O poeta repentista Luiz Antônio, ex-presidente da Casa do Cantador do Oeste Potiguar por muitos anos e organizador do Congresso Potiguar de Repentistas Nordestinos, falecido na última sexta-feira, era uma excelente figura humana. Adorava contar e ouvir piadas, mas não era muito de levar desaforo pra casa. Qualquer coisa que o desagradasse era sempre retrucada de maneira muito forte. Tolerância zero com perguntas imbecis e conversas bestas, do tipo "para fazer dormitar bovinos". "Sêo" Lunga, do Ceará, "Sêo" Ernesto, de Currais Novos, e Manuel Forte, de Catolé do Rocha, não são personagens de ficção e o "Sêo" Saraiva de Francisco Milani, na Globo, foi criado inspirado em figuras reais da vida brasileira, tais quais Lunga, Ernesto e Luiz Antônio. O poeta Luiz Antônio era uma dessas figuras maravilhosas no trato com os amigos, mas que não perdia a oportunidade de dizer um desaforo para quem lhe abordasse com perguntas tolas. No mais, é um excelente papo, e mesmo quando não está dando suas respostas meio ou de todo brutas, Luiz estava sempre fazendo piadas com tudo que vê. Vamos a algumas das suas magistrais respostas que hoje andam de boca em boca pelo Nordeste afora.
Em jejum?...
Luiz Antônio viajava, em uma das suas milhares de cantorias, lá pelas bandas de Juazeiro do Norte e Barbalha, no Ceará do Padre Cícero, quando o ônibus parou em uma fazenda e se demorou um pouco, enquanto o proprietário colocava na mala uns tambores de leite que seriam negociados na cidade seguinte. Luiz Antônio sentado na cadeira da frente tinha ao lado uma senhora idosa, que descaroçava um rosário se pegando com tudo quanto era santo. Num pilar do alpendre da fazenda, um casal que havia acabado de sair de um forró pesado, tirava um sarro de feder a chifre queimado. A moça acossada pelo fogo do tesão do namorado só faltava subir de costas na coluna, quando a velha descolou os olhos de rosário e avistou a arrumação.
- Valha-me Nossa Senhora. É por isso que não se vê mais tempo bom. Olhe ali "sêo" Zé (e Luiz Antônio fica irritado com quem o chama de "Sêo" Zé). O serviço que aquele homem tá fazendo com aquela moça...
- Sim. Que é tem? Rebateu Luiz Antônio.
- Mas meu senhor. Uma hora dessas... em jejum????
- Ora, ora, minha Senhora. A senhora sabe, se ele não já comeu?...
Pois eu vou sentado
enquanto esfria
Outro dia Luiz Antônio fazia o enfadonho trecho Mossoró/Natal, quando uma senhora grávida apelando para seu cavalheirismo de poeta, pediu-lhe a poltrona, também chamando-o de "sêo" Zé. Mesmo sem gostar e alegando que tinha problemas de saúde e também não lhe era conveniente viajar em pé, cedeu a cadeira para a buchudinha. Mas se passou um quilômetro, dois e três e nada de a mulher sentar-se. Luiz Antônio perdeu a paciência e perguntou: - A senhora não quer sentar, não?
- Estou esperando a cadeira esfriar...
Luiz Antônio perdeu as estribeiras. Sentou na poltrona e disse:
- Pois enquanto esfria eu vou sentado, viu?
E assim foi até à Estação Rodoviária em Natal.
Enjoando
Noutra dessas viagens Mossoró/Natal, o poeta ia sentado no lado da janela, enquanto na poltrona do corredor ia uma senhora com um menino chato e buliçoso. O poeta ia muito incomodado com o capetinha que não lhe dava trégua se mexendo, gritando, chorando e lhe causando sério desconforto. A mulher ora adulava o menino, ora brigava e o incômodo era total. De repente a mulher começou a sentir-se mal, passando a sofrer ânsias de vômito. Dirigiu-se a Luiz Antônio:
- "Sêo" Zé, o senhor pode trocar a cadeira comigo?
- Por quê?????
- É porque eu tô querendo enjoar...
- A senhor já vem enjoando desde Mossoró...
Eu sou uma pessoa
Na calçada da Rádio Rural, Luiz Antônio esperava os colegas para começar o Programa Hora da Qualhada. Nisso chegou uma mulher que esmolava na área e se aproximou do poeta olhando-o de maneira muito curiosa. E foi encostando, com as pupilas apertadas e as mãos sobre os olhos como que querendo focar bem o rosto de Luiz para uma identificação. Claro que ele começou a se sentir incomodado.
