Não há nada mais fácil do que
parecer profundo e perspicaz em verso. Não tem nada que saber: basta
enchumaçar de alusões vagas os poemas, evitar quaisquer referências ao
que quer que seja de concreto, nublar o discurso com cogitações tão
confusas e gratuitas quanto possível, articuladas no modo elíptico da
poesia pós-mallarmeana e vanguardista do século XX. Habilmente mutilado,
gramatical e semanticamente, até o fraseado mais oco adquire um não sei
quê de prestigiante mistério num país,
como o nosso, onde o leitor/poeta médio continua a achar que um discurso
é tanto mais “fascinante” ou “poético” quanto mais abstruso e
incompreensível. Com isso, não admira que a mais vítrea estupidez passe,
amiúde, por alto logro estético e intelectivo, e que o chiste de
Agustina Bessa-Luís em Fanny Owen – “Se queres parecer inteligente,
veste-te de preto e fica calada” – pudesse ser reformulado em: “Se
queres parecer inteligente, veste-te de preto e escreve versos sem
sentido.”
José Miguel Silva
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