quarta-feira, 30 de novembro de 2016
Falta d'água
Numa noite de sexta-feira, véspera de um fim de semana prolongado, os moradores do
Edifício Copan que tinham um emprego do qual voltar encontraram um aviso do síndico
colado nas portas dos elevadores. As cópias xerox de um bilhete escrito à mão diziam:
Prezados senhores condôminos. Lamento informar que a bomba d’água quebrou e que ficaremos sem água por um período de 72 a 96 horas. Sem mais para o momento, Peixoto.
Quem estava de viagem marcada para passar o feriadão fora não conseguiu evitar um sentimento de desdém pelos pobretões que iam ter que enfrentar a estiagem em São Paulo. “Quando voltarmos, o problema já terá sido resolvido”, avaliaram, deixando para trás um edifício que torrava num verão de 35 graus.
Fora uns dois milhares de viajantes, sobraram cinco mil moradores que passaram a representar corajosamente o papel de bombas d’água humanas para manter seus lares irrigados. Pelo menos podiam contar com a água das torneiras da garagem!
E lá foram eles dentro dos elevadores, num contínuo sobe-e-desce, bombeando água entre o trigésimo segundo andar e o segundo subsolo, carregando baldes, panelas, caldeirões, garrafas de Coca litro, regadores, moringas e tudo quanto pudesse comportar água, inclusive latas grandes que um dia contiveram tinta. Se houve um jardim constantemente regado naquele feriado, esse jardim foi o piso dos elevadores.
A garagem, antes fria, árida e obscura, agora abrigava alguma vida social que começava a germinar em volta das torneiras. Vizinhos que mal se olhavam passaram a trocar umas palavrinhas durante o abastecimento de um balde ou de um galão. Mocinhas namoradeiras aprenderam a hora em que seus eleitos estariam na frente das torneiras e, maquiadas para festa, iam buscar água em traje de passeio. Algumas compraram baldes novos, envergonhadas com a exposição de seus utensílios gastos pelo uso. Outras combinaram as vestimentas com as cores dos baldes.
Moleques de rua que vadiavam pela vizinhança encontraram um novo jeito de ganhar uns trocos. Encarapitados nos corrimões da garagem, ofereciam seus serviços a senhoras de meia-idade. “Vai uma ajuda aí, tia?”. Elas aceitavam, deixando-os sacudir desajeitados os baldes que iam derramando água pelo caminho de seus apartamentos.
Quantas receitas de doces e salgados não foram trocadas na fila de espera para um banho de chuveiro à porta do banheiro malcheiroso da garagem! Houve uma tarde em que até uma equipe de televisão apareceu lá para fazer uma reportagem.
Jovens mães acharam mais prático descer suas trouxas de roupa suja e instalar-se diante de uma torneira para esfregar shorts e fraldas à vontade. Ao lado delas, senhores solitários tentavam recuperar a cor branca de punhos e colarinhos de camisas puídas. Donas de casa caprichosas areavam bules e frigideiras, acompanhadas pelas filhas pequenas que, só de calcinha, chapinhavam nas poças brincando de piscina.
Limpas as roupas e fulgurantes as panelas, gente, baldes e bacias amontoavam-se dentro dos incansáveis elevadores para subir o arquitetônico morro de concreto.
Terminado o feriadão, voltaram de viagem os dois mil moradores de melhor sorte. À porta dos elevadores, encontraram um aviso:
Senhores condôminos. Devido a problemas com a nova bomba d’água, lamento informar que ficaremos sem água por mais 96 horas. Faz-se necessário dizer que todos os esforços estão sendo envidados no sentido de superarmos este difícil momento do Edifício Copan. Peixoto.
— É um abuso! — rosnava a cartomante do 21-E. — O abastecimento de água pode atrasar, mas se o pagamento do condomínio atrasar, lá vem multa!
— A administração não presta! — desabafava a bicha cinqüentona do 32-E, abraçada ao seu pequeno cantil recém-abastecido. — Como é que nós não temos uma porra de uma bomba sobressalente?
— Temos que chamar esse síndico no saco! — conclamou a cartomante, desembarcando no seu andar uma cesta de lençóis torcidos.
Naquela noite, cerca de cem moradores reuniram-se na garagem para exigir do síndico uma satisfação. Cem não era um número representativo dos sete mil moradores do prédio, mas isso era um detalhe irrelevante face à emergência. Maria, a louca do 20-E que andava vestida de santa, contribuía para a manifestação com a voz fanhosa do seu megafone:
— Que a Virgem Maria faça correr água benta nos canos do Edifício Copan!
O síndico era criatura de muita sensibilidade e pouca firmeza. Em alguns meses de mandato percebera que não tinha vocação para prefeito de uma cidade vertical cheia de contrastes e problemas. Já tivera que aumentar a taxa do condomínio quatro vezes por conta de reformas hidráulicas, elétricas e mecânicas, e quanto mais consertava o prédio mais estrago aparecia.
Chegou à assembléia uma hora e meia atrasado, quando a reunião se reduzia a cinqüenta e dois gatos pingados mais a Maria que era sempre a última a abandonar eventos de qualquer natureza. Justificou o atraso, deu razão aos condôminos, pediu perdão pelo transtorno, creditou o problema da bomba d’água à administração anterior, ressaltou seu empenho em normalizar a situação e anunciou sua renúncia para o início do mês seguinte. Quem quisesse que administrasse aquele abacaxi.
— Frescura de boneca — cochichou a cartomante a uma vizinha. — Diz que vai renunciar só para ver se a gente grita “Fica! Fica!”.
A notícia da renúncia do síndico deu aos moradores a impressão de que a situação melhorava e que em algum ponto do universo uma entidade justiceira trabalhava para vingá-los.
Ao fim de outros quatro dias, quase todos os elevadores tinham pifado devido ao excesso de uso. Pelo mesmo motivo, as torneiras da garagem também não funcionavam mais, e foram amarradas com tiras de pano e elásticos.
Então a bomba d’água começou a funcionar, injetando fluido vital nas veias do edifício. Revigorados, os moradores lavaram seus pisos, suas coisas, seus corpos e suas almas. O líquido amenizou a aspereza daquelas existências e serviu como emoliente dos corações endurecidos pelo desconforto. Os ânimos se acalmaram, até que veio a conta do condomínio do mês. Junto, uma mensagem datilografada do síndico:
Senhores condôminos. Lamento informar que devido à aquisição de duas bombas d’água, ao reparo dos elevadores e à troca das torneiras da garagem, a taxa do condomínio subiu 80%. Cordialmente, Peixoto.
Prezados senhores condôminos. Lamento informar que a bomba d’água quebrou e que ficaremos sem água por um período de 72 a 96 horas. Sem mais para o momento, Peixoto.
Quem estava de viagem marcada para passar o feriadão fora não conseguiu evitar um sentimento de desdém pelos pobretões que iam ter que enfrentar a estiagem em São Paulo. “Quando voltarmos, o problema já terá sido resolvido”, avaliaram, deixando para trás um edifício que torrava num verão de 35 graus.
Fora uns dois milhares de viajantes, sobraram cinco mil moradores que passaram a representar corajosamente o papel de bombas d’água humanas para manter seus lares irrigados. Pelo menos podiam contar com a água das torneiras da garagem!
E lá foram eles dentro dos elevadores, num contínuo sobe-e-desce, bombeando água entre o trigésimo segundo andar e o segundo subsolo, carregando baldes, panelas, caldeirões, garrafas de Coca litro, regadores, moringas e tudo quanto pudesse comportar água, inclusive latas grandes que um dia contiveram tinta. Se houve um jardim constantemente regado naquele feriado, esse jardim foi o piso dos elevadores.
A garagem, antes fria, árida e obscura, agora abrigava alguma vida social que começava a germinar em volta das torneiras. Vizinhos que mal se olhavam passaram a trocar umas palavrinhas durante o abastecimento de um balde ou de um galão. Mocinhas namoradeiras aprenderam a hora em que seus eleitos estariam na frente das torneiras e, maquiadas para festa, iam buscar água em traje de passeio. Algumas compraram baldes novos, envergonhadas com a exposição de seus utensílios gastos pelo uso. Outras combinaram as vestimentas com as cores dos baldes.
Moleques de rua que vadiavam pela vizinhança encontraram um novo jeito de ganhar uns trocos. Encarapitados nos corrimões da garagem, ofereciam seus serviços a senhoras de meia-idade. “Vai uma ajuda aí, tia?”. Elas aceitavam, deixando-os sacudir desajeitados os baldes que iam derramando água pelo caminho de seus apartamentos.
