O suicídio
de Virginia Woolf em 28 de março de 1941 é um dado biográfico absolutamente
especial. Ele faz pensar em aspectos da morte e do morrer. No gesto de
cancelamento da vida pela qual optou a escritora, podemos ver a depressão e a
melancolia, ou a fuga de um mundo em guerra em tempos fascistas,
inevitavelmente deprimentes para quem se mantinha ética e politicamente
sensível. Talvez ainda Virginia Woolf tenha praticado um último ato no sentido
do direito à morte como direito de luta pela liberdade que é própria à vida
pensada como categoria ética e política. Quem vai saber?
Quem se
contenta em resolver o problema da morte com aquela frase do filósofo Epicuro
“não conhecemos a morte porque, quando ela chega, já não estamos presentes”
sabe que se trata de uma frase de efeito que pode servir, em última instância,
para evitar uma reflexão capaz de produzir muita angústia. Em tempos fascistas
como os nossos, tempos que se repetem historicamente, mais do que nunca, é
preciso pensar sobre a morte e renovar nossa relação com a angústia. A angústia
tem algo a nos ensinar, que não precisamos nos matar e que não devemos matar os
outros.
Ora,
vivemos em tempos fascistas, tempos em que há muitas práticas de morte, morte
por descaso e assassinato, e nenhuma reflexão sobre ela. Pensar na morte pega
mal na era da felicidade banal típica desses tempos em que toda angústia é
evitada. O fascista não sente angústia. E isso porque a morte não é, para ele,
uma alternativa. Ele não lembra que vai morrer. Ele não morre simbolicamente
como acontece às pessoas em geral algumas vezes na vida. Ora, o fascista não
morre porque não pode morrer. Não morre justamente porque, como o confirma sua
rigidez, ele já está morto.
Vida como
categoria política
Antes de
ser uma categoria médica ou biológica, a vida é uma categoria política. Como
categoria política, a vida implica a nossa potência para a relação simbólica
com o outro que é sempre uma relação de reconhecimento. Aquele que não
reconhece a alteridade está morto. Está politicamente morto. Ora, quem está
politicamente morto, está morto.
O cadáver
é a objetificação total. Nele não há mais chance de estabelecer relação com o
outro. Há cadáveres vestidos de morto fingindo estar vivos. De paletó e gravata
eles dão as regras do jogo – sempre político – dos outros que, juntos,
permenecem vivos. O cadáver veste a fantasia do político profissional e sobe ao
palco espetacular dos meios de comunicação. Ali ele lança seu vômito apodrecido
contra a dança da vida que é a dionisíaca dança da diferença.
No cenário
político brasileiro, há quem, sendo sensível como Virgínia Woolf, pense que
seria melhor morrer de vez. Há quem se deprima e pense em se matar. A depressão
também é uma categoria política.
Fascista,
a propósito, é um termo genérico que traduz uma expressão mais específica:
personalidade autoritária. Em alta em nossa cultura ela nasce da cópula entre a
paranoia e a ignorância. O outro não passa, no seu regime, de “tudo o que não
presta” e que deve ser eliminado.
A fantasia
da morte pode ser uma real perda de tempo, mas a meditação sobre a morte já
ensinou muitos filósofos a viver. O tabu no qual o suicídio se tornou nos
impede de ver o doloroso ensinamento de Virginia Woolf morrendo em um mundo
morto sem chance de reinventar a vida.
Hoje não
basta evitar falar do suicídio ou evitar praticá-lo. Seria preciso reinventar a
vida. Essa reinvenção é necessariamente política. A pergunta que podemos nos
colocamos é se um fascista seria, no atual momento político, capaz de meditar
sobre sua própria morte.
Márcia
Tiburi
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