Zé de Cazuza conta no livro
Poetas Encantadores que encontrou com Pinto do Monteiro e na conversa
Pinto falou que tinha feito uma cantoria dias atrás com Dimas Batista. Zé de
Cazuza perguntou como tinha sido, e Pinto respondeu: “Uma merda. O homem tá com
medo de errar”. E Zé de Cazuza: “Ah, sim. Ele formou-se em Direito.”
Dimas foi um dos primeiros cantadores de viola a ter curso superior. O episódio narrado por Zé mostra a falta de cerimônia entre esses grandes poetas, que conviveram durante a vida inteira, e mostra essa fase de transição entre os cantadores totalmente intuitivos, como Pinto, e os que começaram a se valer de estudo, erudição, educação formal. É a velha oposição entre Romano do Teixeira e Inácio da Catingueira: o desafio estava empatado até que Romano puxou o assunto de Mitologia Grega, coisa que o ex-escravo Inácio não tinha leitura para acompanhar.
É engraçado, mas isso me lembra Vanderlei Luxemburgo, o polêmico técnico atualmente no Flamengo. Ele diz: “O medo de perder tira a vontade de ganhar”. Vanderlei tem uma porção de defeitos, mas ele usa para o futebol um raciocínio bastante correto. Diz ele que se um time empata 5 jogos ganha 5 pontos, sem ter perdido nenhum jogo; mas se ganha 2 jogos e perde 3, ganha 6 pontos. Melhor, portanto, partir pra cima sem medo de perder. Aliás, foi para incentivar essa busca pela vitória que a Fifa decidiu atribuir 3 pontos por vitória, fato relativamente recente, de 1994. (Até uns 20 anos atrás, em competições oficiais, uma vitória dava apenas 2 pontos.)
Voltando à história inicial. Eu não diria que Dimas (a acreditar na versão de Pinto) estava com medo de errar porque se formou em Direito. Acho mais possível que ele tenha se formado em Direito porque tinha medo de errar, e aí não falo daquela cantoria específica, mas do estilo de cada cantador. Existem cantadores reflexivos, que gostam de pensar as coisas bem direitinho, o que em princípio parece ser o contrário da cantoria. Dimas, pelo que já ouvi em gravações, era um daqueles poetas de cantoria lenta, cadenciada, mantendo sempre o embalo sob controle, escandindo as palavras com precisão. O contrário daqueles repentistas que pensam e cantam com tal rapidez que chegam a atropelar as palavras. São dois modos de pensar, dois perfis mentais diferentes, que se refletem no estilo do improviso. Perfeccionismo e cantoria não combinam. Gosto do jeitão de Dimas, que é o de Oliveira de Panelas, de Diniz Vitorino; e gosto de cantador arrojado, acelerado, que parece estar cantando sem pensar, como Louro Branco. Mas são estilos pessoais. Um não conseguiria cantar como o outro, mesmo que quisesse.
Bráulio Tavares
(mundo fantasmo)
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