Uma mulher apanha um livro de uma prateleira. PACO PUENTES EL PAIS
A leitura,
além de melhorar a empatia e o entendimento dos demais, é um dos
melhores exercícios possíveis para manter em forma o cérebro e as
capacidades mentais.
O Brasil tem mais leitores a cada ano. Em 2011, eram 50% da população. Em 2015, eram 56%, segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil.
Contudo, isso também significa que 44% da população não lê. Ainda pior:
30% nunca comprou um livro. Alguns argumentos científicos, em especial
da neurociência, podem ajudar a melhorar esses índices.
A leitura é um dos
melhores exercícios possíveis para manter o cérebro e as capacidades
mentais em forma. Isso é verdade porque a atividade de leitura exige
colocar em jogo um importante número de processos mentais, entre os
quais se destacam a percepção, a memória e o raciocínio. Quando lemos,
ativamos principalmente o hemisfério esquerdo do cérebro,
que é o da linguagem e o mais dotado de capacidades analíticas na
maioria das pessoas, mas são muitas outras áreas do cérebro de ambos os
hemisférios que são ativadas e intervêm no processo. Decodificar as
letras, as palavras e as frases e transformá-las em sons mentais requer a
ativação de grandes áreas do córtex cerebral.
Os córtices occipital e temporal são ativados para ver e reconhecer o
valor semântico das palavras, ou seja, o seu significado. O córtex
frontal motor é ativado quando evocamos mentalmente os sons das palavras
que lemos. As memórias evocadas pela interpretação do que foi lido
ativam poderosamente o hipocampo e o lobo temporal medial. As narrativas
e os conteúdos sentimentais do texto, seja ele ficcional ou não, ativam
a amígdala e outras áreas emocionais do cérebro. O raciocínio sobre o
conteúdo e a semântica do que foi lido ativa o córtex pré-frontal e a
memória de trabalho, que é a que usamos para resolver problemas,
planejar o futuro e tomar decisões. Está provado que a ativação regular
dessa parte do cérebro desenvolve não apenas a capacidade de raciocinar,
como também, em certa medida, a inteligência das pessoas.
A leitura, em última análise, inunda de atividade o conjunto do cérebro e
também reforça as habilidades sociais e a empatia, além de reduzir o
nível de estresse
do leitor. A esse respeito, devemos destacar o excelente trabalho de
revisão do romancista e psicólogo Keith Oatley, da Universidade de
Toronto, no Canadá, recentemente publicado na revista científica CellPress, intitulado: Fiction: Simulation of Social Worlds (Ficção: Simulação de Mundos Sociais),
que destaca que que a literatura de ficção é a simulação de nós mesmos
em interação. Depois de uma rigorosa e elaborada revisão de dados e
considerações sobre psicologia
cognitiva, Oatley conclui que esse tipo de literatura, sendo uma
exploração das mentes alheias, faz com que aquele que lê melhore sua
empatia e sua compreensão dos outros, algo de que estamos muito
necessitados. Essa conclusão ainda é avalizada por neuroimagens, ou
seja, por dados científicos que exploram a atividade cerebral
relacionada com esse tipo de emoções. A ficção que inclui personagens e
situações complexas pode ter efeitos particularmente benéficos. Assim, e
como exemplo, um trabalho recém-publicado mostra que a leitura de Harry Potter pode diminuir os preconceitos dos leitores.
Tudo isso sem falar na satisfação e no bem-estar proporcionado pelo
conhecimento adquirido e como esse conhecimento se transforma em memória
cristalizada, que é a que temos como resultado da experiência. O livro e
qualquer leitura comparável são, portanto, uma academia acessível e
barata para a mente, a que proporciona o melhor custo/benefício em todas
as fases da vida, razão pela qual deveriam ser incluídos na educação
desde a primeira infância e mantidos durante toda a vida. Cada pessoa
deve escolher o tipo de leitura que mais a motiva e convém. As crianças
devem ser estimuladas a ler com leituras adequadas às suas idades e os
mais velhos devem providenciar toda a assistência que suas faculdades
visuais necessitem para continuar lendo e mantendo seu cérebro em forma à
medida que envelhecem. Uma razão a mais para que os idosos continuem a
ler é a crença plausível de que não somos realmente velhos até que não
comecemos a sentir que já não temos nada de novo para aprender.
Ignacio Morgado Bernal é diretor do Instituto de Neurociências da Universidade Autônoma de Barcelona, autor de Cómo Percibimos el Mundo: una Exploración de la Mente y los Sentidos (Como Percebemos o Mundo: uma Exploração da Mente e dos Sentidos).
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