quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Nos caminhos da seca

             
Nestes últimos anos de secas devastadoras, inclementes, o sertão sofre com as consequências daninhas, tristes, deixadas por essa realidade climática como mortes de animais, perda da lavoura, falta de água e de alimento e, por que não dizer, descasos dos governantes etc. Para isso, lancei uma jornada chamada nos caminhos da seca, cujo objetivo consistiu e consiste em mostrar o desespero dos milhares de sertanejos que clamam pungentemente por água e pão, além de chamar a atenção dos governantes e da sociedade para essa gravíssima situação, que só tem a piorar.
            Nos caminhos da seca. Eis o grande desafio. Sempre visitando diversas comunidades urbanas e rurais, tentando ver de perto a realidade da falta de água e, ao mesmo tempo, ouvir os clamores dos sofridos e desesperados sertanejos. Após a visita, venho para casa e posto nas redes sociais tudo o que vi e registrei- fotos, entrevistas- visando mostrar como vivem esses meus irmãos esmagados pela cruz do sofrimento da falta de água e pão. Afinal, a única coisa que posso fazer, como cidadão e cristão, é mostrar a realidade cruciante do sertão e dá meu humilde grito profético.
             Tenho presenciado, nestes dois últimos anos, cenas dramáticas, chocantes, desesperadoras, tristes e revoltantes. Vi cenário de morte. Vi agricultores e criadores com olhos lacrimejados e fala embargada. Vi-os muitas vezes tratados com desdém, com humilhação. Cenas revoltantes. Confesso que muitas vezes fiquei chocado, emocionado e revoltado, pois o descaso governamental só aumentou e continua aumentando a dor e o desespero dos valentes e guerreiros sertanejos. E esse novo governo- elitista, oligárquico, anti-povo- demonstra não ter nenhuma sensibilidade com o sofrimento desses meus irmãos do sertão.
            Nessa jornada nos caminhos da seca, o que mais sinto é o desespero louco dos sertanejos em busca de água. O grito ensurdecedor dessa gente- homens, mulheres e crianças-por água- chega aos céus. Aja coração para aguentar tanto clamor. Não nos esqueçamos de que, apesar dos programas sociais do governo federal, muitos clamam por comida. Aliás, com esse desgoverno golpista, com a alta da inflação, o Bolsa família perdeu seu poder de compra.
            Postarei, de forma literal, tudo que tenho ouvido dos sertanejos e sertanejas sobre seus dramas, suas cruzes, suas pelejas. São palavras tristes, clamorosas. O seu grito clamoroso chega aos céus:
-Antigamente, o nosso dinheiro do Bolsa família dava pra comprar muita coisa, mas depois que esse presidente Temer entrou, as coisas pioraram. A gente não compra mais nada com esse dinheiro.
 -Padre Djacy, vou embora deste lugar. Aqui só tem sede. Não vou matar minha família de sede.
-Seu padre, isso não é vida. Aqui neste sertão está tudo se acabando com esta seca cruel, nunca vi isso na minha vida.
-Padre, além de faltar comida, falta água. A gente não tem água nem pra tomar banho. A gente sofre muito sem água.
-Está secando tudo, tudo, tudo. Tudo seca. Poço seca, açude seca. Só deus para ter piedade de nós....
-Meu gado vai morrer, porque não tenho mais condições de comprar ração. É triste ver o rebanho morrer e não poder fazer nada. É muito triste.
-Nunca perdi a esperança. Deus é um pai misericordioso. Ele vai socorrer a gente.
-É mais fácil a gente achar dinheiro do que achar água. Tá difícil mesmo. Eita Deus do céu.
-Nem água pra o gado nem pra o povo. Eita situação feia, meu Deus!
-Sei lá, não sei por que nós do sertão, que somos pobres, somos tão humilhados, tratados com desdém por tantas pessoas que se dizem importantes.
-Aqui no sertão são poucas as pessoas importantes que dão uma palavra por nós. Essas autoridades não estão nem aí com a gente.
-Tenho 60 anos, nunca vi o açude do meu sítio seco. Estou mesmo é assombrado. Temos que rezar muito pra ver se Deus olha pra nós.
-Meu amigo, eu tenho 83 anos, e digo para você que já vi muita seca braba, mas como esta de 2012 e 2013, nunca vi .Uma coisa que tou sentindo é que o calor deste ano fez foi aumentar .Pelo que vejo vai morrer todo mundo torrado, assado.
-Deus é grande. Vamos rezar. Eu confio Nele. Ele vai mandar chuva. Eu creio em Deus. Penso que ele olha pra nós.