- Que é que a senhora quer?
E a velhinha com voz muito baixa e arrastada foi dizendo enquanto percorria cada detalhe do rosto do poeta:
- É que o senhor é muito parecido com uma pessooooooooooooa...
Sem se conter, o poeta gritou espantando a mulher:
- E eu sou uma pessoa!...
Pegue, pra fazer uma
feirinha
Nas muitas batalhas para realizar o Congresso Potiguar de Repentistas Nordestinos, Luiz Antônio passou mais de uma hora tentando convencer um dono de supermercado de Mossoró a fazer um patrocínio para o evento. O homem chorava mais do que falso cego na feira. Era de dar dó e piedade. Luiz olhava para as prateleiras do estabelecimento cheias de mercadoria e não conseguia se convencer da crise que o comerciante estava vivendo. Depois de muita conversa sem sucesso, o poeta levantou-se, meteu a mão no bolso, arrastou uma nota de cinco reais, entregou ao homem, que espantado perguntou:
- Pra que isso?
- É pra o senhor fazer uma feirinha...
Não comprei pra
senhora...
Luiz Antônio vinha certo dia num coletivo em busca do bairro Santo Antônio, onde morava na Rua Castelo Branco. Entre os solavancos do ônibus, na buraqueira das ruas mossorroenses, quase sempre recapeadas com asfalto do tipo sonrisal, ia o poeta sendo abordado por um e outro conhecido. De repente, senta ao seu lado uma senhora dessas que falam pelos cotovelos. E haja perguntar pela vida de violeiro, pela sua saúde, por Dona Albertina, pelo programa de rádio e haja conversa... De repente a mulher viu a palha de peixe numa das mãos de Luiz Antônio e uma sacola com coentro, cebolinha e tomate na outra mão. Espalhafatosa, a mulher perguntou muito alto:
- Comprou peixe, "sêo" Luiz?
- Comprei...
Nestas alturas, Luiz Antônio já estava bastante aborrecido com aquela conversa comprida. Foi quando a mulher disparou a frase que serviu de gota d'água para a pouca paciência do poeta:
- Eu não gosto de peixe.
Luiz retrucou arrancando uma imensa gargalhada de todos os passageiros do ônibus.
- Eu não comprei peixe pra senhora, não!!!!!
Tirei o dia pra ser besta
Quando o Café Kimimo ainda era do desbravador paraibano conhecido como Pitéu, eram comuns os bingos em Mossoró. Quando o governo os proibiu, Pitéu que tinha feito muitos deles, não se deu por vencido. Bolou uma excelente ideia de marketing. Fez um bingo onde ninguém comprava a cartela. Quem chegasse com dez saquinhos de Café Kimimo secos, ganhava a cartela e ia concorrer a inúmeros prêmios. No dia marcado, lá ia o poeta tentar a sorte. Quem sabe, um carrinho para viajar e fazer cantorias. O bingo era de manhã. Terminou e o poeta não chegou nem perto de armar, quanto mais de bater. Voltava a pé, pois os coletivos, diante da imensa demanda de um final de bingo, não tinham uma vaga nem pelo amor de Deus. Já perto de casa, uns seis quilômetros depois, pés calejados, suor lavando a camisa, barriga roncando de fome, eis que uma vizinha lhe aborda aos gritos.
- "Sêo" Luiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiz, foi pro bingo de Pitéééééu????????
- Fui. Respondeu o poeta num fio de voz que denotava o seu imenso cansaço e desgosto.
- E tirou alguma cooooooooooooooisa?
- Tirei.
- O quêêêêêêêêêêêê, "Sêo" Luiz?
- Tirei o dia... pra ser besta!
Um estranho plural
Vinha Luiz Antônio de uma dessas milhares de cantorias da vida arrastando a viola e as lamentações pelas poucas pagas na bandeja. Noite ruim, aquela de ontem... Comentava com o colega que também fazia as contas do que devia na bodega, o papel da luz e o da água que estavam com ameaça de corte. Eis que surgem dois moleques querendo gozar com a cara dos poetas. E partiram pra cima de Luiz Antônio e do colega com dois pedaços de pau, como se estivessem de violas em punho e de forma debochada solfejavam uma toada de viola:
- Nhã, nhã, nhã, nhã, nhã, nhã, nhá...
- Nhã, nhã, nhã, nhã, nhã, nhã, nhá...
