Talvez seja o
final do carnaval ou a espera da semana santa. O fato é que acho o começo de
março um período muito intrigante. Não sei bem por quê. No dia 3 de março, por
exemplo, já aconteceu muita coisa. Karl Marx foi expulso da Bélgica; Mônica
Lewinsky falou na TV sobre seu caso com o presidente Bill Clinton; o Papa
Eugênio IV foi eleito; os aviões de guerra dos EUA fazem seu primeiro ataque na
II Guerra Mundial; e 'Carmem', uma de minhas óperas favoritas, estreou em
Paris.
Talvez por tudo
isso, ou provavelmente por nada disso, eu sempre, neste período, penso na vida
e na morte. Conforme o ano, penso mais em um que no outro.
Dependendo da fé,
valores, desejo, destino ou desenho, cada um tem uma visão diferente da vida.
Uns acham que a cada vida equivale uma existência. Outros acreditam que é
possível viver várias vidas dentro da mesma existência. E outros ainda acham
que existem varias existências onde se vive uma ou varias vidas.
Este é um assunto
confuso. Não sei no quê (ou em quem) acreditar.
Por outro lado,
estou certo que em uma mesma existência, morre-se várias vezes. Morre-se um
pouco cada vez que se passa da existência real para a história da vida de quem
nos é importante. Não dá para precisar o ponto exato em que isso acontece.
A morte em vida começa no primeiro metro da estrada
do abandono, ultrapassa o ponto da existência, apaga a memória e,
inevitavelmente, chega ao esquecimento. Deste ponto em diante, é caminho de mão
única.
O caminho para
cada morte em vida é lento e agonizante. Resiste-se. Ninguém quer ser
esquecido. Todos percorrem o caminho relutantemente. Quando, por
circunstâncias, intenção ou acidente, o abandono se inicia, amplia-se a
distância e, talvez inevitavelmente, experimenta-se o caminho do calvário, do
abandono à crucificação pelo esquecimento.
E a vida segue,
independentemente de ser a mesma ou uma nova. Apenas segue, como em um rio em
que a água, limitada pelas margens, flui, por falta de opção, somente em uma
direção.
A existência
coincide com a vida até que o corpo para de funcionar. A vida, entretanto, pode
continuar depois do fim da existência. Ela se preserva na forma das memórias
represadas no coração e nas mentes daqueles que ficam.
A morte
verdadeira, definitiva, inevitável, somente vem muito depois do fim da
existência. Ela somente aparece quando a última pessoa que se lembra,
esquece-se daquele que se foi. Nesse ponto, finalmente a morte encontra o fim
da vida. Talvez estejamos condenados a viver somente uma vida. Mas certamente
morremos várias vezes. Inevitavelmente.
Elton Simões mora no Canadá.
Formado em Direito (PUC); Administração de Empresas (FGV); MBA (INSEAD), com
Mestrado em Resolução de Conflitos (University of Victoria). E-mail: esimoes@uvic.ca
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