Quantas receitas de doces e salgados não foram trocadas na fila de espera para um banho de chuveiro à porta do banheiro malcheiroso da garagem! Houve uma tarde em que até uma equipe de televisão apareceu lá para fazer uma reportagem.
Jovens mães acharam mais prático descer suas trouxas de roupa suja e instalar-se diante de uma torneira para esfregar shorts e fraldas à vontade. Ao lado delas, senhores solitários tentavam recuperar a cor branca de punhos e colarinhos de camisas puídas. Donas de casa caprichosas areavam bules e frigideiras, acompanhadas pelas filhas pequenas que, só de calcinha, chapinhavam nas poças brincando de piscina.
Limpas as roupas e fulgurantes as panelas, gente, baldes e bacias amontoavam-se dentro dos incansáveis elevadores para subir o arquitetônico morro de concreto.
Terminado o feriadão, voltaram de viagem os dois mil moradores de melhor sorte. À porta dos elevadores, encontraram um aviso:
Senhores condôminos. Devido a problemas com a nova bomba d’água, lamento informar que ficaremos sem água por mais 96 horas. Faz-se necessário dizer que todos os esforços estão sendo envidados no sentido de superarmos este difícil momento do Edifício Copan. Peixoto.
— É um abuso! — rosnava a cartomante do 21-E. — O abastecimento de água pode atrasar, mas se o pagamento do condomínio atrasar, lá vem multa!
— A administração não presta! — desabafava a bicha cinqüentona do 32-E, abraçada ao seu pequeno cantil recém-abastecido. — Como é que nós não temos uma porra de uma bomba sobressalente?
— Temos que chamar esse síndico no saco! — conclamou a cartomante, desembarcando no seu andar uma cesta de lençóis torcidos.
Naquela noite, cerca de cem moradores reuniram-se na garagem para exigir do síndico uma satisfação. Cem não era um número representativo dos sete mil moradores do prédio, mas isso era um detalhe irrelevante face à emergência. Maria, a louca do 20-E que andava vestida de santa, contribuía para a manifestação com a voz fanhosa do seu megafone:
— Que a Virgem Maria faça correr água benta nos canos do Edifício Copan!
O síndico era criatura de muita sensibilidade e pouca firmeza. Em alguns meses de mandato percebera que não tinha vocação para prefeito de uma cidade vertical cheia de contrastes e problemas. Já tivera que aumentar a taxa do condomínio quatro vezes por conta de reformas hidráulicas, elétricas e mecânicas, e quanto mais consertava o prédio mais estrago aparecia.
Chegou à assembléia uma hora e meia atrasado, quando a reunião se reduzia a cinqüenta e dois gatos pingados mais a Maria que era sempre a última a abandonar eventos de qualquer natureza. Justificou o atraso, deu razão aos condôminos, pediu perdão pelo transtorno, creditou o problema da bomba d’água à administração anterior, ressaltou seu empenho em normalizar a situação e anunciou sua renúncia para o início do mês seguinte. Quem quisesse que administrasse aquele abacaxi.
— Frescura de boneca — cochichou a cartomante a uma vizinha. — Diz que vai renunciar só para ver se a gente grita “Fica! Fica!”.
A notícia da renúncia do síndico deu aos moradores a impressão de que a situação melhorava e que em algum ponto do universo uma entidade justiceira trabalhava para vingá-los.
Ao fim de outros quatro dias, quase todos os elevadores tinham pifado devido ao excesso de uso. Pelo mesmo motivo, as torneiras da garagem também não funcionavam mais, e foram amarradas com tiras de pano e elásticos.
Então a bomba d’água começou a funcionar, injetando fluido vital nas veias do edifício. Revigorados, os moradores lavaram seus pisos, suas coisas, seus corpos e suas almas. O líquido amenizou a aspereza daquelas existências e serviu como emoliente dos corações endurecidos pelo desconforto. Os ânimos se acalmaram, até que veio a conta do condomínio do mês. Junto, uma mensagem datilografada do síndico:
Senhores condôminos. Lamento informar que devido à aquisição de duas bombas d’água, ao reparo dos elevadores e à troca das torneiras da garagem, a taxa do condomínio subiu 80%. Cordialmente, Peixoto.
Regina Rheda
Aí pelas Três da Tarde
Nesta sala atulhada de mesas, máquinas e papéis, onde invejáveis escreventes dividiram
entre si o bom senso do mundo, aplicando-se em ideas claras apesar do ruído e do
mormaço, seguros ao se pronunciarem sobre problemas que afligem o homem moderno (espécie
da qual você, milenarmente cansado, talvez se sinta um tanto excluído), largue tudo de
repente sob os olhares a sua volta, componha uma cara de louco quieto e perigoso, faça os
gestos mais calmos quanto os tais escribas mais severos, dê um largo "ciao" ao
trabalho do dia, assim como quem se despede da vida, e surpreenda pouco mais tarde, com
sua presença em hora tão insólita, os que estiveram em casa ocupados na limpeza dos
armários, que você não sabia antes como era conduzida. Convém não responder aos
olhares interrogativos, deixando crescer, por instantes, a intensa expectativa que se
instala. Mas não exagere na medida e suba sem demora ao quarto, libertando aí os pés
das meias e dos sapatos, tirando a roupa do corpo como se retirasse a importância das
coisas, pondo-se enfim em vestes mínimas, quem sabe até em pêlo, mas sem ferir o decoro
(o seu decoro, está claro), e aceitando ao mesmo tempo, como boa verdade provisória,
toda mudança de comportamento. Feito um banhista incerto, assome em seguida no trampolim
do patamar e avance dois passos como se fosse beirar um salto, silenciando de vez,
embaixo, o surto abafado dos comentários. Nada de grandes lances. Desça, sem
pressa, degrau por degrau, sendo tolerante com o espanto (coitados!) dos pobres
familiares, que cobrem a boca com a mão enquanto se comprimem ao pé da escada. Passe por
eles calado, circule pela casa toda como se andasse numa praia deserta (mas sempre com a
mesma cara de louco ainda não precipitado) e se achegue depois, com cuidado e ternura,
junto à rede languidamente envergada entre plantas lá no terraço. Largue-se nela como
quem se larga na vida, e vá ao fundo nesse mergulho: cerre as abas da rede sobre os olhos
e, com um impulso do pé (já não importa em que apoio), goze a fantasia de se sentir
embalado pelo mundo.
Raduan Nassar
Texto extraído do livro "Menina a caminho", Companhia das Letras - São Paulo, 1997. pág.71.
terça-feira, 29 de novembro de 2016
O que se sabe e o que não está confirmado sobre a tragédia da Chapecoense
O avião que transportava a delegação da Chapecoense a Medellín, na
Colômbia, para o jogo de ida da final da Copa Sul-Americana, contra o
Atlético Nacional, caiu na madrugada desta terça-feira (29), quando se
aproximava do aeroporto José María Córdova. Veja o que já se sabe e o
que não está confirmado a respeito da tragédia.
Sobreviventes
Segundo a Aviação Civil colombiana, 75 pessoas morreram. Seis
sobreviveram à queda do avião: os jogadores Follmann, Neto e Alan
Ruschel, o jornalista Rafael Henzel e os tripulantes Ximena Suárez e
Erwin Tumiri.
Entre os sobreviventes confirmados, o lateral Alan
Ruschel está em estado grave, mas estável. Ele sofreu uma fratura em
uma vértebra da coluna, passou por cirurgia e corre o risco de ficar
paraplégico.
Já a respeito do goleiro Follmann, o hospital San
Vicente, no qual ele está internado, não confirmou, até o momento, a
informação divulgada pela imprensa colombiana de que ele teria tido uma
perna amputada.
O zagueiro Neto foi o último a ser resgatado com
vida do local do acidente e também chegou em estado grave ao hospital,
com traumatismo craniano e fraturas expostas. Ele passa por cirurgia.
Sobre o goleiro Danilo, ainda não há uma confirmação oficial. A Cruz
Vermelha divulgou uma lista com o nome do atleta entre os sobreviventes,
mas segundo o jornal El Colombiano, o atleta não resistiu aos
ferimentos e morreu a caminho do hospital.
O processo de identificação de todos os corpos das vítimas deve tomar três dias.
Causas do acidente
As investigações sobre os motivos da queda do avião ainda estão em
estágio inicial. As principais hipóteses são que a aeronave tenha ficado
sem combustível ou que tenha sofrido problemas elétricos.
Segundo Alfredo Bocanegra, diretor da Aviação Civil colombiana, o
registro da comunicação do avião com funcionários de aviação da Bolívia
sugere a falha elétrica. Porém, segundo o depoimento de Ximena Suárez,
uma das tripulantes sobreviventes, a falta de combustível teria sido o
problema.