Luiz Antônio, cara dura, olhos injetados de raiva, gritou sem meias palavras para quem quisesse ouvir:
- vão dar os cus, dois safados!
Melhor o braço...
David Leite me envia e-mail contando que certa vez ia chegando à Rádio Rural quando se deparou com Luiz Antônio com o braço na tipóia em conseqüência de um atropelamento que sofrera. David foi saudando e observando:
- Poeta, quebrou o braço...
E Luiz, com seu jeitão respondeu na bucha:
- Melhor que se fosse o pescoço...
Fonte: Prosa & Verso (Crispiniano Neto)
Indicação do amigo José Romero
Em jejum?...
Luiz Antônio viajava, em uma das suas milhares de cantorias, lá pelas bandas de Juazeiro do Norte e Barbalha, no Ceará do Padre Cícero, quando o ônibus parou em uma fazenda e se demorou um pouco, enquanto o proprietário colocava na mala uns tambores de leite que seriam negociados na cidade seguinte. Luiz Antônio sentado na cadeira da frente tinha ao lado uma senhora idosa, que descaroçava um rosário se pegando com tudo quanto era santo. Num pilar do alpendre da fazenda, um casal que havia acabado de sair de um forró pesado, tirava um sarro de feder a chifre queimado. A moça acossada pelo fogo do tesão do namorado só faltava subir de costas na coluna, quando a velha descolou os olhos de rosário e avistou a arrumação.
- Valha-me Nossa Senhora. É por isso que não se vê mais tempo bom. Olhe ali "sêo" Zé (e Luiz Antônio fica irritado com quem o chama de "Sêo" Zé). O serviço que aquele homem tá fazendo com aquela moça...
- Sim. Que é tem? Rebateu Luiz Antônio.
- Mas meu senhor. Uma hora dessas... em jejum????
- Ora, ora, minha Senhora. A senhora sabe, se ele não já comeu?...
Pois eu vou sentado
enquanto esfria
Outro dia Luiz Antônio fazia o enfadonho trecho Mossoró/Natal, quando uma senhora grávida apelando para seu cavalheirismo de poeta, pediu-lhe a poltrona, também chamando-o de "sêo" Zé. Mesmo sem gostar e alegando que tinha problemas de saúde e também não lhe era conveniente viajar em pé, cedeu a cadeira para a buchudinha. Mas se passou um quilômetro, dois e três e nada de a mulher sentar-se. Luiz Antônio perdeu a paciência e perguntou: - A senhora não quer sentar, não?
- Estou esperando a cadeira esfriar...
Luiz Antônio perdeu as estribeiras. Sentou na poltrona e disse:
- Pois enquanto esfria eu vou sentado, viu?
E assim foi até à Estação Rodoviária em Natal.
Enjoando
Noutra dessas viagens Mossoró/Natal, o poeta ia sentado no lado da janela, enquanto na poltrona do corredor ia uma senhora com um menino chato e buliçoso. O poeta ia muito incomodado com o capetinha que não lhe dava trégua se mexendo, gritando, chorando e lhe causando sério desconforto. A mulher ora adulava o menino, ora brigava e o incômodo era total. De repente a mulher começou a sentir-se mal, passando a sofrer ânsias de vômito. Dirigiu-se a Luiz Antônio:
- "Sêo" Zé, o senhor pode trocar a cadeira comigo?
- Por quê?????
- É porque eu tô querendo enjoar...
- A senhor já vem enjoando desde Mossoró...
Eu sou uma pessoa
Na calçada da Rádio Rural, Luiz Antônio esperava os colegas para começar o Programa Hora da Qualhada. Nisso chegou uma mulher que esmolava na área e se aproximou do poeta olhando-o de maneira muito curiosa. E foi encostando, com as pupilas apertadas e as mãos sobre os olhos como que querendo focar bem o rosto de Luiz para uma identificação. Claro que ele começou a se sentir incomodado.
- Que é que a senhora quer?
E a velhinha com voz muito baixa e arrastada foi dizendo enquanto percorria cada detalhe do rosto do poeta:
- É que o senhor é muito parecido com uma pessooooooooooooa...
Sem se conter, o poeta gritou espantando a mulher:
- E eu sou uma pessoa!...
