Um dos principais marcos da cultura ocidental é o advento da ciência,
que não só tem permitido o desenvolvimento das principais tecnologias
da atualidade, mas também satisfaz aquela outra sede, tão
particularmente humana, a sede de conhecer.
A compreensão do mundo material favorecida pelo método científico não tem comparação com qualquer outra via de obtenção de conhecimentos. Um dos sustentáculos da atividade
científica é precisamente um amplo compartilhamento de dados, conceitos,
ideias, não só entre cientistas, mas também com o público em geral. Imagine se um dia esse fluxo de conhecimentos cessasse. Como ficaríamos?
O
tema já foi explorado sob diferentes ângulos, como, por exemplo, fez
John Horgan em seu O fim da ciência – Uma discussão sobre os limites do
conhecimento científico (Cia. das Letras, 1996). Neste livro, Horgan
entrevista cientistas e intelectuais perguntando, entre outras coisas,
se eles creem ter o conhecimento científico atingido um apogeu e, a
partir de agora, não ser mais capaz de avançar significativamente, muito
menos prover benefícios reais à humanidade. O conhecimento possível
teria atingido um limite – já saberíamos tudo que há para saber – por que a Natureza não teria muito mais coisas
escondidas de nossos “sentidos ampliados pelas tecnologias”, que são as
ferramentas da ciência empírica.
Essa ideia de um limite físico do
conhecimento já foi postulada por alguns cientistas no final do século
19, mas bastou surgirem a relatividade, a mecânica quântica e a biologia
molecular, por exemplo, para evidenciar o tamanho do equívoco.
Há,
também, a perturbadora possibilidade de que o limite seja de natureza
cognitiva, que limitações em nossa própria estrutura mental – como os
conhecimentos a priori de causa e tempo, apontadas por Kant, por exemplo
– acabem impedindo nossa compreensão do mundo a partir de certo nível
de complexidade.
Embora essa ideia esteja longe de ser demonstrada, há quem proponha – num flerte com a ficção científica
– que, se nós não pudermos, máquinas inteligentes desenvolvidas por nós, poderiam. Só o tempo dirá.
– que, se nós não pudermos, máquinas inteligentes desenvolvidas por nós, poderiam. Só o tempo dirá.
Mas
pode ser que os limites do conhecimento sejam atingidos muito antes de
arranharmos esses hipotéticos obstáculos, e por razões bem mais
mundanas: causas sociais.
Já Mario Bunge, físico e filósofo da
ciência argentino, advertia que a ciência como a conhecemos pode
desaparecer, e que até mesmo “já morreu várias vezes”, referindo-se ao
ocaso da Grécia clássica – simbolizada pela segunda destruição da
Biblioteca de Alexandria e ascensão do pragmatismo romano −
e ao interregno vivido pela ciência italiana sob o fascismo.
e ao interregno vivido pela ciência italiana sob o fascismo.
Mas
não é necessário invocar situações tão dramáticas. O Nobel em física de
Stanford, Robert B. Laughlin, formulou uma crítica que surpreendeu a
muitos em seu livro de 2008, The crime of reason and the closing of the
scientific mind (“O Crime da Razão – O fim da mentalidade científica”,
ainda sem tradução aqui).
Laughlin descreve o atual quadro de crescentes restrições no acesso ao conhecimento pelo grande público
e mesmo pela comunidade científica em função de legislações de proteção comercial, patenteamentos abusivos, profusão de processos judiciários sobre propriedade intelectual e a onipresença da propaganda comercial.
e mesmo pela comunidade científica em função de legislações de proteção comercial, patenteamentos abusivos, profusão de processos judiciários sobre propriedade intelectual e a onipresença da propaganda comercial.
A
alegação soa um tanto contraintuitiva para quem vive em meio à era da
internet, onde tudo parece estar ao alcance de todos, mas Laughlin
constrói bem seu caso, em um estilo leve e bem embasado: na internet, a
escalada comercial cria tanto ruído que é cada vez mais difícil
encontrar informações realmente valiosas (exceto mediante pagamento); na
pesquisa científica, estudos relevantes são bloqueados por demandas
judiciais patentárias, ao passo que nos Estados Unidos chega a ser
arriscado ter ou dar acesso, mesmo que acidentalmente, a conhecimentos
tidos como “perigosos”.
A Suprema Corte americana, mesmo após
decidir que princípios matemáticos e leis da Natureza não podiam ser
patenteados, acabou autorizando o patenteamento de programas de
computador e de trechos do código genético humano: a crise de
legitimidade vivida pelo atual sistema de propriedade intelectual,
infelizmente, também se dá longe dos olhos do público.
Se Laughlin estiver
certo, existe um conflito fundamental entre as necessidades de segurança
e prosperidade econômica em nossa sociedade, por um lado, e o direito
humano de conhecer e aprender – fruto dessa necessidade que nos
distingue, como humanos, dos outros animais. O futuro do conhecimento
científico depende de sua resolução.
científico depende de sua resolução.
O bom é que, enquanto os
limites físico e cognitivo são externos e pouco podemos fazer para
superá-los, a limitação social é de origem humana, logo comporta
soluções, ainda que difíceis.
Precisou um Prêmio Nobel para dar
voz a essa preocupação sem cair no lodaçal das “teorias conspiratórias”.
Ainda há tempo para reverter essa tendência, deixando definitivamente
para trás esses tempos que Laughlin, com ironia, denominou de era da
amnésia.
Jorge A. Quillfeldt
Fonte aqui
Nenhum comentário:
Postar um comentário