O ministério dos Transportes da Colômbia informou que
as caixas-pretas do avião foram encontradas, o que deve ajudar no
esclarecimento das causas do acidente.
A empresa aérea que
transportava a delegação é a Lamia, da Bolívia. Segundo a Aviação Civil
boliviana, a aeronave foi inspecionada no aeroporto de Viru Viru, em
Santa Cruz de la Sierra, antes do embarque da Chapecoense, e não
apresentou problemas.
Consequências esportivas
A
Conmebol cancelou a decisão da Copa Sul-Americana, e o presidente da
entidade, Alejandro Domínguez, embarcou para Medellín. A diretoria do
Atlético Nacional solicitou à Conmebol que a Chapecoense seja declarada
campeã do torneio, e a torcida do clube colombiano fará uma homenagem ao
time brasileiro no estádio Atanasio Girardot, nesta quarta-feira (30),
no horário em que o jogo de ida da final seria realizado.
Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Santos já anunciaram, por meio de
nota oficial conjunta, que vão emprestar gratuitamente jogadores para a
Chapecoense no ano que vem. Também há uma mobilização para que o clube
catarinense não seja rebaixado nas próximas três edições do Campeonato
Brasileiro, independentemente de sua posição na tabela.
Do UOL, em São Paulo
Desilusão
Como a folha no vento pelo espaço
Eu sinto o coração aqui no peito,
De ilusão e de sonho já desfeito,
A bater e a pulsar com embaraço.
Se é de dia, vou indo passo a passo
Se é de noite, me estendo sobre o leito,
Para o mal incurável não há jeito,
É sem cura que eu vejo o meu fracasso.
Do parnaso não vejo o belo monte,
Minha estrela brilhante no horizonte
Me negou o seu raio de esperança,
Tudo triste em meu ser se manifesta,
Nesta vida cansada só me resta
As saudades do tempo de criança.
(Mantida a grafia original)
Antônio Gonçalves da Silva, conhecido como Patativa do Assaré,
Eu sinto o coração aqui no peito,
De ilusão e de sonho já desfeito,
A bater e a pulsar com embaraço.
Se é de dia, vou indo passo a passo
Se é de noite, me estendo sobre o leito,
Para o mal incurável não há jeito,
É sem cura que eu vejo o meu fracasso.
Do parnaso não vejo o belo monte,
Minha estrela brilhante no horizonte
Me negou o seu raio de esperança,
Tudo triste em meu ser se manifesta,
Nesta vida cansada só me resta
As saudades do tempo de criança.
(Mantida a grafia original)
Antônio Gonçalves da Silva, conhecido como Patativa do Assaré,
A ladeira e a árvore
A ladeira era muito íngreme. Ele resfolegava após um conjunto de
passos. Parava a cada dúzia de metros e se lembrava dos anos de
menino. Como era grande para ele, agora! Agigantava-se, todavia, com
serena altivez. Os passos antes lépidos e desafiadores daquele
íngreme pico diariamente conquistado foram trocados por outros,
prudentes, seguidos de excitada aceleração no coração. Lá em cima,
dissipava-se o cansaço, substituído pelo prazer de um afago no
tronco daquela árvore caprichosamente ali nascida. No meio da rua.
Por longos momentos ficava parado, olhando sua rua. A imagem aterradora das aulas de direção, com suas tensas trocas de marcha na subida interminável, dissipava-se, tornando a visão do passado um remansoso prazer. Gostava de ficar ali naquela espaçada área de contemplação e achego. Lá em cima, aquele acidente geográfico era sua cidadela contra os ataques da cidade grande. Abrigara sua inocência e agora reconfortava suas lembranças duramente curtidas por um corpo enrijecido pelo tempo.
Aquela árvore parecia vergar-se para o aconchego de seu corpo. Algo como um gozo, que umedecesse o tronco generoso e aflorasse os galhos de onde despencavam gotas adocicadas. O cheiro era de carmim. Majestosa, exalava sua sensualidade, mesmo no outono, a cruel estação que expunha com crueldade sua nudez. A nudez de alguém entrado em anos, muitos anos. O verão, cruento, não vencia sua altivez. Ali, exposta, resistia com invencível bravura às intempéries do calor ou da chuva.
Ele não a decepcionava, acariciando seu tronco, soprando a poeira e fuligem de suas folhas, separando o lixo que a insensibilidade moral dos vizinhos insistia em depositar a seus pés. Foram anos e anos. Recostava-se nela, de frente, sua visão decrépita se alongava para a ladeira, agora sob a escura folhagem das árvores que a ladeavam com exuberantes copas.
A relação de amor dos dois, com o tempo ,tramou insondáveis desejos, como arrancar a árvore para um passeio pela ladeira. E tal se deu, escorregando pelas pedras úmidas e agarradas ao tronco forte e vigoroso que ainda vicejava e esparramava sua gosma. À surrealista cena não desapontou a natureza das coisas ao acolher a ladeira, em seu útero, por entre suas pedras, os pequeninos grãos caídos da árvore, enraizados, protegidos pelos galhos que maternalmente se fechavam, um a um, em harmônica coreografia, enquanto a árvore, agora deitada, dormia, embalada no choro daquele homem.
Por longos momentos ficava parado, olhando sua rua. A imagem aterradora das aulas de direção, com suas tensas trocas de marcha na subida interminável, dissipava-se, tornando a visão do passado um remansoso prazer. Gostava de ficar ali naquela espaçada área de contemplação e achego. Lá em cima, aquele acidente geográfico era sua cidadela contra os ataques da cidade grande. Abrigara sua inocência e agora reconfortava suas lembranças duramente curtidas por um corpo enrijecido pelo tempo.
Aquela árvore parecia vergar-se para o aconchego de seu corpo. Algo como um gozo, que umedecesse o tronco generoso e aflorasse os galhos de onde despencavam gotas adocicadas. O cheiro era de carmim. Majestosa, exalava sua sensualidade, mesmo no outono, a cruel estação que expunha com crueldade sua nudez. A nudez de alguém entrado em anos, muitos anos. O verão, cruento, não vencia sua altivez. Ali, exposta, resistia com invencível bravura às intempéries do calor ou da chuva.
Ele não a decepcionava, acariciando seu tronco, soprando a poeira e fuligem de suas folhas, separando o lixo que a insensibilidade moral dos vizinhos insistia em depositar a seus pés. Foram anos e anos. Recostava-se nela, de frente, sua visão decrépita se alongava para a ladeira, agora sob a escura folhagem das árvores que a ladeavam com exuberantes copas.
A relação de amor dos dois, com o tempo ,tramou insondáveis desejos, como arrancar a árvore para um passeio pela ladeira. E tal se deu, escorregando pelas pedras úmidas e agarradas ao tronco forte e vigoroso que ainda vicejava e esparramava sua gosma. À surrealista cena não desapontou a natureza das coisas ao acolher a ladeira, em seu útero, por entre suas pedras, os pequeninos grãos caídos da árvore, enraizados, protegidos pelos galhos que maternalmente se fechavam, um a um, em harmônica coreografia, enquanto a árvore, agora deitada, dormia, embalada no choro daquele homem.
Roberto Couto
As maiores frases de Carl Sagan
" Um livro é a prova de que os seres humanos são capazes de fazer magia."
"A ciência não é só compatível com a espiritualidade; é uma profunda fonte de espiritualidade."
"A ciência é muito mais do que um corpo de conhecimento. É uma maneira de pensar."
"Cada um de nós é, sob uma perspectiva cósmica, precioso."
"Vivemos em uma sociedade extremamente dependente da ciência e tecnologia, na qual pouquíssimos sabem alguma coisa sobre ciência e tecnologia."
"Não é possível convencer um crente de coisa alguma"
"Se não existe vida fora da Terra, então o Universo é um grande desperdício de espaço."
"para criaturas tão pequenas como nós, a vastidão só é suportável através do amor."
"Alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias."
segunda-feira, 28 de novembro de 2016
Um futuro para Cuba
Noticiada a morte de Fidel Castro,
e dadas a relevância do personagem e a enorme marca que deixou, é
inevitável abrir uma discussão sobre o valor e o significado de sua
figura. Ninguém pode entender o século XX de forma adequada sem fazer
referência à Serra Maestra, à crise dos mísseis cubanos e à resistência
tenaz oferecida pela Cuba de Fidel Castro diante das pressões dos Estados Unidos.
Mas, quando o tempo da reflexão der lugar ao da ação, só restará uma pergunta relevante no ar: o que será de Cuba? Desde 1959, a ilha representa uma anomalia na geografia política do continente americano. Enquanto os vizinhos latino-americanos
transitavam de forma turbulenta e ziguezagueante entre a democracia
liberal, o autoritarismo conservador, o populismo de esquerda e de volta
à democracia, Cuba consolidou um modelo de partido único, economia
coletivizada e alianças internacionais tão inédito como irrepetível.
