A região paraibana dos Cariris Velhos é limítrofe com o Vale do Pajeú pernambucano. As duas regiões juntas são uma espécie de Grécia Antiga nordestina, pelo acúmulo de tradições, histórias, lendas e versos. Tenho duas colherinhas desse sangue em minhas veias, visto que minha mãe nasceu e se criou em Coxixola (a cidade onde você, ao entrar, é saudado por uma placa dizendo: “Coxixola Existe!”), perto de Serra Branca e de São João do Cariri.
Cariris Velhos – passando de passagem de Pedro Nunes Filho (Recife, Jabre, 2008) é uma história dessa região contada por quem nasceu e se criou por entre aquelas vilas, cidades, fazendas, sítios, povoados, caatingas, serrotes e rochedos. Pedro Nunes, radicado hoje no Recife, é o autor de um dos grandes relatos épicos sobre a história da Paraíba:Guerreiro Togado (Recife, UFPE, 1977, já com reedições subsequentes), a história da “Guerra de Doze”, uma sucessão de batalhas que em 1912 opôs as forças militares da Paraíba e o bacharel Augusto Santa Cruz, que invadiu cidades, deu surra em padre e prefeito, pintou e bordou.
Em Cariris Velhos”, o foco é mais a geografia social do que a História. Pedro Nunes descreve com conhecimento de causa as sutilezas da vegetação, da alimentação, do regime de secas do semi-árido. O capítulo “Caminho sem volta” refaz o percurso entre antigas fazendas, umas arruinadas e desertas, outras ricas e sólidas, bastiões da colonização que, por caminhos diversos, desde o fim do século 17, expulsou ou escravizou os antigos índios cariris, sukurus, tarairus. A escravidão dos africanos tornou mais complexa essa relação: “Enquanto o negro africano dominava algumas indústrias – muitos eram excelentes ferreiros, marceneiros, pedreiros, tecelões, agricultores e cozinheiros – o índio só sabia caçar e pescar.” (p. 80)
“Por todo o território, serras sobranceiras pontilhadas com esculturas de pedras gigantes, obras de deuses, teatros escondidos nas encostas da velha Borborema. Blocos de granito superpostos em forma de muralhas misteriosas espalhadas numa área de extensão sem fim. Sinais indeléveis grafados nas rochas pelas mãos de homens pertencentes a uma civilização ignota e milenar, desejosos de se comunicar com o futuro por meio de mensagens, cujo código perdeu-se no tempo, restando hoje indecifráveis (p.33).”
Os Cariris Velhos e o vizinho Vale do Pajeú são fonte perpétua da cantoria de viola e da poesia popular. É necessário o entendimento de sua história, da mentalidade e da cultura dos homens e mulheres que fundaram a civilização do semi-árido, tão importante na obra de seus poetas, de Ariano Suassuna a Pinto do Monteiro.
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo
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