A mãe de Celso, dona Maria Alice, era sertaneja de muitas gerações. Seu pai,
o coronel Ernesto Monteiro, também sertanejo, passara um tempo em
Manaus e voltara com dinheiro suficiente para comprar a Fazenda do
Pintado, perto de Souza, onde morou toda a vida. O pai de Celso, dr.
Maurício, era de João Pessoa mas, muito jovem, conheceu dona Maria Alice
no Pintado e, recém-casado, foi trabalhar na Mesa de Rendas de Pombal.
Aí nasceram Antonieta, a primogênita, em 1918, e Celso, em 1920. Em
1924, correu insistentemente a notícia de que os cangaceiros iam entrar
na cidade, como já tinham entrado em outras. Não sei se foi boato falso,
mas compreensivelmente dr. Maurício se preocupou com a notícia -- pois
as incursões e os ataques dos cangaceiros faziam estragos consideráveis
-- e mandou a mulher e os filhos pequenos para João Pessoa, na época
ainda cidade da Paraíba. Lá morava sua mãe, que acolheu nora e netos.
Paralelamente, as condições de trabalho na Mesa de Rendas pioraram e dr.
Mauricio, sendo homem sem fortuna pessoal, acabou se mudando para a
capital, em busca de situação melhor para a família.
Celso tinha recordações vivas de Pombal, embora houvesse deixado a
cidade aos 7 anos. A ameaça dos cangaceiros o impressionou muito em sua
primeira infância, e também a violência das chuvas. Numa dessas
enchentes, a parte dos fundos da casa onde moravam desmoronou, o que
levou a família a deslocar o fogão para a sala, ocasionando certo dia
um início de incêndio e um acidente grave em que o caldeirão de feijão
virou sobre Celso, queimando-o seriamente. Essas lembranças, no entanto,
o marcaram menos do que o orgulho (às vezes disfarçado por seu modo
austero) de ser um "sertanejo", isto é, alguém resistente, correto,
"couro duro", como ele dizia. Não tenho dúvida de que Pombal lhe deixou
marcas fundas.
Quando viemos ao Brasil pela primeira vez (ele e eu morávamos na França), fez questão de me levar a Pombal. De Fortaleza, onde estávamos, descemos para a Paraíba, que percorremos de uma ponta a outra, com uma escala prolongada na cidade, onde ele reviu e fotografou a casa em que nasceu, me mostrou, vaidoso, a velha Cadeia, a Matriz, as outras igrejas. Lembro-me de, outro dia, em Paris, entrarmos num sebo e Celso sair de lá com um mapa do Brasil, do século XIX, justamente porque Pombal estava em destaque na província da Parahyba. Ainda meses antes de falecer, em 2004, ele demonstrava numa pequena frase o orgulho: "nunca disputei cargos de prestígio ou prebendas decorativas, e como sertanejo que sou posso dizer que ganhei a vida com o suor de meu rosto".
(*) Rosa Freire d'Aguiar Furtado , viúva de Celso Furtado, é jornalista, Presidente Cultural do Cento Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento.
Quando viemos ao Brasil pela primeira vez (ele e eu morávamos na França), fez questão de me levar a Pombal. De Fortaleza, onde estávamos, descemos para a Paraíba, que percorremos de uma ponta a outra, com uma escala prolongada na cidade, onde ele reviu e fotografou a casa em que nasceu, me mostrou, vaidoso, a velha Cadeia, a Matriz, as outras igrejas. Lembro-me de, outro dia, em Paris, entrarmos num sebo e Celso sair de lá com um mapa do Brasil, do século XIX, justamente porque Pombal estava em destaque na província da Parahyba. Ainda meses antes de falecer, em 2004, ele demonstrava numa pequena frase o orgulho: "nunca disputei cargos de prestígio ou prebendas decorativas, e como sertanejo que sou posso dizer que ganhei a vida com o suor de meu rosto".
(*) Rosa Freire d'Aguiar Furtado , viúva de Celso Furtado, é jornalista, Presidente Cultural do Cento Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento.
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