Pela pena de
Carlos Drummond de Andrade, deixo uma homenagem a todas as mães e a
minha solidariedade a todos os filhos que já não têm a quem abraçar
nesta data. O soneto que você lê abaixo é intitulado “Carta”:
Há muito tempo, sim, que não te escrevo.
Ficaram velhas todas as notícias.
Eu mesmo envelheci: olha, em relevo,
estes sinais em mim, não das carícias
Ficaram velhas todas as notícias.
Eu mesmo envelheci: olha, em relevo,
estes sinais em mim, não das carícias
(tão leves) que fazias no meu rosto:
são golpes, são espinhos, são lembranças
da vida a teu menino, que ao sol-posto
perde a sabedoria das crianças.
são golpes, são espinhos, são lembranças
da vida a teu menino, que ao sol-posto
perde a sabedoria das crianças.
A falta que me fazes não é tanto
à hora de dormir, quando dizias
“Deus te abençoe”, e a noite abria em sonho.
à hora de dormir, quando dizias
“Deus te abençoe”, e a noite abria em sonho.
É quando, ao despertar, revejo a um canto
a noite acumulada de meus dias,
e sinto que estou vivo, e que não sonho.
a noite acumulada de meus dias,
e sinto que estou vivo, e que não sonho.
Note que o “eu
lírico” (a voz que fala em um poema) é um homem já envelhecido. Faz
menção aos sinais em seu rosto (as rugas do envelhecimento) e emprega a
expressão “ao sol-posto”, metáfora da última etapa da vida.
Conversa com a
mãe, expressando a falta que sente dela, por meio da segunda pessoa do
singular (tu), como se vê na flexão dos verbos e no emprego dos
pronomes: “que não te escrevo”,”olha em relevo” (modo imperativo), “que fazias no meu rosto”, ” a falta que me fazes“, “quando dizias“, “Deus te abençoe”
(a mãe também o trata por “tu”). Percebe-se que o poeta mantém o
tratamento (“tu”), sem a mistura de pessoas gramaticais hoje tão comum
mesmo em escritores.<
/p>
Vale observar
a bela estrutura do soneto, com suas rimas e versos decassílabos. Veja a
maestria do poeta na passagem da primeira estrofe para a segunda: a
“frase” que começa no terceiro verso da primeira estrofe continua no
primeiro da segunda:
… olha, em relevo,/ estes sinais em mim, não das carícias /(tão leves) que fazias no meu rosto
Embora a ideia
comece em uma estrofe e continue na outra, não há interrupção de sentido
ou de ritmo. Esse recurso chama-se “enjambement” ou encadeamento. Na
leitura em voz alta, deve-se respeitar o ritmo, sem fazer uma pausa
artificial entre os versos.
Rimas como “escrevo/relevo” ou “dizias/dias”, obtidas de palavras de diferentes classes gramaticais, são as chamadas rimas ricas, que sempre
oferecem mais dificuldade ao autor. Para fazer um soneto, é preciso
pensar em muita coisa (métrica, ritmo, rimas), tudo isso a serviço da
emoção, que transparece nas metáforas e outros volteios de linguagem.
Veja como a vida é descrita pelo poeta num paradoxo: “noite acumulada de
meus dias”.
Há muito mais a dizer, mas fique hoje o leitor com essa pequena degustação do nosso grande Drummond.
POR THAÍS NICOLETI
(http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/05/08/um-poema-de-drummond-no-dia-das-maes; acesso em: 28/06/2016)
Nenhum comentário:
Postar um comentário