Desde então, os entusiastas do castrismo e da Revolução
Cubana se serviram dessa anomalia para denunciar a falsidade das
promessas da ordem liberal-democrática. Para os críticos, entretanto,
Cuba simboliza todos os erros possíveis de uma ideologia, o comunismo,
que em todos os lugares onde se impôs transformou a utopia marxista de
uma sociedade igualitária em uma imensa prisão a céu aberto,
caracterizada pela repressão das liberdades e uma forte escassez
material.
Mas, indo além do julgamento histórico e moral, que indevidamente desenhará seus matizes de acordo com a perspectiva e os marcos de referência adotados, o importante agora é pôr fim a uma segunda anomalia, talvez ainda mais excepcional: o prolongamento do castrismo, um regime estabelecido no cruzamento entre a Guerra Fria e os movimentos de descolonização da segunda metade do século passado, até bem entrado o século XXI. Porque a maior crítica que se pode fazer ao regime castrista é a de ter feito muito para se fossilizar e muito pouco para se antecipar a um futuro que, claramente, sabia-se inevitável.
Como mostram os casos da China e do Vietnã, uma vez terminada a Guerra Fria os regimes comunistas demonstraram a capacidade de gerar líderes capazes de ler as demandas por mudança provenientes de suas sociedades e combiná-las com as oportunidades oferecidas por um ambiente internacional em mutação. Cuba, entretanto, decidiu, também nesse quesito, ser uma exceção, em que o regime castrista antepõe seus preconceitos ideológicos às necessidades da sua população e demonstra, além do contínuo rechaço a abrir espaços ao pluralismo político, uma completa incapacidade de prover sequer um mínimo bem-estar material.
Fidel Castro soube espremer ao máximo o conflito com os EUA para garantir o apoio diplomático e econômico dos inimigos de Washington, passando, sucessivamente, dos braços da União Soviética para os da China e, finalmente, os da Venezuela de Chávez. Mas nesse caminho de dependência Cuba construiu uma economia inviável e um regime tão galvanizado pelo conflito e fechado à mudança que estes se tornaram dois obstáculos formidáveis para uma mudança pacífica. Por isso, o julgamento mais severo a ser feito sobre Fidel Castro e sua figura não deveria se centrar tanto no seu passado, e sim na sua incapacidade de antecipar o futuro. Castro deixa uma sombra tão longa que, teme-se, poderá se projetar sobre o horizonte, bloqueando ou transtornando as reivindicações da população por uma mudança pacífica e democrática.
A sociedade cubana deseja hoje uma mudança, mas as ferramentas para transformar esses desejos em realidade são muito rudimentares. É verdade que desde que Fidel Castro se afastou do poder e o deixou nas mãos de seu irmão Raúl, em 2006, ocorreram alguns avanços importantes. Mas foram e são muito lentos e insuficientes. A normalização das relações com os EUA e a mudança na política econômica e migratória são sem dúvida um bom ponto de partida, que esperamos que Trump saiba respeitar. Também é um bom ponto de partida a decisão da União Europeia de pôr fim à política de sanções e promover uma aproximação crítica sobre a base de um novo acordo de cooperação econômica e comercial.
A morte de Fidel Castro deveria oferecer uma oportunidade para um novo começo em Cuba, a possibilidade de ajustar o relógio para o século XXI e permitir que os cubanos possam transitar de forma rápida e pacífica para uma democracia representativa e uma economia aberta. E a Espanha, que ficou deslocada e sem capacidade de influência por causa da teimosia do Governo de José María Aznar em se congraçar com os EUA à custa de uma política de desnecessária dureza com Cuba, sendo ultrapassada por outros sócios europeus, tem agora a chance de acompanhar e apoiar um processo de abertura que, além de inevitável, deve ser pactuado e inclusivo.
Editorial do El País
Madame Luana é condenada a 10 anos de prisão
O juiz da Comarca de Conceição, Antonio Eugênio, condenou a dez anos de
prisão a ré, Lucicleide Alves dos Santos, com codinome "Madame Luana",
pelo crime do artigo no 273, §1º-B, incs. I , III, V e VI, todos do
Código Penal, referente a vender, expor à venda, ter em depósito para
vender ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar a consumo o produto
falsificado, corrompido. No mesmo processo, Fredson Cristiano Gomes de
Lima foi absolvido. Com o desmembramento do processo inicial, outros
quatro réus foram absolvidos, enquanto o réu, Ricardo Oliveira, de
codinome "Professor Saturno", já havia sido condenado.
Consta no processo que Madame Luana, Professor Saturno e outras
quatro pessoas foram presas, por volta das 10 horas do dia 7 de março do
ano de 2007, sob acusação da prática de curandeirismo. Na ocasião, foi
apreendido todo o material da quadrilha, incluindo computadores,
veículos e a quantia de 9.350 reais.
Com as investigações realizadas, descobriu-se que os acusados, há
alguns anos, constituíram associação para a prática de crimes, aplicando
golpes sob o nome de “cura pela fé”, onde, instalando-se em locais
denominados “centros esotéricos”, os quadrilheiros, capitaneados pelo
primeiro e sexto denunciados, conhecidos pelo epíteto “Professor
Saturno” e “Madame Luana”, atraiam as pessoas, sempre simples e
insipientes, prometendo-lhe resolver os problemas às custas de suas
“suadas economias”, uma vez que, segundo alega, cada consulta custava o
valor de R$ 50,00 e as vítimas eram submetidas a um “trabalho
espiritual” a base de ervas, banhos, velas, pagando por isso nunca menos
de 2 mil reais.
Assim, de acordo com a inicial acusatória, os acusados inculcavam e
anunciavam o restabelecimento da saúde e resolução de todos os problemas
a partir de site na web, programas de rádio e canais de televisão,
assim como via telefone.
Em vários casos, a quadrilha prescrevia, ministrava e misturava
substâncias tais como ervas, aromatizantes, óleos assim como velas
destinadas à cura do mal, tudo depois de previamente diagnosticada a
enfermidade pelos acusados.
Apurou-se ainda que, em outros casos, a quadrilha, por meio do seu
chefe, constrangia as vítimas mediante ameaça velada com único intuito
de obter dinheiro afirmando que caso as vítimas não entregassem o
dinheiro fatalmente perderiam a vida.
Noticia a peça pórtica, que a quadrilha possuía grande estrutura de
atuação com 9 escritórios no Estado do Pernambuco, além do escritório
desta cidade, de modo que, segundo alega, mostra-se inviável a
quantificação da quantia obtida e quantidade de vítimas.
Com base na peça acusatória, o juiz condenou a ré a 10 anos de
prisão, em regime a ser cumprido, inicialmente fechado, além de multa.
No entanto, Madame Luana poderá recorrer da decisão em liberdade, por
assim estar, durante maior parte do processo.
domingo, 27 de novembro de 2016
Mas acontecem coisas neste mundo!...
Mas acontecem coisas neste mundo!...
O Tenente João Moreira, o Amotinado, o companheiro ou caudatário do Marquês de Lavradio em seus passeios noturnos, era casado e tinha em sua companhia uma cunhada, Josefa, chamada em família Zezé, viúva há um ano.
A esposa do Amotinado era bonita e jovem; mas a Zezé, dois anos mais moça, mais bonita ainda.
O Tenente morava à Rua do Padre Homem da Costa, um pouco acima da dos Ouvires, e sua casa de um só pavimento tinha além da porta de entrada uma outra em curto muro contíguo, a qual só se abria para o serviço dos escravos.
Ora, no último ano do seu vice-reinado o Marquês, apanhado uma noite na Rua do Padre Homem da Costa por súbita e grossa chuva, aceitou o oferecimento do Tenente, recolheu-se à casa deste, e viu Leonor, ou Lolora, como o marido e parentes a chamavam, e a Zezé, sua irmã.
O Marquês ficou encantado, e creio que só em lembrança dos serviços que devia ao Amotinado não pensou em apaixonar-se por ambas.
Enamorado da Zezé, e castigando assim e sem idéia de castigo as vis cumplicidades do Tenente, fez chegar seus recados e proposições amorosas à linda viuvinha, conseguindo comovê-la com a ternura prestigiosa e com a sua singular beleza de Vice-Rei.
Não sei como o Amotinado descobriu o namoro e os projetos do Marquês, e pôs-se alerta para impedir que o vice-real namorado penetrasse em sua casa.
