Vinte linhas, ou até menos - cinco, duas linhas, é quanto tenho podido acrescentar cada noite à história que comecei a escrever já faz tanto tempo e que me prometi contar até o fim. Quando os dedos emperram sobre o teclado, penso comigo mesmo, olhando com desalento o papel branco e morto, que duro é esse ofício de escrever quando dele não se quer fazer um ato gratuito.
as palavras, há tanto tempo sem uso, tenho de descobri-las, ir buscá-las nas memórias enevoadas, mas já não é mais como antes, quando elas acorriam ao primeiro chamado, apresentadas, e saltavam da cabeça como pássaros de uma gaiola aberta. Eram tantas, sentiam-se asfixiar, queriam a liberdade - e se libertavam. Muitas foram as que se livraram assim e livre viveram por algum tempo. Mas foram muitas também as que, lá fora sob o céu azul, não disseram nada, porque nada tinham a dizer.
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Agora tenho que despertá-las, lá no fundo, como quem acutila um bicho acuado que não quer deixar a jaula. E depois de desentocá-las, é preciso ainda poli-las (ou tirar o verniz que as falseia) e exigir delas, em nome desse pudor que é a ferrugem de quem envelhece, que digam com exatidão o que quero dizer - nem mais, nem menos: como uma conta certa.
Assim policiado, o oficio de escrever se transforma num tormento, é como o exercício de um aprendiz. Melhor: como a ginástica solitária e cheia de dores de um enfermo que se engana a si mesmo na tentativa de recuperar os movimentos do copro entrevado, entregando-se submisso ao sofrimento, sem queixa sem protesto.
Joel Silveira
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