-Essa água do São Francisco não chega nunca. Eita coisa demorada. Se essa água viesse seria bom pra  nós, tenho certeza.
-Neste País só tem ladrão. Não acredito em ninguém, seu Padre.
-Tem gente que tá dizendo que vai embora do sertão.
-Aqui neste sertão, seu padre, o calor é tão grande, tão grande mesmo, que a gente não consegue dormir nem de madrugada. Quem tem um ar condicionado ou ventilador ainda dorme, que não tem nada disso, fica rebolando na cama pra ver se dorme.
-O sertão tá torrando, a gente nunca viu um calor da peste como este. Tá quente demais, o pior, nem água tem pra gente beber e tomar banho. Sei não, só Deus pra olhar pra nós.
-Grande é Deus. Ele vai mandar chuva.
-Água tá mais difícil que dinheiro.
-Padre Djacy, com esse governo que entrou agora, o sertão virou um inferno. Tudo aumentou, não tem nada barato. O que a gente ganha do Bolsa família não dar pra comprar nada. A gente tem que comprar até água com esse dinheiro do governo que vem pra gente. A coisa tá preta, nem água, nem comida.
-Hoje, Padre Djacy, o povo não tem medo de morrer de fome, tem medo de morrer é de sede.
-Sei não, do jeito que vai ,vamos é  morrer. O negocio pra nós tá feio, feio mesmo. É desespero mesmo. Só Deus pra olhar pra nós, porque os homens aqui na terra, não olham pra nós. Minha nossa Senhora, é sofrimento que não acaba mais.
-Padre, eu tenho 90 anos. Já tenho muitos janeiros. Moro perto do açude de Coremas. Vou dizer prá o senhor o seguinte: eu moro bem ao lado do açude de Coremas e estou vendo uma coisa, Padre, o açude de Coremas tá secando mesmo. Ave Maria, nunca viu uma coisa igual. Um açude tão grande, mais tá secando, tá ficando seco, muito seco, seco de verdade. Eu moro lá’, ---Padre, eu vejo o açude secando. Me dá licença ,padre, tenho que sair para pegar a camioneta. Fique com Deus e Nossa Senhora.
-Eu e essa senhora, Padre, a gente vendia peixe na feira de Piancó. A gente lá no sítio pescava e vinha pra rua para vender os peixinhos. Agora não tem mais, nada de peixe, porque o açudinho secou e não tem mais peixe. Agente ganhava um dinheirinho vendendo peixe, agora, kkkkkk ,nem peixe nem dinheiro.
- Por que o governo federal não faz logo essa transposição? Se a transposição não sair, vai morrer muita gente neste sertão torrado. Olhe o que estou dizendo. Vai ficar preta a situação. Vai ser um Deus nos acuda.
-Padre, fale com os políticos para incluir o rio Piancó nesse projeto de transposição. Vamos ver se a gente bebe água do rio São Francisco. Pelo o amor de Deus.
-Uma coisa é certa. Muitos políticos continuam tirando proveito da seca. Para essa raça, seu padre, como mais seca, sede, sofrimento, é melhor. É como urubu em cima de carniça.
-Vou dizer uma coisa: enquanto a gente morre de sede, se acaba com a sede, esses políticos da capital vivem tomando banho de champanhe,vivem passeando,vivem no avião andando para outros país,vivem comendo do bom e do melhor, e a gente, passando fome e sede. Só Deus mesmo pra olhar pra gente. Minha nossa Senhora. O negócio pra o  lado do pobre tá feio. Não vai escapar ninguém. Sei não, só Deus mesmo.
-A nossa sorte é o jumento. O bichinho passa o dia todo botando água. Trabalha muito e come pouco. Nem comida pro bichinho tem. Fazer o que né?
-A gente bebe porque tem os carros pipa. Essa água do carro pipa é só pra beber e cozinhar. Ainda bem que o governo mandou essa aguinha pra nós. Se não fosse, a gente estava era doido, morrendo mesmo.
-Tá difícil. Só digo uma coisa: se deus não botar a mão no meio, eu não sei o que vai acontecer com a gente que mora neste sertão seco, torrado. Os políticos não olham pra nós, eles não estão nem ai com os pobres. Tá difícil. A coisa tá difícil
-Antes a gente não ia pra rua pensando que lá não tinha água, hoje a gente corre do sítio porque não tem água. Mudou agora. No sítio a gente morre de medo de morrer de sede. Então, o negócio é correr pra cidade.