O cem vezes baixo e aviltado cúmplice de entradas noturnas em casas alheias não queria graças pesadas na sua: com outro qualquer teria logo posto fim à história, rompendo em escandaloso conflito do seu costume; como o vice-rei, porém, o caso era outro, e o Tenente sabia que a mais pequena cabeçada leva-lo-ia à forca ou pelo menos ao desterro, ficando não só Zezé mas também Lolora indefesas e à mercê do Marquês, e de outros depois dele.
O Amotinado não fez bulha na família, guardou o seu segredo; e esperou, zelando vigilante e desconfiado a casa.
O Marquês tinha, no entanto, chegado a sorrir a mais terna esperança:
Uma noite o Tenente achou o Vice-Rei de cama em conseqüência de um resfriamento e em uso de sudoríficos.
— Tenente, disse o Vice-Rei com voz trêmula, eu hoje não posso sair; vão rodar até à meia-noite, e vigia bem o Jogo da Bola e a cadeia. Amanhã às oito horas vem dar-me parte do que houver
O Amotinado saiu.
Às onze horas da noite em ponto, o Marquês, disfarçado em oficial de marinha, parou na Rua do Padre Homem da Costa junto à porta do muro contíguo à casa do Tenente e bateu de leve cinco vezes.
Uma voz comprimida e como ansiosa perguntou de dentro.
— Quem é?...
O Marquês respondeu sorrindo:
— Sou o Tenente Amotinado.
O portão abriu-se, e o Marquês recuou um passo, vendo o Tenente que trazia na mão uma lanterna, e disse logo:
— Perdão, Sr. Vice-Rei! Eu sei que há dois Amotinados na cidade, mas nessa casa só entra sem pedir licença o Amotinado verdadeiro.
E trancou a porta.
O Marquês quase que se encolerizou, mas faltou-lhe, o quase, porque imediatamente desatando a rir voltou sobre seus passos e foi dormir e sonhar com a linda viuvinha Zezé.
No outro dia recebeu às oito horas da manhã o Tenente, tratou-o com a maior bondade, riu-se, lembrando-lhe o desapontamento por que passara no portão, louvou-lhe o zelo pela honra da Zezé, e, a rir ainda mais, recomendou-lhe que tivesse cuidado com o falso Amotinado.
Continuaram como dantes em noites determinadas os passeios noturnos do Marquês e do Tenente, este, porém, velava sempre em desconfiança daquele.
Algumas semanas depois, em noite de falha de ronda, o Amotinado, ouvindo o toque das dez horas no sino de S. Bento, correu para casa, porque era a essa hora que o Marquês costumava sair. Chegou, bateu à porta que Lolora veio abrir-lhe um pouco morosa; quando, porém, ia entrando, o Tenente sentiu leve ruído... voltou a chave, fingindo ter trancado a porta e esperou...
Quase logo a porta do muro abriu-se, e por ela saiu um embuçado.
O Tenente deu um salto em fúria de tigre, mas estacou, murmurando com os dentes cerrados:
— Sr. Vice-Rei! ...
— Aqui não há Vice-Rei, disse-lhe em voz baixa o Marquês; há dois homens; mas, se o achas melhor, há o falso Amotinado a sair pela porta do muro, quando o verdadeiro entra pela porta da casa. E vê lá! não ofendas aquela que protejo!...
O embuçado afastou-se, deixando o Tenente em convulsão de raiva estéril.
Um vice-rei deveras fazia medo.
Mas às dez horas da noite ainda havia gente acordada na Rua do Padre Homem da Costa, e no dia seguinte toda a cidade sabia do caso das duas portas e dos dois Amotinados. Apareceram pasquins, compuseram-se cantigas e lundus, que eram as armas da censura popular do tempo, e alguns malévolos propuseram que a rua deixasse o antigo nome pelo do Amotinado.
O tenente celebrizou-se por brigas, em que ele só espalhou e espancou grupo de dez ou doze maldizentes.
E chegou então o novo Vice-Rei Luís de Vasconcelos.
O Marquês, despedindo-se do Amotinado a quem pagara sempre liberalmente a exagerada e servil dedicação, deu-lhe larga bolsa cheia de ouro; este, porém, pediu-lhe com a[dor a patente de capitão.
O Marquês respondeu-lhe:
— Pobre Amotinado!... os postos do exército são do rei, que os confere a quem presta serviços a seu governo; os teus serviços foram prestados só à minha pessoa, e eu não posso pagá-lo senão com o meu dinheiro. Veio que uma bolsa foi pouco, e dou-te outra.
E foi buscá-la, e deu-lhe, e o miserável aceitou-o.
O povo chorou, vendo partir para Lisboa o Marquês de Lavradio, a quem todos perdoavam as travessuras amorosas pelo bom, sábio, justo e benemérito governo.
A linda viuvinha Zezé ficou com seu dote que lhe aumentou bastante a boniteza para achar, como achou, marido de seu gosto e escolha.
Mas a Rua do Padre Homem da Costa não podia mais conservar a denominação envelhecida.
Continuava a teima dos zombeteiros e dos inimigos do tenente valentão e espalha brasas em querer chamá-la Rua do Amotinado.
O Tenente João Moreira, o Amotinado, o companheiro ou caudatário do Marquês de Lavradio em seus passeios noturnos, era casado e tinha em sua companhia uma cunhada, Josefa, chamada em família Zezé, viúva há um ano.
A esposa do Amotinado era bonita e jovem; mas a Zezé, dois anos mais moça, mais bonita ainda.
O Tenente morava à Rua do Padre Homem da Costa, um pouco acima da dos Ouvires, e sua casa de um só pavimento tinha além da porta de entrada uma outra em curto muro contíguo, a qual só se abria para o serviço dos escravos.
Ora, no último ano do seu vice-reinado o Marquês, apanhado uma noite na Rua do Padre Homem da Costa por súbita e grossa chuva, aceitou o oferecimento do Tenente, recolheu-se à casa deste, e viu Leonor, ou Lolora, como o marido e parentes a chamavam, e a Zezé, sua irmã.
O Marquês ficou encantado, e creio que só em lembrança dos serviços que devia ao Amotinado não pensou em apaixonar-se por ambas.
Enamorado da Zezé, e castigando assim e sem idéia de castigo as vis cumplicidades do Tenente, fez chegar seus recados e proposições amorosas à linda viuvinha, conseguindo comovê-la com a ternura prestigiosa e com a sua singular beleza de Vice-Rei.
Não sei como o Amotinado descobriu o namoro e os projetos do Marquês, e pôs-se alerta para impedir que o vice-real namorado penetrasse em sua casa.
O cem vezes baixo e aviltado cúmplice de entradas noturnas em casas alheias não queria graças pesadas na sua: com outro qualquer teria logo posto fim à história, rompendo em escandaloso conflito do seu costume; como o vice-rei, porém, o caso era outro, e o Tenente sabia que a mais pequena cabeçada leva-lo-ia à forca ou pelo menos ao desterro, ficando não só Zezé mas também Lolora indefesas e à mercê do Marquês, e de outros depois dele.
O Amotinado não fez bulha na família, guardou o seu segredo; e esperou, zelando vigilante e desconfiado a casa.
O Marquês tinha, no entanto, chegado a sorrir a mais terna esperança:
Uma noite o Tenente achou o Vice-Rei de cama em conseqüência de um resfriamento e em uso de sudoríficos.
— Tenente, disse o Vice-Rei com voz trêmula, eu hoje não posso sair; vão rodar até à meia-noite, e vigia bem o Jogo da Bola e a cadeia. Amanhã às oito horas vem dar-me parte do que houver
O Amotinado saiu.
Às onze horas da noite em ponto, o Marquês, disfarçado em oficial de marinha, parou na Rua do Padre Homem da Costa junto à porta do muro contíguo à casa do Tenente e bateu de leve cinco vezes.
Uma voz comprimida e como ansiosa perguntou de dentro.
— Quem é?...
O Marquês respondeu sorrindo:
— Sou o Tenente Amotinado.
O portão abriu-se, e o Marquês recuou um passo, vendo o Tenente que trazia na mão uma lanterna, e disse logo:
— Perdão, Sr. Vice-Rei! Eu sei que há dois Amotinados na cidade, mas nessa casa só entra sem pedir licença o Amotinado verdadeiro.
E trancou a porta.
O Marquês quase que se encolerizou, mas faltou-lhe, o quase, porque imediatamente desatando a rir voltou sobre seus passos e foi dormir e sonhar com a linda viuvinha Zezé.
No outro dia recebeu às oito horas da manhã o Tenente, tratou-o com a maior bondade, riu-se, lembrando-lhe o desapontamento por que passara no portão, louvou-lhe o zelo pela honra da Zezé, e, a rir ainda mais, recomendou-lhe que tivesse cuidado com o falso Amotinado.
