, isolamento de uma população de 65 milhões de habitantes diante
de uma comunidade de 510 milhões; cultural, pela perda da oxigenação
promovida pela convivência entre povos; histórica, isolamento em um
tempo de inevitável marcha a integração e globalização.
Mas já é possível dizer que foi uma opção da maioria dos britânicos
pelo passado. O perfil etário dos eleitores demonstra: 63% com mais de
60 anos votaram pela saída; 73% com menos de 30 anos votaram pela
permanência. O futuro queria permanecer; o passado, sair. A surpresa do
voto dos britânicos não surpreende o Brasil.
Há décadas, opta- mos por sair do futuro, preferindo ficar presos ao
passado. Nossos investimentos, nossas estruturas não têm preferência
pelo futuro, são usados sobretudo para pagar erros e dívidas do passado.
Gastamos R$ 500 bilhões por ano com a Previdência e R$ 300 bilhões com a
Educação.
A maioria dos aposentados ainda recebe menos do que o necessário para
atender todas as suas necessidades, mesmo assim, considerando o valor
per capita, o passado recebe quase duas vezes mais do que recebe o
futuro. Em 2013, o setor público brasileiro fez um sacrifício fiscal de
R$ 2 bilhões somente para promover a venda de automóveis; e de R$ 1,6
bilhões com incentivos fiscais para inovação tecnológica nas empresas.
Em 2015, pagamos R$ 502 bilhões de juros por dívidas financeiras
contraídas no passado e investimos apenas R$ 68,5 bilhões na construção
de infraestrutura econômica no âmbito do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC). Gastamos mais com o passado do que com o futuro.
No dia seguinte ao Brexit, os eleitores do Reino Unido iniciaram o
movimento por um Brain, uma reunificação com a União Europeia, mas o
Brasil continua sem ao menos perceber nossa clara op- ção por fugir do
futuro, nem se propondo a incorporar-se ao futuro: nosso Brain.
Para tanto, são necessárias diversas reformas, mas sobretudo cuidar da
educa- ção das crianças. Nosso Brain quer dizer cuidar do cérebro de
cada criança.
Cristovam Buarque
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