-Padre, nunca vi uma seca desta, seca de fazer medo. O senhor pensa que vem algum deputado olhar pra nós? Vem nada. Eles não tão nem ai com nós que vivemos neste sofrimento danado. Eles só querem saber do nosso voto.
-Tá vendo a nossa comunidade sem água, sem comida, sem nada? Pois é, nunca um deputado ou senador andou aqui para conversar com a gente. Que nada! Eles só andam aqui em tempo de eleição.
-Deputados e senadores só aparecem aqui quando é festa da cidade ou de padroeiro. Eles ficam escondidos na casa dos doutores, do prefeito, dos ricos. Eles só querem saber de nós na eleição, nem de nós, mas do nosso voto.
-Se não chover, vou pra São Paulo com minha família. Não deixar meus filhos passar sede não.
-É triste a gente ver o nosso gado morrendo de fome e sede. Como é doloroso quando a gente chega na roça e ver tudo seco, sem água, sem pasto, sem nada. É triste padre,Djacy.
-Padre Djacy, nesses últimos anos de seca, perdi tudo, tudo mesmo. Perdi gado, e os meus bodes e cabras morreram todos.
-Entra ano e sai ano, e nada de chuva. A gente vive da roça, mas com essa seca, não tem o que fazer. Só lamentar e rezar.
-Em tempo de seca, a gente já sofreu tanto. Eu me lembro que o governo, na década de 80, obrigava as mulheres a trabalhar na emergência. Muitas ganhavam neném debaixo de árvores, no chão. Era muita humilhação, seu padre.
Tá tudo seco. Os açudes secaram. A coisa tá feia, seu padre. Se Deus não mandar chuva, a coisa vai piorar, vai ser um clamor danado. Só Deus para nos socorrer..
-Padre, faz quinze dias que não chega o pingo d’água na torneira lá de casa. Nada de água. Só chega a conta pra gente pagar. Isso chega. Ai se a gente não pagar. Sei não, vida de pobre é assim mesmo. O senhor concorda?
-Se não chegar água, nós vamos interditar a BR. vamos botar fogo nos pneus. O governo só olha pra nós assim, quando a gente interdita a BR.. Tem que ser assim mesmo. Vamos interditar. Pôde vir polícia, doutor, a gente não tá nem aí. Venha o que vier...
-Ainda bem que a gente tem o bolsa família, se não fosse, vou dizer, a bagaceira ia ser feia. Imagine faltando água pra beber e comida pra comer. Que seria de nós. Hein?
-Eita negócio brabo. A coisa tá pegando fogo. Nunca vi. Parece que o mundo vai pegar é fogo. Meu Jesus. Vai o mundo velho desta vez vai, ou vai ou racha.Kkkkkkkkkkkkkkkkkk.
-Se não chover daqui prá dezembro, vai morrer gado e gente.
-Vou vender minha terra, porque lá não tem mais água. Adianta terra sem água? Vou vender tudo, não vou morrer de sede não.
-Sem água a gente não tem nada.
-A sorte é o carro pipa e alguns poços. A água do poço é salgada.
-Padre Djacy, graças a Deus que Lula e Dilma estão fazendo a transposição pra trazer água pra nós. Se não Lula e Dilma, nenhum politico fazia essa transposição.
-Quando a transposição chegar nós devemos agradecer a Deus, depois a Lula e a Dilma.
-Faz quinze dias que andei no açude da cachoeira, e fiquei assombrado com o cenário devastador. O açude simplesmente seco, padre Djacy.
-Hoje é um castigo grande. Eita castigo do céu.
-A situação é feia. Nós estamos mortos.
-Onde a gente mora, seu vigário, não vem nem água nem comida, nada de bom vem pra nós. Só vem politico pedir nossos votos. Isso, sim, vem. E vem de monte. Parece um bando de urubus em cima de carniça. Todo dia tem político na nossa porta. Eles nunca vêm, mas na eleição, não falta.
            Nas minhas andanças por este sertão em brasa, onde o chão é esturricado, rachado, onde a água e a comida não existem, deixando milhares de seres humanos com fome e sede, nada falo, apenas ouço o grito pungente dos meus queridos conterrâneos. E esse grito é ensurdecedor, desesperador, tanto quanto o grito do profeta das lamentações:
 “Ó vós todos, que passais pelo o caminho, olhai e julgai se existe dor igual à dor
que me atormenta” (lam. 1,12).

Padre Djacy  Brasileiro, em 15 de janeiro  2017.
E-mail: padredjacy@hotmail.com

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