Continuaram como dantes em noites determinadas os passeios noturnos do Marquês e do Tenente, este, porém, velava sempre em desconfiança daquele.
Algumas semanas depois, em noite de falha de ronda, o Amotinado, ouvindo o toque das dez horas no sino de S. Bento, correu para casa, porque era a essa hora que o Marquês costumava sair. Chegou, bateu à porta que Lolora veio abrir-lhe um pouco morosa; quando, porém, ia entrando, o Tenente sentiu leve ruído... voltou a chave, fingindo ter trancado a porta e esperou...
Quase logo a porta do muro abriu-se, e por ela saiu um embuçado.
O Tenente deu um salto em fúria de tigre, mas estacou, murmurando com os dentes cerrados:
— Sr. Vice-Rei! ...
— Aqui não há Vice-Rei, disse-lhe em voz baixa o Marquês; há dois homens; mas, se o achas melhor, há o falso Amotinado a sair pela porta do muro, quando o verdadeiro entra pela porta da casa. E vê lá! não ofendas aquela que protejo!...
O embuçado afastou-se, deixando o Tenente em convulsão de raiva estéril.
Um vice-rei deveras fazia medo.
Mas às dez horas da noite ainda havia gente acordada na Rua do Padre Homem da Costa, e no dia seguinte toda a cidade sabia do caso das duas portas e dos dois Amotinados. Apareceram pasquins, compuseram-se cantigas e lundus, que eram as armas da censura popular do tempo, e alguns malévolos propuseram que a rua deixasse o antigo nome pelo do Amotinado.
O tenente celebrizou-se por brigas, em que ele só espalhou e espancou grupo de dez ou doze maldizentes.
E chegou então o novo Vice-Rei Luís de Vasconcelos.
O Marquês, despedindo-se do Amotinado a quem pagara sempre liberalmente a exagerada e servil dedicação, deu-lhe larga bolsa cheia de ouro; este, porém, pediu-lhe com a[dor a patente de capitão.
O Marquês respondeu-lhe:
— Pobre Amotinado!... os postos do exército são do rei, que os confere a quem presta serviços a seu governo; os teus serviços foram prestados só à minha pessoa, e eu não posso pagá-lo senão com o meu dinheiro. Veio que uma bolsa foi pouco, e dou-te outra.
E foi buscá-la, e deu-lhe, e o miserável aceitou-o.
O povo chorou, vendo partir para Lisboa o Marquês de Lavradio, a quem todos perdoavam as travessuras amorosas pelo bom, sábio, justo e benemérito governo.
A linda viuvinha Zezé ficou com seu dote que lhe aumentou bastante a boniteza para achar, como achou, marido de seu gosto e escolha.
Mas a Rua do Padre Homem da Costa não podia mais conservar a denominação envelhecida.
Continuava a teima dos zombeteiros e dos inimigos do tenente valentão e espalha brasas em querer chamá-la Rua do Amotinado.
Joaquim Manuel de Macedo
Texto extraído do livro "Memórias da rua do Ouvidor", Tipografia
Perseverança - Rio de Janeiro, 1878. pág. 99.
As mãos do meu pai
As tuas mãos tem grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já cor de terra
— como são belas as tuas mãos —
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram
na nobre cólera dos justos...
Porque há nas tuas mãos, meu velho pai,
essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam
nos braços da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas...
Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente,
vieste alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta iuns gravetos e tenta acendê-los contra o vento?
Ah. Como os fizeste arder, fulgir,
com o milagre das tuas mãos.
E é, ainda, a vida
que transfigura as tuas mãos nodosas...
essa chama de vida — que transcende a própria vida...
e que os Anjos, um dia, chamarão de alma.
sobre um fundo de manchas já cor de terra
— como são belas as tuas mãos —
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram
na nobre cólera dos justos...
Porque há nas tuas mãos, meu velho pai,
essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam
nos braços da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas...
Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente,
vieste alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta iuns gravetos e tenta acendê-los contra o vento?
Ah. Como os fizeste arder, fulgir,
com o milagre das tuas mãos.
E é, ainda, a vida
que transfigura as tuas mãos nodosas...
essa chama de vida — que transcende a própria vida...
e que os Anjos, um dia, chamarão de alma.
Mario Quintana - Esconderijos do Tempo
Mário Quintana
Mário Quintana
Lia de Itamaracá
Essa ciranda quem me deu foi Lia
Que mora na Ilha de Itamaracá
(Teca Calazans)
Que mora na Ilha de Itamaracá
(Teca Calazans)
Enquanto Lia não vem, é Dona Creusa que vai desfiando histórias. É a proprietária do "Sargaço" que comprou em 1973, ali no Jaguaribe. Trabalha com frutos do mar em geral: peixada, lagosta, filé de agulha, ostra, marisco, camarão. E tem sururu, pirão de guaiamum, e, é claro, cerveja bem geladinha — indispensável quando o sol castiga fone a ilha de Itamaracá. Não, não ganha muito dinheiro não. Agora mesmo, veja só, o bar só tem vocês aqui. Vocês, eu, o Dr. Bernardo, diretor do Manicômio, e o Gilberto Marques Paulo — Secretário de Justiça e, nas horas vagas, tocador de violão e seresteiro. E mais o Juca, filho de José Lopes — ex-Prefeito da ilha. Gilberto acaba de me fazer visitar a Casa Grande do Presídio. Estranho aqueles homens todos morando em mil e setecentos hectares de terra, cada um com sua família em casas bem feitinhas, plantando as verduras que comem, andando livres pela Ilha. É um trabalho de humanização que vem aplicando às penitenciárias, tarefa na qual se engajou Célia, sua mulher. Ela cuida dos menores, antes que cheguem à delinqüência. Pergunto se eles não fogem, tão fácil é o caminho da fuga. Nos dias de hoje, com moradia e comida garantida para si e a família — para que se evadir? Não me dou ainda por satisfeito, vou aqui e ali conversando com alguns presidiários. Visito a Casa da Farinha, vejo-a em pleno funcionamento. Vasculho as estradas, puxo conversa e me lembro de um tempo em que tinha. um programa de violão e poesia que era transmitido de uma rádio instalada na Frei Caneca. Vivaldi e Fernando Pessoa eram de vez em quando entrecortados por gritos pavorosos, a pancadaria comendo solta no meio da noite. Um dia contarei essa história, passada nos idos de cinqüenta.
"Lia já vem". Teca Calazans costumava passar uns tempos na Ilha e ia às cirandas de Dona Duda, no Janga — subúrbio de Olinda. E me parece que foi por lá que conheceu a Lia. Ouviu-lhe as cirandas, anotou algumas, e ainda compôs outra que ficou famosa em todo o Brasil, cantada pelo Quinteto Violado: "Essa ciranda quem me deu foi Lia/ Que mora na Ilha de Itamaracá". E ai a cirandeira virou símbolo da ilha, parte integrante de seu folclore. E vem ela chegando.
Bonita. essa Lia! Enorme mulher de metro e oitenta. Os cabelos desarrumados, blusa florida e calça jeans, pés gigantescos em sandália de couro cru. Não está nada à vontade, devemos ser mais alguns daqueles forasteiros que vêm para lhe tirar fotografias, posar ao lado se possível com um sorriso que por enquanto economiza, como também raciona as palavras. Mais mimetiza do que fala. Dona Creusa parece um pouco a Neuma da Mangueira, bonita como ela. Cabelos brancos, manda renovar a cerveja e a cachaça, os filés de agulha. Queixa-se do preço do camarão, diz que todo ano tem Festival de Cirandas, mas que a vontade dela é botar ali em freme do bar uma espécie de palco cheio de luz. Para que Lia cante e cirandeie. No espaço que tinha, ergueram um barraco inútil que só atrapalhou a vida do bar. "E vive de que a Lia?" Da profissão de merendeira escolar. empregada do Estado. "Ganho salário". Quer dizer: esse mísero salário mínimo, que é uma vigésima parte do preço de uma diária das suítes presidenciais que nós pagamos para nossa primeira-dama desfilar seu eterno sorriso, coisa aliás muito rara no rosto de Lia, a de Itamaracá.