Pegue, pra fazer uma
feirinha
Nas muitas batalhas para realizar o Congresso Potiguar de Repentistas Nordestinos, Luiz Antônio passou mais de uma hora tentando convencer um dono de supermercado de Mossoró a fazer um patrocínio para o evento. O homem chorava mais do que falso cego na feira. Era de dar dó e piedade. Luiz olhava para as prateleiras do estabelecimento cheias de mercadoria e não conseguia se convencer da crise que o comerciante estava vivendo. Depois de muita conversa sem sucesso, o poeta levantou-se, meteu a mão no bolso, arrastou uma nota de cinco reais, entregou ao homem, que espantado perguntou:
- Pra que isso?
- É pra o senhor fazer uma feirinha...
Não comprei pra
senhora...
Luiz Antônio vinha certo dia num coletivo em busca do bairro Santo Antônio, onde morava na Rua Castelo Branco. Entre os solavancos do ônibus, na buraqueira das ruas mossorroenses, quase sempre recapeadas com asfalto do tipo sonrisal, ia o poeta sendo abordado por um e outro conhecido. De repente, senta ao seu lado uma senhora dessas que falam pelos cotovelos. E haja perguntar pela vida de violeiro, pela sua saúde, por Dona Albertina, pelo programa de rádio e haja conversa... De repente a mulher viu a palha de peixe numa das mãos de Luiz Antônio e uma sacola com coentro, cebolinha e tomate na outra mão. Espalhafatosa, a mulher perguntou muito alto:
- Comprou peixe, "sêo" Luiz?
- Comprei...
Nestas alturas, Luiz Antônio já estava bastante aborrecido com aquela conversa comprida. Foi quando a mulher disparou a frase que serviu de gota d'água para a pouca paciência do poeta:
- Eu não gosto de peixe.
Luiz retrucou arrancando uma imensa gargalhada de todos os passageiros do ônibus.
- Eu não comprei peixe pra senhora, não!!!!!
Tirei o dia pra ser besta
Quando o Café Kimimo ainda era do desbravador paraibano conhecido como Pitéu, eram comuns os bingos em Mossoró. Quando o governo os proibiu, Pitéu que tinha feito muitos deles, não se deu por vencido. Bolou uma excelente ideia de marketing. Fez um bingo onde ninguém comprava a cartela. Quem chegasse com dez saquinhos de Café Kimimo secos, ganhava a cartela e ia concorrer a inúmeros prêmios. No dia marcado, lá ia o poeta tentar a sorte. Quem sabe, um carrinho para viajar e fazer cantorias. O bingo era de manhã. Terminou e o poeta não chegou nem perto de armar, quanto mais de bater. Voltava a pé, pois os coletivos, diante da imensa demanda de um final de bingo, não tinham uma vaga nem pelo amor de Deus. Já perto de casa, uns seis quilômetros depois, pés calejados, suor lavando a camisa, barriga roncando de fome, eis que uma vizinha lhe aborda aos gritos.
- "Sêo" Luiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiz, foi pro bingo de Pitéééééu????????
- Fui. Respondeu o poeta num fio de voz que denotava o seu imenso cansaço e desgosto.
- E tirou alguma cooooooooooooooisa?
- Tirei.
- O quêêêêêêêêêêêê, "Sêo" Luiz?
- Tirei o dia... pra ser besta!
Um estranho plural
Vinha Luiz Antônio de uma dessas milhares de cantorias da vida arrastando a viola e as lamentações pelas poucas pagas na bandeja. Noite ruim, aquela de ontem... Comentava com o colega que também fazia as contas do que devia na bodega, o papel da luz e o da água que estavam com ameaça de corte. Eis que surgem dois moleques querendo gozar com a cara dos poetas. E partiram pra cima de Luiz Antônio e do colega com dois pedaços de pau, como se estivessem de violas em punho e de forma debochada solfejavam uma toada de viola:
- Nhã, nhã, nhã, nhã, nhã, nhã, nhá...
- Nhã, nhã, nhã, nhã, nhã, nhã, nhá...
Luiz Antônio, cara dura, olhos injetados de raiva, gritou sem meias palavras para quem quisesse ouvir:
- vão dar os cus, dois safados!
Melhor o braço...
David Leite me envia e-mail contando que certa vez ia chegando à Rádio Rural quando se deparou com Luiz Antônio com o braço na tipóia em conseqüência de um atropelamento que sofrera. David foi saudando e observando:
- Poeta, quebrou o braço...
E Luiz, com seu jeitão respondeu na bucha:
- Melhor que se fosse o pescoço...
Fonte: Prosa & Verso (Crispiniano Neto)
Indicação do amigo José Romero
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