O consumidor de hoje se preocupa mais em saber se a prestação vai caber na sua renda mensal do que calcular o custo final da compra, acrescido dos juros que vêm embutidos
Entre os sinais da crise econômica — queda do consumo em geral, desemprego, aumento de preços —, o que mais me surpreendeu foi o revelado por uma pesquisa recente de que mais de 55 milhões de brasileiros estão inadimplentes. Ou seja, a cada dez entre nós, quatro estão com suas contas atrasadas.
De acordo com os indicadores do Serviço de Proteção ao Crédito e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas, são quase 40% da população entre 18 e 95 anos. E só no mês passado 600 mil compradores foram incluídos em cadastros dos “devedores negativados”. Esses resultados mostram que a inadimplência, que estava em queda desde o segundo semestre de 2014, subiu vertiginosamente nesses primeiros meses de 2015.
Isso significa que somos caloteiros? Será que pertencemos à famosa categoria do “devo e não nego, pago quando puder?” Não foi o que aprendi em casa, de uma família pobre, mas para a qual um dos princípios éticos sagrados era pagar à vista os remédios na farmácia e saldar religiosamente as dívidas semanais da caderneta do armazém. Prestação, nem pensar.
Mudaram os tempos. Pelo que li, uma das explicações dos especialistas para o fenômeno de agora é cultural. Mesmo depois de um razoável período de equilíbrio monetário após 20 anos de inflação, o brasileiro ainda não consegue planejar sua vida financeira, pensar a médio e longo prazo, isto é, projetar receitas e despesas para o que virá a seguir.
Ao contrair uma dívida para ser paga em 12 meses, por exemplo, o consumidor de hoje se preocupa mais em saber se a prestação vai caber na sua renda mensal do que calcular o custo final da compra, acrescido dos juros que vêm embutidos. Além disso, a propaganda do “compre hoje e pague depois” cria a ilusão de que é um grande negócio esse de receber o produto antes de pagar a “perder de vista”.
Outro dia, um conhecido de baixa renda aqui da rua me perguntou o que era um consumidor com o nome negativado. Ele já tinha motocicleta, geladeira, computador, smartphone e queria comprar um tablet “baratinho”. “Mas tudo a prestação”, disse, diante do meu espanto e achando que assim me tranquilizava.
Estava visivelmente orgulhoso da eufêmica classificação, que provavelmente lhe tinha sido dada por alguém a título de advertência, “cuidado”. Mas ele gostou do adjetivo, que lhe soava como um elogio: para ele, negativado era o que não devia mais nada. Quando eu lhe disse que era o mesmo que ter o nome sujo na praça, acho que não acreditou e foi perguntar a outras pessoas.
Espero que a resposta tenha sido a mesma para esse consumidor compulsivo, conspícuo e, com certeza, negativado, assim como a quase metade dos brasileiros.
Zuenir Ventura
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