As cirandas são famosas: além do canto de Lia, existem os músicos que a acompanham: um surdo, pistom. tarol e ganzá. Às vezes, ao invés do pistom, um saxofone. Disco já gravou sim, na Rozenblit — isso em 1977. Diz que não viu a cor do dinheiro. Vai lá dentro do bar e traz a capa: Lia bonita. sorridente, florida. Cheirosa. Lamenta que lhe roubem as músicas que faz, mas o que se há de fazer? Direito autoral, direitos conexos — são coisas de que ela não ouviu falar, sabe apenas que a música a empobrece mais ainda. Pergunto se ela não quer participar do disco do Capiba, diz que vai sim e não tenho muito por que acreditar. Promessas deve receber a toda hora, nota-se isso no olhar entristecido que quase nunca se fixa no interlocutor, vagueia para um lado para outro, como se buscasse na linha do horizonte as palavras de seu fraseado curto, quase monocórdio. E como é que é na hora da ciranda. hein Lia? “E cachorro amarrado, pau comendo!" Ai desamarra a boca, solta-se um pouco mais, parece que vejo os seios bufarem quando fala em ciranda. E começa cantar uma que Capiba lhe fez de presente: "Minha ciranda não é minha só/ é de todos nós!/ a melodia principal quem tira/ é a primeira voz/ pra se dançar cirandada/ juntamos mão com mão/ formando uma roda / cantando uma canção". Combino quase tudo: o dinheirinho que vai ganhar. ela fala dos músicos que precisa arregimentar. Vem mais uma rodada de pinga e mais peixe-agulha. Lia vai buscar seu Bezerra, do saxofone; e Marcelo do ganzá, Genuário do tarol, do surdo: precisa deles para a gravação.
A Ilha de Itamaracá começa a se parecer um pouco com a da Jipóia ou Jibóia, como queiram: lá de Angra dos Reis. Não a de agora, que nem mais a quero conhecer. Mas a dos tempos de meu avô Gregório que não conheci, e que era tido como o melhor violeiro do Estado do Rio. A velha Florinda, sua mulher, vinha trazendo aviso:"Lá na ilha Grande tem um violeiro que anda prosando que é melhor do que você. Se aprepare”. Ele ia temperar (afinar) a viola. ela fazer o farnel. Desciam os dois, ela pegava o remo e ele só temperando, temperando. E que só voltasse vencedor. Essa herança de violeiro passou para os filhos, pegou de raspão num neto que ainda chegou a dedilhar uns clássicos e largou tudo pela poesia, mas agora ressurgiu num bisneto que está firme em Leo Brouwer, Villa-Lobos, Torroba. Lembro meu sobrinho Saulo, fico orgulhoso de meu avô Gregório e largo meus devaneios porque é hora de voltar ao mundo.
Claro que deveria explicar o que estou fazendo aqui em Recife: um disco para Capiba, história que já comecei a contar há duas semanas passadas e correu firme pelo Recife inteiro: todo o mundo de Pasquim na mão. Cansaço, emoção: e lá vou eu parar na Unicordis, outra crise de hipertensão — eu ali domesticado na sala branca, monitorizado para um eletro que vai apontar a polirritmia dos batimentos cardíacos, o coração já em compasso de frevo dedilhado peja "Valsa verde" de Capiba, pelo choro que Jacaré fez em minha homenagem, mas também pelos aborrecimentos todos que cercam a vida de um fazedor de cultura, de um brasileiro irremediável e que anda chorando à toa pelos cantos da vida — a serenidade escoando aos poucos, a tensão desses dias ameaçadores provocando a hipertensão — e ainda mais agora essa tal de Lia de Itamaracá, ora vejam só.
Lia chega ao estúdio: seu Bezerra se perdeu no caminho, daqui a pouco chegará. Os meninos da "Casa do Guia Mirim" de Olinda estão por aqui, para deitar recitação no disco de Capiba. E uma ciranda come solta no estúdio três por quatro da Somax. Lia cirandeira de Itamaracá ,toda sorridente e festeira, primeira-dama destituída de outros privilégios que não seu próprio talento de mulher do povo, assalariada com um mínimo que não lhe roubou ainda toda a alegria.
Estranha música, essa de seu povo! As cirandas pernambucanas de Lia estão na boca de toda a gente, na alegria das pessoas se dando as mãos. cirandando em volta dela. E na verdade essa mulher de quarenta anos, meiga às vezes e justamente desconfiada quase sempre, e para muitos apenas uma dessas peças de artesanato urdidas em barro e que vão ornamentar uma estante — até que se espatifem e ganham o caminho da lixeira. Pegaram o disco de Lia e o trataram como se fosse de barro. Nem ela tem um só, até porque nem escutaria: vitrola é coisa que deve existir em sua vida de merendeira escolar. Volta e meia um turista de ar dementado virá tirar-lhe uma foto e nisso eu fico toda hora me lembrando de meu querido Camafeu de Oxossi, toda hora requisitado no extinto Mercado Modelo para exibir o sorriso, o chapéu imenso, a fama de melhor sabedor da Bahia, elogio que lhe pespegou o Jorge Amado.
Deixo Lia à porta do estúdio. Parece até que está feliz. Por pouquinho deixa de cruzar com Mestre Capiba, que vem cheio de guizos no rosto, a felicidade lhe tomando a alma.
Vai com Deus, Lia! toma conta dele direitinho.
Hermínio Bello de Carvalho
Texto extraído de plaqueta em homenagem prestada por João Antônio Buehrer Almeida — e seus arquivos incríveis, aos 70 anos de Hermínio Bello de Carvalho. Publicado no jornal “Pasquim” nº 796, edição de 27/09/1984 a 03/10/1984, Rio de Janeiro (RJ).
Frase
Diante das circunstâncias brasileiras, depois do
impeachment, o que temos que fazer é atravessar o rio. Isso é uma ponte,
pode ser uma ponte frágil, uma pinguela, mas é o que se tem.
Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República, sobre o governo Temer
Parabéns
A ele os nossos sinceros parabéns e agradecimentos por ter escolhido à nossa terra como morada.
Que Deus ouça nossas preces para que ele aguente, pelo menos, mais 20 anos!
Teófilo Júnior
Teófilo Júnior
Desejo
“O
desejo não é um estado, não é um lugar aonde eu chego. O desejo é o
horizonte, aquilo que norteia, mas nunca se alcança. Como escreveu
Eduardo Galeano sobre a utopia como horizonte, eu caminho dois passos em
direção ao horizonte e o horizonte se afasta dois passos de mim.
Caminho dez passos e ele se afasta dez passos. O horizonte não existe
para que se chegue até ele, e sim para não me impedir de caminhar — o
desejo é que impede que eu pare de caminhar. Por isso, o desejo é
imortal.”
(CORTELLA, Mario Sergio. Desejo, necessidade, vontade. In: _____. Viver em paz para morrer em paz (paixão, sentido e felicidade). São Paulo: Saraiva, 6. ed., 2013, p. 104, “O que a vida me ensinou”.)
A pista do passado
Falei dias atrás sobre as histórias de viagem no Tempo
onde dois fatos, em momentos diferentes do Tempo, se refletem um no outro,
quando um personagem, viajando na direção do passado, encontra um objeto
significativo que conhecera em sua própria época, e que de certa maneira é a
razão de sua viagem.
Outro efeito empregado pelos autores dessas histórias
pode ser resumido assim: alguém da nossa época viaja (mental ou fisicamente) ao
Passado. Lá, interfere de alguma maneira nos acontecimentos e isso produz uma
marca que poderá ser vista pelas pessoas do “presente”, da época de onde ele
próprio partiu.
Um dos melhores livros de Isaac Asimov é The End of Eternity (1955) (no Brasil, O Fim da Eternidade, Editora Aleph), cuja
premissa básica é a existência de uma espécie de Túnel do Tempo pelo qual um
grupo de “Eternos” é capaz de acessar cada século da História. Um personagem é
enviado ao passado, o ano de 1932, e por uma série de razões fica preso ali.
Os Eternos se reúnem. Sabem que estando preso no passado
o explorador pode tentar mandar algum recado para eles. E começam a pesquisar as
revistas da época, até que encontram um desenho de uma nuvem em forma de
cogumelo (que em 1932, antes da bomba atômica, não despertaria nenhuma
ressonância especial nos leitores) e a frase “All the Talk Of the Market”, que
forma o acróstico A-T-O-M. É um recado, à vista de todos, mas que só poderia ser
corretamente interpretado pelas pessoas do futuro.
(Segundo consta, Asimov teria visto a foto casual de uma
nuvem-cogumelo (natural, não atômica) numa revista antiga, e isso lhe deu a
idéia da história, plantando um viajante do Tempo no passado.)
Outro exemplo vem do conto “Uma mensagem de Charity” (“A
message from Charity”, 1967, de William M. Lee), que incluí na minha antologia Contos Fantásticos de Amor e Sexo, Ímã
Editorial, Rio, 2011.
Desta vez não se trata de viagem no Tempo, mas de contato
telepático através do Tempo entre dois adolescentes, um garoto do século 20 e
uma garota do começo do século 18, no mesmo local da Nova Inglaterra (EUA).
