Do ponto de vista teórico, os casamentos com altos e duradouros
lances de romantismo deveriam ser muito mais frequentes que aqueles
baseados em uma sexualidade rica e exuberante. Mas, na prática, isso não
ocorre.
Não quero dizer que sejam tão comuns as uniões
sexualmente satisfatórias, mas que são raríssimos os casais que
conseguem viver, ao longo de várias décadas, uma experiência sentimental
bonita, daquelas de encher o coração de alegria e os olhos de lágrimas,
de tanta emoção.
As coisas costumam
ser mal colocadas desde o começo. A grande maioria dos casamentos ocorre
entre uma pessoa apaixonada e outra que prefere ser objeto da paixão.
Enquanto a primeira – mais generosa – oferece, a segunda – mais egoísta –
recebe. A mais generosa tem coragem de amar. A egoísta tem medo de
sofrer e se protege da dor do amor ao não se abrir demais para a
relação.
As uniões desse tipo apresentam momentos bonitos, é
claro. Possibilitam até mesmo uma vida sexual de permanente conquista.
Sim, porque o egoísta nunca se entrega totalmente ao outro, de modo que o
generoso estará sempre tentando conquistá-lo. Esse fenômeno costuma
gerar alguns instantes de profundo encontro, mas são momentos vãos, que
logo se desfazem. E o corre-corre das brigas e da luta pela conquista
volta. No entanto, esse é apenas um dos aspectos da questão.
Outro
fator de peso está nas diferenças de temperamento (generosos e egoístas
são bastante diferentes), de gosto e interesses. Na vida prática, no
dia-a-dia, as divergências de opinião e a falta de um projeto comum
provocam irritação permanente. E isso não vale só para as grandes
diferenças.
O cotidiano se faz realmente nas pequenas coisas: Onde vamos jantar?
Que amigos vamos convidar? Onde vamos passar as férias? A que filme
vamos assistir? Como agiremos com as crianças? O que faremos com os
parentes? E assim por diante. São justamente estas pequenas contradições
que provocam a irritação, a raiva e, portanto, a maioria das brigas. As
afinidades aproximam as pessoas, enquanto as diferenças as afastam.
Além
do mais, a oposição é a raiz da inveja: o baixo inveja o alto; o gordo,
o magro; o preguiçoso, o determinado; o introvertido, o sociável. E a
inveja é inimiga do diálogo. Nesse tipo de união, as brigas serão o
normal no relacionamento e os momentos de encontro e harmonia serão
exceções cada vez mais raras.
Eu disse que, do ponto de vista
teórico, a felicidade romântica no casamento poderia ser bastante comum
porque o amor não padece do desejo de novidade que tanto agrada ao sexo.
Ao
contrário, o amor é apego, é vontade de aconchego, de tranquila
intimidade. Trata-se de um sentimento que floresce e frutifica melhor
quando tudo é exatamente igual e antigo. Gostamos da nossa casa, daquela
velha roupa que nos agasalha tão bem. Gostamos de voltar aos mesmos
lugares do passado, da nossa cidade, do nosso país.
Queremos
também sentir essa solidez e estabilidade com o nosso parceiro amoroso.
Amor é paz e descanso e deriva justamente do fato de uma pessoa conhecer
e entender bem a outra. Por isso, é importante que as afinidades, as
semelhanças, predominem sobre as diferenças de temperamento, caráter e
projetos de vida.
Seres humanos parecidos poderão viver uma
história de amor rica e de duração ilimitada. Não terão motivos para
divergências. Não sentirão inveja.
Um último alerta – além da
lição que se pode tirar da experiência, acima descrita, dos raros casais
que vivem harmoniosamente – é que cada um deve procurar se unir a seu
igual. Só assim o amor não será um momento fugaz.
Para que a intimidade não se transforme em tédio e continue a ser
rica e estimulante, é necessário que o casal faça planos em comum e que
depois se empenhe em executá-los.
De nada adianta fugir para uma
ilha deserta para curtir a paixão maior. Quem fizer isso provavelmente
voltará, depois de dois meses, decepcionado com a vida e com o amor.
A vida é um veículo de duas rodas: só se equilibra em movimento.
Para
que duas pessoas se tornem uma unidade é preciso criar um objetivo: ter
filhos, construir uma casa, um patrimônio, uma carreira profissional,
um ideal… o conteúdo em si não interessa. Seja qual for, é a
cumplicidade que transforma o amor em algo fundamental. Fazer planos é
sempre uma aventura excitante. É sobre eles que mais adoramos sonhar
juntos.
Texto de Flávio Gikovate
Flávio
Gikovate é médico-psiquiatra, psicoterapeuta, conferencista e escritor.
Atualmente apresenta o programa “No Divã do Gikovate”, na rádio CBN. O
texto acima foi extraído de seu site oficial. O qual convidamos todos a conhecerem. Conheçam também sua página oficial no Facebook.
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