Charity e Peter (por mecanismos que não vale a pena
questionar aqui) entram em contato telepático, leem o pensamento um dos outro,
ficam amigos. Ela descreve para ele o mundo soturno em que vive, cheio de caças
às bruxas; ele mostra a ela o mundo moderno (cada um consegue, numa certa
medida, ver o que o outro está vendo). Eles moram exatamente no mesmo local
físico, e há um rochedo, a Pedra do Urso, onde os dois costumam sentar para
“conversar” mentalmente – como se fosse um local onde o sinal do celular pega
melhor.
Só que, com esse moído todo, o pessoal da época de
Charity começa a desconfiar do comportamento dela, alheia, distraída,
aparentemente falando sozinha. Suspeitam que ela é bruxa. Ela é submetida a um
julgamento onde Peter ajuda na sua defesa – no futuro ele é capaz de pesquisar
na biblioteca local e descobrir informações sobre crimes praticados pelos
acusadores de Charity, que os ameaça veladamente no tribunal e acaba se
safando.
Mas o perigo continuia, e ela resolve cortar a ligação
com Peter. Despede-se dele, e diz: “Olhe
na Pedra do Urso, embaixo do queixo, do lado esquerdo”.
Peter vai lá, naquele lugar tão conhecido dele, tateia
embaixo da pedra, e encontra, gravado na pedra, um coração com as iniciais
deles dois.
É mais uma vez essa figura das duas pontas que se
encontram; neste último caso, o detalhe mais significativo é saber que, durante
todas as conversas dos dois, o sinal (em 1967, digamos) já estava gravado na
pedra, três séculos antes, mas é só quando ela o revela que ele vai à procura e
o encontra.
Em sua Poética,
Aristóteles propõe uma figura literária chamada “anagnórise”, que é “um recurso narrativo que consiste no
descobrimento por parte de uma personagem de dados essenciais de sua
identidade, de entes queridos ou do entorno, ocultos para ele até então. A
revelação altera a conduta da personagem e obriga-a a formar uma idéia mais
exata de si mesma e do que a rodeia.” (Wikipédia).
Quando eu tiver tempo vou inventar um nome para esse
instante em que duas pontas do Tempo se tocam e um personagem, ao conhecer o
Passado, entende o real significado de algo que fez parte do seu Presente.
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo
Luciana Gimenez fica nua de novo
Luciana
Gimenez posou completamente nua na web. A imagem foi divulgada em seu
Instagram, na noite de quinta-feira (24). “Qual sapato? #duvidaCruel”,
escreveu ela.
A
apresentadora de 47 anos, famosa pela ótima forma, publicou o clique
usando apenas sapatos enquanto escolhia o que calçar. Uma bolsinha de
mão, inclusive, foi usada para cobrir a genitália enquanto o braço
esquerdo escondeu os seios.
Internautas,
claro, ficaram eufóricos, e deixaram diversos comentários, inclusive
sugerindo que ela saísse sem roupa. “Vai nua”, escreveu uma fã.
“Arrasou”, “doidona”, “maravilhosa”, “destruidora”, “zerou”, “você está
gostosa, põe pra jogo o corpão, amoreee” e “nem olhei para o sapato”
estavam entre os elogios.
Porém,
alguns fãs não gostaram da ousadia de Gimenez. “Desnecessário”,
comentou uma internauta. “Bêbada”, escreveu outra moça. “Exagerou na
exposição”, criticou uma terceira. “Gente pra que isso????? Ainda se
fosse uma cocotinha..para que tá feio” também foi outra mensagem
recebida pela apresentadora.
Internautas
ainda questionaram o ciúmes do maridão de Gimenez, Marcelo de Carvalho.
“Nossa…quanta coragem! Cadê o maridão? Ele não morre de ciúmes!?”,
perguntou uma seguidora. “Ohhh louco e o maridão deixa?”, questionou uma
segunda.
Apesar
de já ter aparecido diversas vezes nua, mas sem expor completamente os
seios ou a genitália, Gimenez disse que para mostrar, literalmente,
tudo, as revistas teriam de investir pesado.
“Nunca
digo nunca, mas não tenho coragem. O problema não é fazer carão nas
fotos, é mostrar a perereca. Eu não posaria por vaidade, só por uns bons
milhões”, disse ela em entrevista ao jornal O Dia em 2014, inclusive
citando os filhos. “Imagina os amigos na escola chamando a mãe dele de
gostosa? É expor demais. Se eu precisasse de grana para pagar as contas,
a escola dele, por exemplo, tudo bem, mas não é o caso. Tenho dinheiro,
uma carreira consolidada e o pai dele (Mick Jagger, pai de Lucas, seu
primogênito) ajuda”, revelou.
Fonte: Quem
sábado, 26 de novembro de 2016
Repentes
Existe quem diga que as lindas sereias
São fatos, são lendas que nunca existiram
Mas esses só dizem porque nunca viram
Morenas bonitas nas alvas areias
Maiôs sungadinhos, perninhas bem cheias
Que um frade de pedra não vê sem corar
As pontas agudas roliças de um par
De seios pulando num colo maciço
São pomos formados de puro feitiço
Quem é que resiste na beira do mar.
Dimas Batista
_____
Bebi muita água de pote
Aparada na biqueira
Envolta um pano molhado
Num gancho”véi”de aroeira
Era muito mais gostosa
Que água de geladeira.
Marcondes Tavares
____
Assim que fecha a contagem
Tem candidato que diz:
– O filho de Zé Luiz
Não tá na minha listagem.
Como é que teve a coragem
De apertar minha mão,
Pedir chuteira e calção
E o voto não aparece.
Só comigo isso acontece
Quando acaba a apuração.
Tem candidato que diz:
– O filho de Zé Luiz
Não tá na minha listagem.
Como é que teve a coragem
De apertar minha mão,
Pedir chuteira e calção
E o voto não aparece.
Só comigo isso acontece
Quando acaba a apuração.
Aquele que se elegeu
Bota o som em toda altura
Abalando a estrutura
Daquele que não venceu.
E o infeliz que perdeu
Fica na decepção
Sofrendo do coração
Com cara de estressado.
E ainda fica quebrado
Quando acaba a apuração.
Bota o som em toda altura
Abalando a estrutura
Daquele que não venceu.
E o infeliz que perdeu
Fica na decepção
Sofrendo do coração
Com cara de estressado.
E ainda fica quebrado
Quando acaba a apuração.
O candidato arrasado
Um gozador lhe aborda
Vai logo falando em corda
Em casa de enforcado.
O infeliz derrotado
Com a listagem na mão
Soma seção por seção
Pra confirmar o tormento.
É esse o pior momento
Quando acaba a apuração.
Um gozador lhe aborda
Vai logo falando em corda
Em casa de enforcado.
O infeliz derrotado
Com a listagem na mão
Soma seção por seção
Pra confirmar o tormento.
É esse o pior momento
Quando acaba a apuração.
É o maior carnaval
Na casa do vencedor,
Na casa do perdedor
Uma tristeza total.
Chega um cabo eleitoral
Com uma conta na mão,
De bebida e refeição
Consumida pelo povo.
E não sobra nem um ovo
Quando acaba a apuração.
Na casa do vencedor,
Na casa do perdedor
Uma tristeza total.
Chega um cabo eleitoral
Com uma conta na mão,
De bebida e refeição
Consumida pelo povo.
E não sobra nem um ovo
Quando acaba a apuração.
Mundim do Vale
___
Lourival Batista um
dos maiores repentistas da época, considerado o rei do trocadilho, cantava com
João Furiba em Afogados da Ingazeira/PE criticou Furiba porque se fazia
acompanhar de sua esposa, terminando uma estância:
“Não gosto do homem
que anda
Com a mulher por toda sua.”
A resposta do João
Mentira foi extraordinária, que eu
o coloco entre os gênios do repente.
“Pra não fazer como a
tua
Que fica em casa sozinha,
Entra homem pela sala,
Sai homem pela cozinha,
Eu como sou desconfiado
Pra onde vou, levo a minha.”
Ivanildo Vila Nova
herdara do pai José Faustino e era um verdadeiro assombro para os repentistas
da região. Seu verso, às vezes, era massacrante contra adversários. Enfrentando
João Furiba o desafiou:
“Já estou ficando
velho
De dar em cantor ruim.”
Furiba rápido como um
relâmpago, sapecou:
“Teu pai também era
assim
E se dizia professor,
Tudo que lia
decorava,
Usava anel de doutor,
Cantou trinta e cinco anos,
Morreu sem ser cantador.”
Assinar:
Postagens (Atom)